Mensagem de Natal ao presidente Barack Obama – Por Maria Clara Lucchetti Bingemer*


Senhor presidente,          

Sou daquelas que vibraram com sua vitória em 2008.  Descrente na possibilidade de que seus concidadãos pudessem chegar a eleger um afrodescendente para o cargo de primeiro mandatário da nação, chorei de emoção ao ver sua elegante silhueta cortada contra o céu de Chicago.  Torci e vibrei igualmente com sua reeleição. Seu país foi mais uma vez salvo de uma volta ao horror, à obtusidade que insiste no mesmo, que não traz o novo e repercute negativamente mundo afora.         

Agora, a poucos dias de iniciar seu segundo mandato, acontece essa horrível tragédia da escola de Sandy Hook, em Connecticut.  Vinte crianças pequenas e seis mulheres perderam a vida.  Eu o vi na televisão emocionado, ao afirmar que, naquela noite, abraçaria sua esposa e suas filhas com mais intensidade dizendo-lhes que as ama. Infelizmente, os pais das vinte crianças e os maridos e familiares das seis mulheres não poderão nunca mais fazer o mesmo.  Celebrarão o Natal no luto e na tristeza, consolados apenas pela esperança na Ressurreição que o Menino frágil anuncia a partir da manjedoura e do presépio.            Adam Lanza e sua mãe, Nancy, também estão mortos. 

A violência em geral mata vítimas e carrascos.  Não deixa ninguém de fora nem distante do toque férreo de suas garras.  Mas isso não é consolo.  Sabemos que a vingança e a simetria não resolvem coisa alguma, não é mesmo presidente?  O senhor e seu país sabem, ou deveriam sabê-lo com segurança, após tantos fracassos no Vietnã, no Iraque e em tantas outras latitudes mais.         

Neste Natal escrevo-lhe esta mensagem porque acredito em suas boas intenções, em seu  desejo de fazer um governo que contemple as minorias que o elegeram, que deixe uma marca diferente na imagem desta grande nação do Norte, que todos ao mesmo tempo admiramos e tememos.  Acredito que o senhor possa incluir em suas prioridades uma séria política do controle das armas de fogo em seu país.          

Leio com esperança que já há pesquisas entre membros de seu governo, e o vice-presidente, Joe Biden, já está encarregado de coordenar os trabalhos neste sentido. Trata-se realmente, ao que parece, do primeiro esforço sério para buscar que realmente chegue ao fim o absurdo de uma nação que tem mais de 200 milhões de habitantes e 300 milhões de armas de fogo circulando.  Mais que uma por cidadão, posta à disposição no mercado em venda livre.           

Adam Lanza é vítima deste estado de coisas.  Certamente, desde a infância foi iniciado – quem sabe se pela própria mãe – no macabro exercício de atirar e manipular armas poderosas, capazes de acabar com a vida de muitos em minutos.  Armas que nem deveriam existir e, se existem, deveriam estar em qualquer lugar menos em uma casa de família.  Nancy Lanza foi vítima de sua própria política individual da educação do filho.  E Adam, vítima da inversão de valores em que foi criado.  Digo isso sem julgamentos individuais ou acusações estéreis.  Baseio-me apenas nos fatos que nos chegam pela mídia.          

O Natal – como bem sabe o senhor, apesar de ter ascendentes em outras latitudes e outras religiões – é a festa da fragilidade simples e pobre sobre a qual repousa a salvação do mundo.  O Menino pobre, que não teve lugar para nascer e foi parido no estábulo onde comem e dormem os animais; que foi perseguido desde que veio ao mundo e teve que esconder-se do ditador Herodes junto com seus pais; que vivia do ofício humilde de carpinteiro de José e da proteção maternal de Maria, certamente nunca brincou com armas nem aprendeu a arte da guerra.         

Seu ambiente e seu alimento eram a justiça e a  paz, anunciadas por seu Deus e Pai, que se autorrevelou desde sempre como porta-voz dos pobres, dos órfãos, das viúvas e dos estrangeiros. Por isso, esse menino nasceu, cresceu e viveu sem poder aparente, e escondido na insignificância de Nazaré.  Mas um dia se manifestou a Israel e anunciou o projeto do Reino de Deus, pelo qual viveu e morreu.  E o mundo desde então nunca mais foi o mesmo.         

Não será este o modelo a ser mostrado às crianças e jovens estadunidenses – assim como aos do mundo inteiro – em vez de heróis irreais, que usam de violência e manejam armas mortíferas e letais?  Não será este o imaginário a ser construído nas mentes das crianças de seu país em lugar do nefando conjunto formado pelos Batmans, Homens Aranha e cowboys de todos os perfis?          

Presidente Obama, sua missão é fundamental neste momento.  Acabe com o porte ilegal das armas de fogo.  Enfrente o feroz lobby da indústria armamentista, que certamente lhe fará todas as pressões possíveis.  Honre a memória das inocentes vítimas da escola Sandy Hook.  Neste Natal, a melhor maneira de fazê-lo é certamente lutando para que essa tragédia tenha cada vez menos chance de se repetir. 

Coragem! E Feliz Natal!


* Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, é autora de 'Um rosto para Deus' (Ed. Paulus) entre outros livros.

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