Arquivo mostra elo entre comércio de escravos e riqueza de ingleses - Por Maurício Hashizume
Pesquisa disponibiliza documentos
inéditos com valores e nomes de donos de escravos que foram beneficiados com
indenizações públicas após a abolição
Além do retorno financeiro obtido
pelo próprio negócio da escravidão transatlântica (que funcionava de modo
bastante similar ao de uma bolsa de valores dos dias de hoje), “investidores”
privados da venda de pessoas ainda foram recompensados com grandiosas
indenizações do governo inglês quando da abolição legal.
Dados tornados públicos desde 27/02
em um arquivo na internet disponível para consulta revelam que quantias
equivalentes a bilhões de libras esterlinas foram transferidas dos cofres
públicos para “empreendedores” escravagistas, ou seja, muitas das fortunas de
hoje estão diretamente ligadas à abolição da escravidão.
Base de dados está disponível
para consulta no endereço:
http://www.ucl.ac.uk/lbs/
Pelos cálculos dos responsáveis
pela pesquisa, centralizada na University College, de Londres, nada menos que
um quinto da riqueza dos britânicos da Era Vitoriana guardava relação com a
escravidão.
Entre os beneficiados, encontram-se, por exemplo, parentes do atual
primeiro-ministro inglês, David Cameron, do Partido Conservador, assim como
familiares do escritor George Orwell.
“Ao focalizar os proprietários de
escravos, o nosso objetivo não é ‘nomear para envergonhar’ ['naming and
shaming', na expressão em inglês]. Buscamos desfazer o esquecimento: a
‘re-relembrar’, como diz Toni Morrison, reconhecer as formas pelas quais os
frutos da escravidão fazem parte da nossa história coletiva, incorporado em
nosso país, nas casas de nossas cidades, nas instituições filantrópicas, nas
coleções de arte , nos bancos comerciais e nas pessoas jurídicas, nas estradas
de ferro, e nas formas que continuamos a pensar sobre raça”, explica Catherine
Hall, pesquisadora-chefe da iniciativa, em artigo publicado no diário inglês
The Guardian.
“Proprietários de escravos se envolveram ativamente na
reconfiguração decorrida após a escravidão, popularizando novas legitimações
para a desigualdade que permanecem até hoje como parte do legado do passado
colonial da Grã-Bretanha”, emenda.
O arquivo reúne 46 mil pedidos de
“indenização” encaminhados por ex-donos de escravos ao governo britânico. São
registros detalhados que, conforme descreve Catherine, “foram mantidos longe de
todos aqueles que reivindicavam compensações” e que nunca tinham sido
sistematicamente estudados antes.
De acordo com ela, os documentos consistem em
uma “nova luz” para se entender “como o negócio da escravidão contribuiu de
forma significativa para a Grã-Bretanha tornar-se a primeira nação industrial”.
O esforço de pesquisa vai de encontro, segundo a historiadora, ao desejo de
homens e mulheres que almejavam que suas identidades como proprietários de
escravos fossem esquecidas.
A exposição das entranhas
políticas, econômicas e culturais da escravidão antiga se dá no mesmo contexto
em que se fortalece um movimento nos países do Caribe (com Barbados à frente)
que reivindica, junto aos governos das nações colonizadoras, formas de
compensação pelos profundos danos causados pela exploração do comércio
transatlântico de vidas humanas ao conjunto de ex-colonizados.
Para a
responsável pela pesquisa, o trabalho, que dá contornos mais palpáveis à dívida
da “moderna” Grã-Bretanha com a escravidão “antiga”, tem o objetivo de
contribuir “para uma compreensão mais rica e mais honesta das histórias
conectadas do império”.
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