Igrejas de Minas enfrentam problemas de conservação e falta de recursos
O papa Francisco já avisou: a
Igreja é dos pobres e dos humildes. Mas para que os desvalidos, e também ricos
e remediados, frequentem a casa de Deus, em segurança, é preciso que os templos
estejam em bom estado de conservação. Do contrário, não há força da fé, oração
para santo forte e mãos de anjo da guarda que amparem o teto, afastem goteiras
e segurem madeiras podres.
Nas várias regiões de Minas, fiéis fazem das tripas
coração para salvar os templos: barraquinhas, carnês e apelo às autoridades.
Nem sempre tudo dá certo. No Bairro de Santo Antônio de Roça Grande, em Sabará,
na Grande BH, o santuário se encontra fechado e à espera de recursos para obras.
Já no distrito de Itapanhoacanga,
em Alvorada de Minas, na Região Central, a comunidade luta há 20 anos pelo
restauro da Igreja de São José, do século 18. E no Povoado de Pinhões, em Santa
Luzia, nem a casa paroquial escapa da ruína. Triste mesmo é na Vila Castelo
Branco, em Montes Claros, no Norte do estado: de tão pobres, os moradores não
conseguem meios para erguer a capelinha e rezar em paz para Santo Antônio.
A distância entre Roma e o
interior de Minas é oceânica e montanhosa, assim como há diferenças entre
Igreja (instituição) e igreja (templo), mas todos os caminhos levam à fé, ao
amor pela história e bens culturais. “Não adianta a Igreja ser dos pobres, se
os pobres não puderem entrar nela”, observa o padre Agnaldo do Carmo, há três
anos atuando como pároco e reitor do Santuário de Santo Antônio de Roça Grande.
Ele conta que a devoção ao padroeiro tem mais de 300 anos e as romarias são
intensas, independentemente da época do ano. Sem tombamento, a igreja ,que
completará 100 anos em 2015, padece com a falta de verbas para consertos no
forro, piso, paredes, iluminação, projeto elétrico e de segurança.
O serviço completo está orçado em
R$ 350 mil e os católicos ajudam como podem. Desde setembro, a cada dia 13,
cada devoto contribui, no carnê, com R$ 13. O tempo de duração do pagamento é
de 13 meses uma alusão a 13 de junho, dia de Santo Antônio.
“Tudo aqui foi feito no mutirão”,
diz o padre Agnaldo, que sonha ver pronto, no barrado de toda a igreja, um
painel de azulejos, atualmente em produção em Florianópolis (SC).
As peças vão
contar toda a história do local, desde a chegada dos bandeirantes. Ele chama a
atenção para dois altares remanescentes da capela primitiva, que demandam
serviços urgentes para recuperar os douramentos do trono de Nossa Senhora de
Belém, e a pintura original, coberta com motivos inadequados, de onde ficavam
Nossa Senhora das Dores e São Sebastião.
“Esta igreja faz muita falta, mas
uma hora dessas ficará pronta”, conta, com humildade, a aposentada Zita Pascoal
Perdigão, de 74 anos. Enquanto isso, pombos sujam as paredes e mostram a
necessidade urgente de reparos. As atividades religiosas, diz padre Agnaldo,
são realizadas no santuário novo, construído a 500 metros do mais antigo.
Só Projeto
Em Pinhões, a 10 quilômetros do Centro de
Santa Luzia, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, tombada pelo município, tem
problemas de infiltrações, falta de segurança, foram três arrombamentos nos
últimos quatro anos e as marcas ainda estão nos remendos das janelas, por onde
os bandidos entraram, e urgência na troca de telhas francesas.
“O perigo maior
foi que, no último assalto, os ladrões deixaram uma vela acesa. Não encontraram
dinheiro e foram embora, mas poderiam ter causado incêndio”, conta o aposentado
Marcos Antônio Diniz, que se intitula “um colaborador” da igreja.
Mas o perigo mora mesmo é ao
lado, e bem ao lado, na casa paroquial. A singela construção do século 19 está
em completo arruinamento, com parte do telhado desabando, paredes de adobe
caindo e muitos morcegos para dar as boas-vindas. Há pouco tempo no cargo, o
titular da Paróquia do Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, padre Vicente de
Menezes, revela que ficou espantado ao ver a situação da construção, que já
abrigou até consultório médico. “Precisa de restauração para não desaparecer”,
diz o religioso.
Ao abrir a porta emperrada, Marcos Antônio explica que a
prefeitura prometeu entregar a obra concluída em dezembro de 2010, mas nada foi
feito. De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura de Santa Luzia, “a
igreja é tombada pelo município, mas não há projeto para restauração. Tal
restauração fica a cargo da arquidiocese”. Já a arquidiocese de BH esclarece
que um engenheiro do Memorial Arquidiocesano esteve no local e elabora um
projeto.
Joia Barroca
Uma luta de quase 20 anos se arrasta no
distrito colonial de Itapanhoacanga, em Alvorada de Minas, a 345 quilômetros de
Belo Horizonte, para tentar salvar da ruína a Matriz de São José, considerada
uma das joias barrocas da Região Central de Minas e cartão-postal do município.
Fechada há oito meses por representar risco à segurança dos fiéis, a igreja
concluída em 1785 e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) apresenta problemas que vão das trincas e rachaduras nas
paredes à deterioração de madeiras do forro, conforme perícia do Corpo de
Bombeiros. Inconformados com a situação, os moradores do distrito fizeram
manifestação no dia de São José dando um abraço simbólico no templo.
“Agora, vamos pedir providências
ao Ministério Público do estado para reabertura da matriz e preservação,
enviando um ‘abraço-assinado’ à Promotoria de Justiça na comarca do Serro”, diz
a professora Silvânia Maria Reis, numa referência carinhosa ao abaixo-assinado
com mais de 200 nomes.
Missa sob alta tensão
As dificuldades para o exercício
da fé diante da pobreza são enfrentadas na Vila Castelo Branco, uma das áreas
mais carentes de Montes Claros, no Norte de Minas. A “igreja” local se resume a
um pequeno salão comunitário, situado sob o perigo de uma rede de alta tensão,
mesma condição de barracos de famílias paupérrimas. Há anos, elas lutam para
construir um templo.
“Para nós, a pobreza não
significa um obstáculo para a fé”, afirma a doméstica Maria Aparecida de Jesus,
ministra da eucaristia nas celebrações do pequeno salão, que acontecem sempre
aos sábados à noite. Ela destaca a união dos moradores, que há mais de 20 anos
sonham em ter um local digno para as orações, batizados e outras atividades,
mas esbarram na falta de recursos.
“O nosso bairro é muito carente.
Não temos infraestrutura nenhuma. As pessoas aqui são muito necessitadas”,
lamenta o auxiliar administrativo Gildásio Aparecida Ruas, coordenador da
pastoral comunitária da Vila Castelo Branco. Ele lembra que diante da falta de
um templo, além do salão debaixo da rede de alta tensão, as famílias também
realizam orações e reuniões religiosas em suas casas.
Recentemente, os moradores da
Vila Castelo Branco conseguiram adquirir um terreno de 720 metros, situado
próximo ao bairro, onde pretendem construir um templo, dedicado a Santo
Antônio. O lote foi comprado com dinheiro arrecadado em leilões e outras
atividades realizadas pela própria comunidade, contando também com o apoio do
padre Antônio Alvimar de Souza, que desenvolve trabalho naquela região da
cidade.
O religioso destaca o empenho das
famílias da Castelo Branco na luta para a construção de uma capela. “O que
percebemos na Vila Castelo Branco é que, apesar das dificuldades mais diversas
dificuldades, há uma grande solidariedade entre as pessoas”, afirma o
sacerdote. A intenção do padre é lançar a pedra fundamental da igreja em breve.
Por outro lado, não existe nenhuma previsão de quando ela será concluída, pois
ficará na dependência de doações. “A Igreja não deve exaltar a pobreza e sim
trabalhar nos locais mais carentes no sentido de devolver a dignidade às
pessoas”, diz padre Antônio.
Evasão de Fiéis
A Igreja de Santa Cruz de São Francisco de
Assis, no distrito de Miralta, em Montes Claros, mostra sinais de necessidade
de uma reforma, sobretudo na pintura. Entretanto, o maior problema não é a
falta de recursos para conservação da capela. “A nossa igreja tem goteiras e
precisa de uma reforma no forro. Mas nosso grande problema é que, com a falta
de emprego do lugar, muita gente foi embora e perdemos fiéis”, afirma a
aposentada e zeladora da igreja, Ismar Pereira Lopes.
Luta
Desde o fim da década de 1990, o
EM acompanha a trajetória dos moradores de Itapanhoacanga para manter de pé o
seu bem cultural e espiritual. Em 2 de maio de 1999, os católicos fizeram
procissão na Avenida Cônego José Carvalho e depois participaram de missa. Na
época, gente de todas as gerações mostrava alto nível de preocupação e
ansiedade para que a igreja não se tornasse mais uma lacuna no patrimônio de
Minas.
“Ao longo dos anos, já vimos ruir aqui muitas casas antigas. Isso não
pode acontecer com a matriz, que está fechada há três anos e é o marco da
comunidade. Tudo gira em torna dela”, dizia Silvânia Maria Moreira de Oliveira
Reis, então diretora da Escola Estadual José Daniel Utsch. O tempo passou e a
situação está na mesma. Só fica forte mesmo é a esperança da comunidade.
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