Legislação é despreparada para lidar com religião-negócio - Por Ricardo Mariano


Desde a separação republicana entre Estado e igreja no Brasil, toda organização religiosa depende da contribuição financeira de seus adeptos para se sustentar.

A Igreja Católica obtém recursos com empresários, festas e quermesses, cobra pela realização dos rituais encomendados e, cada vez mais, exorta os fiéis a contribuir. No kardecismo, espera-se que a clientela dos médiuns, após receber gratuitamente mensagens, passes e curas, doe alimentos, roupas e dinheiro para obras assistenciais.

As religiões afro-brasileiras são geridas por microempreendedores que, em troca de remuneração, ofertam bens e serviços mágico-religiosos: despachos, descarregos, amarrações, patuás, consultas aos búzios e ritos iniciáticos.

O inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal veda ao Estado instituir impostos sobre "templos de qualquer culto", veto que, conforme o parágrafo 4º, compreende "o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais" das entidades religiosas.

Fins que se referem normalmente a templos, cultos, assistência religiosa, atividades filantrópicas e de formação teológica. A imunidade tributária, avalia-se, protege a liberdade religiosa ao impedir o Estado de obstruir economicamente o funcionamento dos cultos.

Já o artigo 19 prevê que, em caso de "colaboração de interesse público", cultos podem auferir subsídios do Estado.

Nossa legislação, porém, parece despreparada para lidar com a proliferação de igrejas-empresas, conglomerados cujos líderes fazem fortuna, adquirindo jatinhos, helicópteros, mansões, fazendas, gravadoras, editoras, emissoras e redes de TV. Sempre à custa de rebanhos esmagadoramente pobres e socialmente vulneráveis.

Tanto que igrejas neopentecostais e suas controversas técnicas de arrecadação baseadas na teologia da prosperidade ensejaram a popularização dos trocadilhos "templo é dinheiro" e "templo de vendilhões".

Nelas, a adesão religiosa, embora opcional e voluntária, implica o compromisso de fazer doações financeiras polpudas e sistemáticas para garantir a propagandeada retribuição divina aqui e agora.

A religião tocada como negócio ou atividade econômica está a demandar uma nova regulação pública do religioso, seja para privá-la de privilégios fiscais ou para obstar sua mercantilização, prática em tudo avessa aos fins visados e resguardados pela dispendiosa concessão estatal de isenção tributária.

Ricardo Mariano é sociólogo da PUC-RS




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