A fé permeia a espera pela alta de bebês e crianças nos hospitais – Por Kelly Garcia
Dezembro é o mês em que a
cristandade celebra o nascimento de Jesus. Permeada de espiritualidade, a cena
em que Maria carrega o menino Deus nos braços é repetida inúmeras vezes em
capelas e igrejas do mundo inteiro.
Porém, nem sempre, após os nove meses de
espera, a mãe pode exibir o seu bebê, perfeito e sadio, ao mundo. Muitas vezes,
os pais têm que esperar semanas, meses ou até anos para levá-lo para casa. Ou
nem mesmo conseguem tirá-los do hospital.
O cenário dessa espera se passa
nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) ou nos leitos de médio risco. Em vez
dos braços da mãe e do conforto do berço, que esperavam o bebê no quarto, uma
incubadora. Além do choro, ruídos dos aparelhos que monitoram os batimentos
cardíacos e outros sinais vitais.
Para superar esse ambiente tão
árido, em que uma linha tênue separa a vida da morte, as mães procuram força em
Deus para ter esperança. O sonho maior, comum a todas, é chegar em casa com o
filho nos braços e ter, novamente, uma vida normal, longe do hospital.
Além de cuidarem do filho, frágil
e ainda dependente de vários procedimentos invasivos para se manter vivo, essas
mulheres também precisam superar a ausência de apoio dos maridos e da família e
a falta de moradia, já que a maior parte delas reside no Interior do Estado.
Espera
Sergileuda Rodrigues, 21 anos,
teve Miguel prematuro por conta de uma queda. No dia seguinte, começou a perder
líquido amniótico e como o seu município não dispunha de UTI neonatal, veio de
Palhano para Fortaleza, onde está instalada há cerca de dois meses. Assim como
muitas mães, ela sonha também com o momento de voltar para casa, onde seu
marido a espera e onde já tem o quarto do filho único montado todo em azul.
Há quatro anos e sete meses,
Graça Vitorino, de 26 anos, aguarda esse dia de voltar pra casa. Natural de
Iguatu, ela fez o pré-natal na sua cidade. Durante toda a gravidez, foram
muitas as dores de cabeça e 26 quilos a mais. Contudo, em nenhuma consulta, sua
pressão arterial foi avaliada. Antes do parto, convulsionou várias vezes, mas o
procedimento foi realizado no próprio município. Para tentar salvar a filha
Graziela, os médicos transferiram a menina para o Hospital Infantil Albert
Sabin (HIAS), na Capital. Graça só soube disso três dias depois e após uma
semana seguiu para acompanhá-la.
Por conta da falta de oxigenação
do cérebro na hora do parto, Graziela adquiriu encefalopatia crônica e não anda
nem fala. Respira por aparelhos e se alimenta através de uma sonda. Mesmo com
tantas limitações, o que Graça mais quer é tirá-la do ambiente hospitalar.
"Eu tenho uma amiga na Barra do Ceará que disse que me ajudaria para
montar uma UTI na casa dela".
Depois da vinda de Graça Vitorino
para Fortaleza, todas as suas energias se voltaram para os cuidados com a
filha. Como não tem parentes na Capital, dorme quase sempre no hospital, onde
fez várias amizades. Os pais ainda moram em Iguatu, mas já faz um ano que Graça
não os visita. "Eles não entendem o estado da Grazi. Já comentaram que eu
devia desligar os aparelhos, mas eu não posso matar a minha filha".
Nesse período distante da
família, a internet tem sido não só fonte de informação, mas também refúgio
para os momentos difíceis. "Sempre que me falam algum termo técnico,
quando vou para a casa da minha amiga, nos fins de semana, procuro saber o que
significa. Foi pelo Facebook que eu a conheci. Ela se sensibilizou com a nossa
história e tem nos ajudado durante esse tempo", conta.
Separações
O pai da menina a abandonou após
o nascimento. "Depois que eu vim pra cá para acompanhar a minha filha, ele
não me procurou mais", relata.
Pelos longos períodos que as
mulheres precisam se ausentar de casa para acompanhar os filhos enfermos, as
separações não são casos isolados. Segundo a assistente social da UTI neonatal
do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Ana Maria Freitas, 15% das mulheres que
acompanham os filhos nas UTIs se separam. "Geralmente, são as mães que
ficam para dar assistência aos filhos e, pela distância, os laços familiares se
dissolvem".
Para evitar a separação, as
mulheres são orientadas a tentar não pensar no hospital quando estiverem em
casa. "Nas nossas reuniões semanais, sempre falamos que, quando puderem ir
para casa, elas devem aproveitar para ficar com os filhos e os maridos",
explica.
Bebês prematuros
Há seis meses longe de casa,
Conceição Avelino, de 25 anos, deu à luz a Pedro Davi no HGF, pela extrema
prematuridade do filho, que nasceu com 25 semanas. Conceição mora em Forquilha
e naquele município cearense não existe UTI Neonatal. Antes de chegar ao
hospital, ela passou pela Santa Casa de Sobral, que também não tinha condições
de recebê-la. "Foi um sufoco, pois tive eclâmpsia e nós dois corríamos
perigo de morte".
Como no HGF não há alojamento
para mães, Conceição está instalada em uma pousada no Centro e todos os dias
permanece no hospital das 8 às 17 horas. Para ela, cada pequeno avanço do filho
é motivo para comemoração. "Para Pedro Davi voltar pra casa, falta pouco.
Vão trocar o aparelho da traqueostomia e se adaptar terá alta".
Para Conceição Avelino, o mais
difícil é ver os bebês saindo do hospital e a saudade dos outros filhos.
"Eu sou a mais antiga da UTI Neonatal. É duro continuar aqui. Quando falo
com meus filhos, digo que logo vou estar em casa, mas eles não acreditam. Ainda
bem que minha família e meu marido me apoiam", ressalta Conceição, que se
reveza no hospital com a mãe.
Aprendizado
A auxiliar de serviços gerais
Cleonésia Lopes, de 34 anos, há nove meses está na UTI do Hospital Pediátrico
do Câncer. A filha, Maria Eduarda, de cinco anos, foi diagnosticada com um
tumor maligno no cérebro. Desde então, os pais se alternam nos cuidados com a
menina. Enquanto Cleonésia passa três dias com Maria Eduarda, o pai passa
quatro para que a mãe descanse. "É uma rotina muito difícil. Mas, em
janeiro, se Deus quiser, iremos para a nossa casa".
Antes da doença da filha, ela
morava em Uruburetama, com o marido e os dois filhos adolescentes. Em janeiro,
os quatro irão se mudar para uma casa em Fortaleza, já que Maria Eduarda ainda
precisará de acompanhamento. "Não sabemos se ela poderá voltar a respirar
ou se alimentar normalmente. Mas, pelo menos, estaremos juntos outra vez. Ela
sente saudade dos irmãos".
Após nove meses acompanhando o
tratamento de Maria Eduarda, a auxiliar de serviços gerais nota grandes
mudanças na sua forma de ver o mundo. "Às vezes, quando eu durmo aqui ou a
gente se deita em pufes ou em um colchonete, nesses momentos eu penso em
quantas vezes reclamei que o meu colchão estava ruim, que precisava ser
trocado. A gente se queixa de tanta besteira! O meu marido também mudou. Em vez
de beber cerveja com os amigos, fica direto ao lado da filha".
Cleonésia está hospedada na casa
de uma irmã e vai à missa nas horas vagas. A auxiliar de serviços gerais
percebeu a doença da filha após dores de cabeça e vômitos. "Passei três
meses pra descobrir. Disseram que era virose, vermes. Quando soubemos do
câncer, já estava do tamanho de uma laranja e ela teve que se operar logo. Foi
no dia do meu aniversário. Mas, o importante é que agora ela está curada".
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