Estudo investiga o "reconhecimento" na poesia grega - Por José Tadeu Arantes
O reconhecimento e o
autorreconhecimento, isto é, a descoberta da identidade, do outro ou de si
mesmo, são temas recorrentes na mitologia, no folclore e na literatura, tão
antigos quanto os primeiros épicos e tão atuais quanto as mais recentes
produções televisivas.
Já no Mahabharata, a milenar
epopeia indiana, que descreve a grande guerra entre os Pandavas e os Kauravas,
duas famílias principescas unidas pelos laços de sangue, mas antagonizadas pela
conduta moral, um dos personagens centrais luta a guerra toda do lado errado
por desconhecer sua verdadeira identidade, que só lhe é revelada tardiamente.
O livro Cenas de reconhecimento
na poesia grega, lançado recentemente por Adriane da Silva Duarte, professora
de língua e literatura grega na Universidade de São Paulo, é todo dedicado às
cenas de reconhecimento na poesia grega, arcaica e clássica. A obra teve apoio
da FAPESP para publicação.
Originalmente uma tese de
livre-docência, o livro tem por eixo o conceito de anagnórisis
(reconhecimento), tal como foi definido na Poética de Aristóteles. E, ao lado
da leitura teórica do texto aristotélico e de seus principais comentadores,
investiga as antológicas cenas de reconhecimento que aparecem nos grandes
épicos de Homero, Ilíada e Odisseia, nas tragédias de Ésquilo, Sófocles e
Eurípedes, e nas comédias de Aristófanes e Menandro.
“Além de ser um recurso
estruturador da narrativa, capaz de promover o desenlace de um conflito e
dotado de grande apelo emocional, sua vasta presença, igualmente atestada nos
mitos, sugere que o reconhecimento seja antes uma resposta às inquietações do
homem acerca de sua origem e de sua identidade”, escreveu a autora.
Por certo o caso mais famoso de
reconhecimento na tragédia grega, magistralmente explorado por Sófocles, é o de
Édipo, o príncipe de Tebas, que, por ignorar sua verdadeira identidade, mata o
pai, Laio, e se casa com a mãe, Jocasta, com quem tem quatro filhos. Ao
reconhecer como pai o homem que matou e como mãe a mulher que desposou, Édipo
fura os próprios olhos, “para não ter que contemplar as consequências de ser
quem é”, explicou Duarte.
A trama, como se sabe,
impressionou profundamente Freud (1856-1939), que fez do chamado “Complexo de
Édipo”, que considerou universal, o mecanismo fundamental da psicanálise.
A recorrência do tema
“Enquanto elemento de poética, a
anagnórisis tem uma longa história, alcançando os nossos dias, e
manifestando-se na literatura, no cinema e em outras formas culturais”, disse
Duarte.
No livro, ela menciona o fato de
o termo “reconhecimento” ser hoje de uso corrente no universo jurídico, quando
se fala em “reconhecimento de uma prova”, “reconhecimento de um cadáver” ou
“reconhecimento da paternidade”.
Mas seu estudo concentra o foco,
criteriosamente, na poesia grega. “Procurei explorar o conceito a partir da
perspectiva aristotélica, que restringe o reconhecimento à identificação entre
indivíduos. Exclui da análise, portanto, os casos em que um personagem
reconhece um erro ou uma verdade, embora Édipo, além de reconhecer que Jocasta
é sua mãe, toma consciência de quem de fato é”, disse Duarte.
E por que um tema tão antigo,
ambientado em sociedades em tudo diferentes da atual, continua reverberando
intensamente no mundo contemporâneo? “Entendo a permanência do motivo como uma
resposta à nossa necessidade de saber quem somos e, assim, orientarmos nosso
comportamento em sociedade”, disse.
“Hoje, a ideia do
auto(re)conhecimento tem um apelo muito forte por conta do impacto da
psicanálise. Pressupõe-se que o indivíduo nunca é passível de reconhecimento
pleno, nem pelos outros, nem por si próprio, havendo camadas ocultas da psique
que eclodirão um dia. É o mito do Dr. Jekyll e Mr. Hyde, o médico e o monstro.
Assim, se na Antiguidade o reconhecimento estava mais em função do outro (e da
relação que estabelecemos com ele), hoje ele se centra mais no eu”, destacou a
autora.
Serviço:
Cenas de reconhecimento na poesia
grega
Autor: Adriane da Silva Duarte
Lançamento: 2012
Páginas: 312
Mais informações:
www.editora.unicamp.br/lingua-e-literatura/cenas-de-reconhecimento-na-poesia-grega.html
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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