Grupo 'sem religião' cresce especialmente entre jovens e se torna desafio a igreja – Por Reinaldo José Lopes
Quando desembarcar no Rio de
Janeiro em julho deste ano para participar da Jornada Mundial da Juventude,
principal evento internacional da Igreja Católica voltado para o público jovem,
o papa Francisco talvez se sinta um tanto deslocado. E não apenas pela forte
presença de evangélicos no Rio (uns 25% da população do Estado), mas também
porque a periferia carioca é um dos lugares do país onde há mais gente que diz
não ter religião.
As periferias de cidades como
Recife, Salvador e São Paulo também abrigam um contingente de não religiosos
superior à média nacional, de acordo com estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
A orientação não religiosa está
se tornando cada vez mais comum entre os jovens, o que leva especialistas a
apontar o fato como um desafio tão ou mais importante que o avanço evangélico
para o catolicismo.
"O movimento mais
preocupante para a igreja não é o de quem muda de religião, mas o de quem
simplesmente não se interessa por ela", diz Dario Rivera, professor da
Universidade Metodista de São Paulo que coordena o grupo de pesquisa Religião e
Periferia na América Latina.
"O que nós estamos vendo é
que, nos mesmos bairros de baixa renda onde há uma proliferação de igrejas
pentecostais [evangélicas], uma quase colada na outra, há muita gente que diz
não ter religião", conta.
São lugares aparentemente
improváveis, como bairros rurais de Juiz de Fora (MG), a favela do Areião, em
São Bernardo do Campo, e os pontos mais pobres do bairro de Perus, na capital
paulista.
Improváveis, isto é, quando se
assume a equação entre baixa renda e alta religiosidade.
"A verdade é que essa é uma
hipótese consensual que nunca foi testada", declara Rivera. Para o
pesquisador, essas comunidades de baixa renda têm uma relação muito pragmática
com a religião, escolhendo a igreja que lhes oferece assistência ou, no caso
das mulheres, o culto onde podem achar um marido "direito", por
exemplo. Resolvidos esses problemas, a frequência religiosa não é mais
necessária.
"Totalflex"
Desse ponto de vista, a
flexibilidade das igrejas evangélicas acaba fazendo com que elas abocanhem mais
ovelhas desgarradas do rebanho católico, diz André Ricardo de Souza, professor
do Departamento de Sociologia da UFScar (Universidade Federal de São Carlos).
"Além do discurso mais
objetivo, como o uso de slogans do tipo 'aqui o milagre acontece', essas
igrejas estão abertas todos os dias da semana, praticamente o dia todo. Você
entra e resolve seu problema, enquanto a igreja católica da paróquia passa a
maior parte do tempo fechada", afirma o pesquisador.
Segundo Rivera, os sem religião
nas comunidades pobres também se explicam pela revolução nos costumes: grande
liberdade sexual, uniões provisórias e outros elementos que não batem com a
moralidade religiosa tradicional.
A situação do Brasil é única por
combinar um grande avanço dos evangélicos com o dos sem religião. No caso dos
evangélicos, o fenômeno também é importante no Chile e na Guatemala, mas em
menor grau, diz Rivera. Já os não religiosos têm representação expressiva na
Argentina (11%) e no Chile (8,3%).
A questão levantada por quase
todo mundo, claro, é que diferença um papa latino-americano pode fazer nesse
cenário. "É claro que um papa latino-americano tem um impacto. Não digo
que reverta o aumento dos evangélicos, mas talvez faça o ritmo diminuir",
afirma Souza.
Rivera é mais pessimista.
"Podem até acontecer mudanças na liturgia [nos rituais]. Mas o problema é
que nada no perfil do papa Francisco indica que ele mudará a relação da igreja
com a modernidade, e esse que é o grande problema."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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