William P. Young: "Ninguém mais aguenta um Deus distante" – Por Danilo Venticinque
Autor do best-seller "A
cabana", o escritor canadense defende a importância da espiritualidade na
vida cotidiana, dentro ou fora das religiões organizadas
Na fronteira obscura entre a
autoajuda, a religião e a literatura, o canadense William P. Young ergueu sua
tenda de milagres. Seu romance A cabana, de 2007, conquistou 18 milhões de
leitores em todo o mundo com sua forte mensagem religiosa.
O livro narra a
história de um homem atraído para uma cabana misteriosa após o desaparecimento
de sua filha. Lá ele encontra Deus, personificado como uma mulher negra e
bondosa.
Em seu novo romance, A travessia (Editora Arqueiro), Young retoma sua
espiritualidade exótica com a história do executivo milionário que encontra
Jesus e o Espírito Santo depois de entrar em coma devido a um derrame. Em
entrevista a ÉPOCA, Young fala sobre seu novo livro, sua visão religiosa e as
críticas que recebeu.
ÉPOCA – Seu livro é uma obra de
ficção, mas concorrerá com títulos que relatam experiências sobrenaturais. O
que acha dessa disputa?
William P. Young – Acho que todos
nós já tivemos alguma experiência sobrenatural. Muitas vezes o sobrenatural
está oculto no dia a dia. Um pôr do sol, um arco-íris ou o choro de um
recém-nascido podem ser experiências sobrenaturais. Já tive vários sonhos em
que sei que conversei com Deus. Tenho certeza disso. Deus também fala comigo
por meio da minha família, dos meus amigos ou até mesmo de inimigos. Não há
motivo para separar as experiências sobrenaturais dos pequenos encontros com
Deus que ocorrem em nossa vida cotidiana. Deus está presente em todos os
momentos. Acreditar no sobrenatural é fácil demais. O mais difícil é encontrar
a espiritualidade na vida real. É preciso trabalhar duro para isso.
ÉPOCA – A travessia pode ser lido
como continuação de A cabana?
Young – Não exatamente. É uma continuação
de certa forma, porque é um livro sobre Deus, sobre a transformação do coração
humano pela fé e sobre relacionamentos, mas com uma história totalmente
diferente. É escrito naquele mesmo gênero que ninguém conseguiu explicar,
incluindo eu.
ÉPOCA – Como o senhor descreveria
esse estilo?
Young – Espiritualidade realista,
talvez (risos)? Tudo o que escrevo é centrado na mesma pergunta: o que
aconteceria se, em meio a nossa vida cotidiana, deparássemos com as ações de um
Deus que trabalha a nosso favor, que nos ama e quer que sejamos pessoas
melhores? Quando decidi lançar A cabana, 26 editoras recusaram o livro. O
motivo que elas davam era sempre este: o livro não era parecido com nada que
havia sido lançado até então, e era um risco apostar em algo tão incomum.
ÉPOCA – Por que a espiritualidade
vende tanto?
Young – Os avanços da sociedade
não atendem todas as nossas necessidades. A tecnologia só aumenta nossa
angústia espiritual. Mesmo quando estamos conectados 24 horas por dia, temos
muito tempo para pensar na vida e notamos que há espaços vazios em aspectos
importantes dela. Queremos que a vida seja mais que isso. Não sou inteligente o
suficiente para dizer que entendo as angústias da sociedade como um todo, mas o
sucesso da espiritualidade mostra que há muitas pessoas fazendo as mesmas
perguntas. O que meus livros fazem é colocar Deus no dia a dia, com uma
linguagem amigável. Isso é algo que a religião organizada dificilmente faz. Com
a linguagem de meus livros, os leitores podem falar de espiritualidade com seus
amigos, com sua família.
ÉPOCA – É uma missão bastante
ambiciosa...
Young – Não diria que é uma
missão. Nada disso foi proposital (risos). A primeira versão de A cabana foi
escrita como um presente de Natal para meus filhos. Tenho seis filhos: o mais
velho tem 32; o mais novo, 19. Juntando família e amigos, pensava em atingir 15
pessoas no máximo. Meus pais foram missionários, fui criado numa tribo
indígena. Tive uma vida espiritual muito intensa. Sempre pensei muito sobre
Deus e queria reunir num lugar todos os meus pensamentos sobre o assunto. Foi
por isso que escrevi A cabana. A semana que o personagem principal passa na
cabana corresponde a 11 anos da minha vida em busca de respostas. É minha
história espiritual em forma de ficção. A travessia é o primeiro livro que
escrevo com o propósito de ser lido. Gosto de contar as histórias que meu
coração manda contar, e elas encontram lugar no coração do leitor sem pedir
permissão. Quanto mais leitores quiserem compartilhar essa história comigo,
mais satisfeito ficarei. Não vejo isso como uma meta. Se só minha mulher e meus
filhos gostarem do livro, tudo bem. Eles gostaram, aliás.
ÉPOCA – A história de A travessia
é tão pessoal quanto a de A cabana?
Young – Tenho um pouco em comum
com o personagem principal. Ele é um homem ambicioso, egoísta, com um coração
fechado... Todos nós somos assim quando pisamos demais no acelerador e entramos
numa rotina sem reflexão. Quis criar um personagem detestável, porque sei que
eu mesmo não era um personagem muito agradável quando tinha meus 30 anos. Minha
transformação é parecida com a dele. A travessia é um livro mais humano do que
autobiográfico. A história é sobre como atravessamos momentos de cegueira. Atravessamos
a vida sem pensar, mas momentos traumáticos como doenças e grandes perdas nos
fazem parar e pensar em como nossas escolhas afetam quem está a nosso redor. A
vida é um convite diário para mudarmos para melhor, mesmo nos menores gestos.
Ao contrário do meu personagem, já cheguei aos 57 anos. É tempo o bastante para
perceber que cada detalhe da vida é sagrado. É possível ouvir o Espírito Santo
no rock. Ou na bossa nova!
ÉPOCA – Se o senhor lesse o livro
aos 30 anos, quando era parecido com o personagem principal, como reagiria?
Young – Nunca pensei nisso. Das
duas, uma: ou acharia ridículo, pois tinha uma formação religiosa muito
rigorosa e não daria bola para esse tipo de espiritualidade, ou daria uma
chance ao livro e economizaria uns bons 30 anos de reflexão (risos). Acho que
não me sentiria à vontade lendo um livro que mostrasse Deus como uma mulher
negra. Fui criado para acreditar num Deus rigoroso, severo, e isso fez com que
eu fosse uma pessoa severa por muito tempo. Não percebia que nossa visão de
Deus é formada por meio de relacionamentos, e que eles podem nos curar. Essa é
a mensagem central de A cabana, e ninguém dizia isso naquela época. Foi duro
aprender sozinho.
ÉPOCA – Por que A cabana
enfrentou resistência de religiosos?
Young – Tem a ver com a maneira
livre como A cabana representa Deus. Se eu lesse um livro como esse na minha
juventude, também ficaria chocado. O uso de imagens e metáforas para falar de
religião não deveria chocar. A Bíblia é cheia de metáforas. No Novo Testamento,
Deus aparece como uma mulher que perdeu uma moeda. Há representações de Deus
como uma águia, como uma rocha. As imagens não definem Deus. Elas servem apenas
para nos ajudar a entender sua natureza. Sabemos que Deus não é um homem ou uma
mulher, mas podemos abrir um pouco a cabeça. Ninguém mais aguenta aquela imagem
ocidental de um Deus infinitamente distante, intocável, desconhecido e
impassível, que assiste a nossas vidas com um olhar reprovador. Não é nisso que
acredito.
ÉPOCA – O que o senhor diria a
quem não leu seus livros, mas os critica?
Young – Não sei se eles ouviriam
o que tenho a dizer. Eu os convidaria a arriscar a ler uma página ou outra,
quando estiverem prontos. A leitura pode ser crítica, não importa. O importante
é que a leitura desperte um sentimento em alguém. As pessoas que criticam A
cabana sem nem sequer ter lido só ouviram falar do livro, mas já o detestam.
Imagino que não lerão A travessia e o detestarão também. Se realmente lessem,
meus livros bagunçariam seus paradigmas religiosos e talvez causassem
indignação. Gosto desse tipo de debate. A polêmica é um convite ao crescimento
espiritual. Minhas crenças de hoje são muito diferentes das que eu tinha há dez
anos. E há dez anos achava que estava certo sobre tudo.
ÉPOCA – Seu estilo lembra o de
Paulo Coelho. O senhor conhece a obra dele?
Young – Conheço, é claro. É uma
grande honra ser comparado a ele. Mas ele lida com a espiritualidade de forma
muito mais geral, cheia de misticismo. Tenho uma formação cristã muito
tradicional, e isso transparece nos meus livros. Escrevo sobre Jesus, sobre o
Espírito Santo. Gosto muito da obra de Paulo Coelho. Os brasileiros adoram
livros como os meus graças a ele. São leitores que abraçaram a espiritualidade
com muita força. A cabana foi lançado em 41 idiomas e vendeu bem em quase todos
os países onde saiu, mas os leitores brasileiros sem dúvida são os mais
apaixonados. E é recíproco. Fui ao Brasil duas vezes. É um país especial para
mim. Sabia que já assisti a um show de Cauby Peixoto?
ÉPOCA – Como foi essa
experiência?
Young – Estive no Brasil em 2009
com alguns amigos e, antes de meus compromissos, tive um dia livre em São
Paulo. Disse a meus amigos que queria ouvir música brasileira, e me ofereceram
duas opções: um show instrumental de bossa nova por US$ 4 ou o “Frank Sinatra
brasileiro” por US$ 20. Escolhi o Sinatra por US$ 20, claro (risos). Não tinha
ideia de quem era o sujeito. De repente, aparece aquele senhor de peruca, que
precisa de ajuda para subir ao palco. E, daquela boca, saíram alguns dos sons
mais belos que já ouvi. Foi uma noite incrível. Depois fiquei sabendo que
alguns amigos brasileiros tentam assistir àquele show há anos e nunca tinham
conseguido. Deus tem um excelente senso de humor!
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