O retorno da religião, mas cada vez mais deslocada
"Deus? Eu não tenho uma
resposta, eu reconheço o mistério. Certamente, valorizar a nossa
espiritualidade nos ajuda a superar os obstáculos":
essa é uma das
afirmações mais conhecidas e intensas de Frédéric Lenoir, diretor da Le Monde
des Religions, que recebeu nessa sexta-feria o Prêmio Carlo Arturo Jemolo.
A entrevista é de Luca Rolandi,
publicada no jornal La Stampa, 25-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O filósofo francês abordou na
lectio da Universidade de Turim a relação entre fenômeno religioso e dimensão
civil, concentrando a atenção no conceito de laicidade, "entendida como a
separação da esfera política da religiosa, elemento fundamental da modernidade
ocidental, que tende a se internacionalizar em virtude da pretensão dos
indivíduos à sua própria liberdade de consciência, religiosa e de
expressão".
Quais são as formas da laicidade
hoje? Lenoir distingue dois modelos: "O regime de separação que confina a
religião à esfera privada, perfeitamente representado pela França, e o 'caso'
Estados Unidos que legítima a expressão religiosa dentro da dimensão pública.
Neste segundo modelo, estão envolvidas sociedades que têm uma identidade
coletiva profundamente ligada a uma referência religiosa. E é a esse tipo de
laicidade, em que a fé dominante continua sendo a marca identitária coletiva
que os países árabes estão se orientando, teatro das revoluções
democráticas".
Ao contrário, os países europeus
decristianizados (Espanha, Alemanha, Holanda) se aproximam mais do modelo
francês, no qual, explica Lenoir, "as reivindicações das religiões que
exigem mais visibilidade ou influência são hostilizadas por uma parte
significativa da população".
Eis a entrevista.
Você acha que é fundamentada a
teoria da dessecularização, segundo a qual a religião voltaria a aplicar as
suas próprias normas coletivas às comunidades?
A globalização determinou na
sociedade ocidental um retorno à religião por razões de natureza espiritual,
porque a realidade desorienta e o mundo é percebido como excessivamente
materialista. A perda dos pontos de referência morais e a presença de uma
mistura cultural dão medo e provocam o retorno a identidades fortes e
defensivas.
Ao mesmo tempo, porém, cresce a
afirmação das liberdades individuais que certificam a incapacidade das Igrejas,
apesar de todos os seus esforços, de se oporem à banalização das relações
sexuais fora do casamento e da contracepção, ao divórcio, à legalização do
aborto e agora ao casamento homossexual, e a impossibilidade da religião de
influenciar sobre a evolução dos costumes e sobre as leis civis.
No dia 13 de janeiro, foi
realizada em Paris uma grande manifestação contra a ampliação dos direitos
individuais e o reconhecimento civil das uniões homossexuais, à qual aderiram
católicos, mas também judeus, muçulmanos e alguns representantes seculares.
É a demonstração da ruptura
presente na sociedade francesa. O governo entendeu o sentido desse protesto e
agora se apressa para aprovar uma lei que reconhece os mesmos direitos às
pessoas homossexuais e heterossexuais em matéria de união civil, postergando ao
futuro as questões mais espinhosas no tema da reprodução.
Mas o reconhecimento do casamento
homossexual não põe em discussão a própria concepção de casal?
O que antes era era dado como
óbvio na idéia de casal, ou seja, que um homem se casa com uma mulher para ter
filhos, hoje não há mais um consenso unânime. Houve uma mudança de mentalidade,
ponto de chegada da revolução dos direitos individuais iniciada na Europa do
século XVIII, que levou a antepor a aspiração dos indivíduos às leis da
natureza. As religiões, que se fundamentam todas na lei da natureza, só podem
estar cada vez mais deslocadas.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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