A pluralidade das religiões no Estado laico - Por Rebeca Cavalcante

A Constituição Federal de 1988 determina o que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios brasileiros: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Ademais, de “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. 

Assim, o País caracteriza-se como um Estado laico, evitando influências e confusões entre Estado e religião. Mas, no maior país católico do mundo, a linha que os separa é estreita e muitas vezes rapidamente ultrapassada.

Em Fortaleza, não é diferente. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 80% da população da cidade se declarou católica. Nas ruas, marcas do catolicismo são percebidas em blusas e adesivos de carro, espaços privados de explicitação da fé de cada um, mas também em monumentos erguidos em praças públicas. 

Agora, mais uma proposta, feita pelo presidente da Câmara Municipal, vereador Walter Cavalcante (PMDB), esquenta o debate sobre o Brasil e sua laicidade: a transmissão de missas e cultos evangélicos na rádio e na TV Fortaleza, emissoras legislativas da casa presidida por Walter Cavalcante. Ser um Estado laico impede estas transmissões?

O vereador Elpídio Nogueira assumiu a proposta e está elaborando-a. Nesta semana, ela deve ser apresentada à mesa diretora da Câmara durante as discussões sobre a programação da TV Fortaleza. Segundo ele, o que está sendo discutido permite que todas as expressões da religiosidade no Brasil tenham espaço: 

“o espaço (da TV) é livre, democrático e republicano. Qualquer religião que queira pode tê-lo aberto. O que vamos atentar é para cobrir a proporcionalidade. Temos vários segmentos religiosos, mas tem a predominância das igrejas católica e evangélica e isso temos que contemplar”. Até o fechamento desta edição, a assessoria da presidência da Câmara Municipal não retornou contato para entrevista com o vereador Walter Cavalcante.

O professor de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em Ordem Jurídica Constitucional, Flávio Gonçalves, concorda que o Estado laico não é a-religioso. Mas destaca ser importante que a proposta que está sendo construída “garanta espaço para todas as religiões”, para entrar em acordo com a Constituição.

Se a proposta vai conseguir contemplar a diversidade das religiões brasileiras, ainda é difícil prever. O que se sabe é que, na democracia, o mais importante é equilibrar as desigualdades, tratando-as também de forma diferente. Isto não significa fortalecer e privilegiar crenças que já dispõem deste privilégio. O mais importante é que o debate está posto.

Nas próximas páginas, cristãos e não-cristãos ampliam a discussão sobre o lugar da religião no espaço público, além de perceber suas relações e interações com a cultura e a política. Afinal, Estado laico não é ser ateu. Mas como dar visibilidade igual à pluralidade religiosa?

Glossário

Estado ateu é aquele que adota a negação da existência de Deus como doutrina filosófica e, por isso, não aceita que seus cidadãos manifestem suas crenças religiosas.

Estado confessional é aquele em que as decisões não são tomadas a partir da religião adotada, mas há uma religião oficial que pode influir nos rumos políticos e jurídicos do país.

Estado laico não se confunde, nem se pauta por uma religião específica, não adota uma religião oficial e permite uma ampla e diversa liberdade de crença, descrença e religião. Nele, igualdade de direitos é garantida.

Estado teocrático é aquele em que Estado e religião se confundem. A religião adotada decide os rumos da nação.





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