Quando a política profana a religião – Por Helton Lenine
Uma das mais importantes
conquistas democráticas no mundo contemporâneo é a separação entre religião e
política.
Não é que não tenham nada a ver, mas as relações políticas, sociais,
cívicas não podem ser orientadas pelas opções religiosas. Os Estados democráticos
são Estados laicos.
Todos devem ser iguais diante das
leis, sem influência das opções individuais – religiosas, sexuais, de
diferenças étnicas, etc. “São diversas as opções de vida, mas deve-se ser
iguais nos direitos como cidadãos”, diz Emir Sader, mestre em Filosofia
Política e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
Os Estados religiosos, sejam
islâmicos, sionistas ou outros, fazem das diferenças religiosas elementos de
discriminação política. Xiitas e sunitas têm direitos distintos, conforme a
tendência dominante em países islâmicos. Judeus e árabes são pessoas com
direitos totalmente distintos em Israel. Para dar apenas alguns dos exemplos
mais conhecidos.
Um Estado democrático,
republicano, é um Estado laico e não religioso, nem étnico, que não estabelece
diferenças nos direitos pelas opções privadas das pessoas. Ao contrário,
garante os direitos às opções privadas das pessoas. “Nestas, deve haver a maior
liberdade, com o limite de que não deve prejudicar a liberdade dos outros de
fazerem suas opções individuais e coletivas”, acrescenta Emir Sader.
Religião e política são coisas
diferentes. A opção religiosa ou humanista é uma opção individual, da mesma
forma que as identidades sexuais, as origens étnicas ou outras dessa ordem.
“Misturar religião com política, ter Estados religiosos, Irã, Israel, Vaticano,
como exemplos, desemboca em visões ditatoriais, até mesmo totalitárias”,
ressalta o filósofo e cientista político Emir Sader.
Num País como o Brasil, em que
92% dos brasileiros se declaram religiosos, é difícil desvincular a religião do
debate político. Essa relação de proximidade pode ser explicada, em parte, pela
religiosidade popular e pela influência que o catolicismo e as religiões
protestantes tradicionais exerceram na constituição dos movimentos sociais
brasileiros a partir da década de 1980, sob influência do marxismo e da
Teologia da Libertação.
Apesar da influência religiosa,
na última década os movimentos sociais “estão abandonando o discurso religioso,
utópico, marxista-cristão e assumiram o discurso pragmático-capitalista
neoliberal”, assinala o psicólogo e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Nadir Lara Junior.
Segundo Nadir, três fatores explicam
a mudança na atuação dos movimentos sociais: a eleição do presidente Lula à
presidência da República com a incorporação dos movimentos sociais ao Estado;
as ações políticas administrativas do Papa João Paulo II, que culminaram num
recuo da Igreja em relação às Comunidades Eclesiais de Base, CEBs; e a ascensão
dos evangélicos no cenário religioso.
Novamente, a religião voltou a
exercer influência na política a partir do boom do movimento neopentecostal,
que chegou aos movimentos sociais “com um arcabouço político, ideológico,
religioso de sua matriz neopentecostal, que é extremamente pragmática”.
Em 2010, o Brasil acompanhou a
batalha travada pelos candidatos Dilma Rousseff e José Serra em uma campanha
que chegou ao limite do que seria um tom civilizado. E os evangélicos ficaram
no meio desse tiroteio. Os principais partidos na disputa, o PT e o PSDB, com
suas legendas coligadas, sonharam com o voto em bloco dos crentes. Em jogo, 25%
do eleitorado, que, na expectativa dos políticos, obedeceriam cegamente às
determinações de pastores e igrejas.
A esperança na fidelidade de um
suposto rebanho eleitoral calibrou a importância dos evangélicos durante a dura
disputa do segundo turno. E a religião entrou abertamente na campanha de uma
maneira como nunca antes se viu no País, repetindo o que tem acontecido nos
Estados Unidos. Tanto Dilma como seu adversário, o tucano José Serra, travaram
um embate para demonstrar quem era mais crente.
Enquanto Serra comparecia a uma
feira de produtos evangélicos em São Paulo, com direito a distribuição de
panfletos com sua foto e os dizeres “Jesus é a verdade e a justiça”, Dilma
desmentia suas declarações anteriores sobre a descriminalização do aborto,
defendia ampla liberdade religiosa e se reunia com os líderes que a apoiavam,
comprometendo-se com a agenda evangélica de “defesa da família”.
A explicação para a súbita
“conversão” dos candidatos que duelavam pela Presidência da República estaria
na surpreendente votação de Marina Silva, do PV. Ela obteve quase 20% dos votos
e forçou uma segunda etapa, para tristeza do então presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e de sua candidata Dilma Rousseff, que esperavam uma vitória mais
fácil.
É que na apressada avaliação da imprensa e de analistas ligados às
campanhas do PT e do PSDB, o segredo da votação de Marina estaria no fato de
ela ser evangélica (é da Assembleia de Deus), o que teria atraído o voto
conservador, preocupados com a defesa de valores tradicionais.
Tanto que nos
primeiros dias após o primeiro turno, Dilma e Serra se esforçaram para
conquistar o eleitor crente, indo quase ao batismo nas águas.
A campanha para a Prefeitura de
São Paulo, ano passado, é um exemplo de que a religião não deve se misturar com
a política. Celso Russumano, candidato do PRB e da Igreja Universal do Reino de
Deus, viveu momentos de glórias e de calvários. A IURD está presente na mídia
sempre vinculada a escândalos que tratam de enriquecimento ilícito do líder
maior da igreja, o bispo Edir Macedo.
O PRB sempre tentou descolar sua
imagem da religião, mas o fato é que a cada eleição os seus quadros são
ampliados com novos pastores e bispos ligados à IURD. O próprio presidente do
partido, Marcos Pereira, é bispo licenciado, se apresenta como leigo, advogado,
mas é membro da IURD e foi vice-presidente da Rede Record, pertencente à
igreja.
Lado católico
No lado católico, o flerte também
foi explícito, com presença obrigatória dos candidatos em eventos de grande
apelo, como as missas em homenagem à Senhora de Aparecida, em 12 de outubro, já
no segundo turno, em 2010.
O presidente da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno, é de opinião
que “não se pode instrumentalizar a religião para angariar votos”. O cardeal
disse ainda que “no mundo democrático não cabe à igreja assumir papel
político-partidário”. E acrescenta:
“A posição da Igreja Católica, enquanto
instituição, é de que não deve assumir nenhuma posição político-partidária. O
papa Bento 16, numa de suas encíclicas, Deus É Amor, foi muito claro ao dizer
que a Igreja não pode, nem deve tomar nas suas mãos a batalha política. Isso é
próprio dos políticos, dos leigos. A Igreja não pode ter pretensões de poder.”
Repetidas vezes, Dilma e Serra se
afirmaram praticantes do catolicismo, ao mesmo tempo em que padres e bispos
entraram no debate, questionando-os acerca dos temas mais delicados na agenda
católica, como o aborto. “A Igreja Católica despontou como um ator capaz de
pautar a discussão eleitoral”, avalia Luciana Gross, professora de ciência
política da Fundação Getúlio Vargas.
Bancadas de evangélicos aumentam
no Congresso
As urnas foram generosas com os
candidatos evangélicos nas eleições de 2010. A bancada dos crentes na Câmara
dos Deputados aumentou de tamanho. O número de deputados federais identificados
como evangélicos deu um salto, passando de 49 para 71, o que corresponde a 14%
da composição da Câmara, que tem 513 integrantes.
De acordo com informações da
Frente Parlamentar Evangélica, foram reeleitos 31 deputados e 40 estão no
primeiro mandato. O número não inclui os eleitos com apoio da Igreja Universal
do Reino de Deus, que nem sempre votam em conjunto com os demais congressistas
evangélicos.
No Senado, reelegeram-se Magno
Malta (PR-ES) e Marcelo Crivella (PRB-RJ), e o deputado federal Walter Pinheiro
(PT) conquistou seu primeiro mandato de senador pela Bahia. O crescimento pode
ter sido alavancado pela oposição da Igreja a vários pontos do terceiro
Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3. O conjunto de medidas,
sancionadas pelo então presidente Lula, tem pontos considerados polêmicos pelos
religiosos.
Reeleito, o deputado João Campos
(PSDB-GO), que preside a Frente Parlamentar Evangélica, já acenou com o que
promete ser a agenda da bancada: ele defende a criação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito para investigar o aborto clandestino no Brasil.
A
frente tem integrantes de quase todos os partidos com representação no
Congresso, tanto de oposição quanto da base do governo. Dois deles do PT: Gilmar
Machado, de Minas Gerais, e Benedita da Silva, Rio de Janeiro. A nova bancada
evangélica teve alguns campeões de voto: Audifax Barcelos (PSB) foi o candidato
a deputado federal mais votado no Espírito Santo. Já o ex-governador Anthony
Garotinho (PR) foi o mais votado do Rio de Janeiro, Estado que elegeu o maior
número de parlamentares evangélicos: 13. Já Bruna Furlan (PSDB) foi a terceira
colocada em São Paulo.
Em Goiás, políticos peregrinam
pelas igrejas em busca de votos
Em todas as campanhas, seja de
governador, senador, deputado federal, estadual, seja de prefeito e vereador, a
cada dois anos os políticos de praticamente todos os partidos cumprem o ritual
de comparecer às igrejas, participar de cultos e ter seus nomes citados pelos
pastores. Isso é garantia de votos. Apesar da legislação eleitoral proibir o
“corpo-a-corpo” pelos templos evangélicos e católicos durante as campanhas
eleitorais.
Não satisfeitos em apenas dar
apoio aos políticos conhecidos do Estado, os próprios pastores se lançam candidatos,
principalmente aos cargos proporcionais, deputado federal, deputado estadual e
vereador. Há, portanto, bispos, pastores e obreiros integrando as bancadas
goianas na Câmara Federal, Assembleia Legislativa e câmaras municipais.
Já é tradicional ver políticos
influentes como Marconi Perillo (PSDB), Iris Rezende (PMDB), Maguito Vilela
(PMDB), Paulo Garcia (PT), Antônio Gomide (PT), Vanderlan Cardoso (sem
partido), Alcides Rodrigues (PP) e tantos outros em visitas às igrejas das
diversas denominações evangélicas em Goiânia e no interior do Estado, sempre em
busca de votos dos fiéis. Iris é membro da Igreja Cristã Evangélica. Vanderlan
também é evangélico. Já Marconi, Maguito e Paulo Garcia, Gomide e Alcides são
católicos.
Em todas as eleições, o
Ministério Público fiscaliza a presença de políticos/candidatos nos púlpitos
religiosos, já que a legislação impede que se peça votos em templos evangélicos
e católicos.
Na bancada federal de Goiás, o
destaque maior é o deputado João Campos (PSDB), delegado de polícia e pastor
evangélico da Igreja Assembleia de Deus. A quase totalidade dos 20
parlamentares (senadores e deputados) é católica.
Na Assembleia Legislativa,
encontra-se o deputado-pastor Fábio Sousa (PSDB), filho do apóstolo César
Augusto, da Igreja Fonte da Vida. O deputado Luiz Carlos do Carmo (PMDB) é
membro da Igreja Assembleia de Deus, Campinas, onde seu irmão, Oides do Carmo,
é pastor. Simeyzon Silveira é filho do pastor da Igreja Luz para os Povos,
Sinomar Silveira. Ademir Menezes (PSD) e Marlúcio Pereira (PTB) também são
membros da Assembleia de Deus. Há diversos parlamentares católicos, entre eles,
Francisco Júnior e Humberto Aidar.
Na Câmara de Goiânia, entre os
evangélicos, o pastor Rogério Cruz, membro da Igreja Universal do Reino de
Deus. Célia Valadão e Tayrone Di Martino são adeptos da Igreja Católica.
A lista de políticos evangélicos
e católicos é imensa, com atuação em todas as cidades goianas, principalmente
Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis. São prefeitos, ex-prefeitos,
ex-vereadores, dirigentes partidários e por aí afora. Pedem votos, em cada
eleição, dentro e fora dos templos.
Nos governos de Iris Rezende,
Henrique Santillo, Maguito Vilela, Alcides Rodrigues e de Marconi Perillo, os
líderes evangélicos faziam e fazem indicações de seus protegidos para
importantes cargos da administração municipal. São os chamados “nichos
evangélicos” na gestão pública.
Nas gestões de Paulo Garcia
(Goiânia), Maguito Vilela (Aparecida de Goiânia) e Antônio Gomide (Anápolis),
os evangélicos estão assegurados em cargos de primeiro e segundo escalões.
Fonte: http://www.dm.com.br
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