Arquivo Público do Estado publica acervo do Deops na internet - Por Frances Jones
O Arquivo Público do Estado de
São Paulo lançou oficialmente na segunda-feira (01/04) uma parte importante do
seu acervo digitalizado na internet, no site
“Memória Política e Resistência”
O material inclui mais de 274 mil fichas e 12,8 mil prontuários produzidos pelo
Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops), pelo
Departamento de Comunicação Social e pelo Dops de Santos ao longo de um período
que abrangeu duas ditaduras brasileiras.
O projeto teve apoio da FAPESP,
que auxiliou a compra de equipamentos para a digitalização, do Ministério da
Justiça (projetos "Marcas da Memória") e da Casa Civil da Presidência
da República (projeto "Memórias Reveladas").
O Deops-SP, denominado Delegacia
de Ordem Política e Social em sua origem e, posteriormente, como última
denominação, Departamento Estadual de Ordem Política e Social, foi criado em 30
de dezembro de 1924, por meio da Lei nº 2.034/24, que visava reorganizar a
polícia do Estado.
"O órgão tinha como objetivo
prevenir e reprimir delitos considerados de ordem política e social contra a
segurança do Estado. Para isso, desenvolveu um grande aparato para
monitoramento das atividades de pessoas e grupos considerados potencialmente
perigosos à ordem vigente. Um dos principais instrumentos utilizados por essa
vigilância foi a documentação: o acervo Deops-SP foi constituído, ao longo dos
anos, pela documentação produzida por esse órgão e também de documentos
apreendidos pelos órgãos de repressão. Sendo assim, podemos entendê-la como um
espelho da forma de funcionamento das estruturas repressivas no Estado de São
Paulo", destacam os organizadores do site.
O acervo do Deops é composto por
quatro conjuntos principais: Ordem Social, Ordem Política, Dossiês e
Prontuários. Também conta com publicações como os Livros de Portaria do
Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo e Livros de
Inquéritos.
"O esforço de digitalização
e publicação dos documentos do Deops, assim como nosso trabalho de gestão
documental, garante o acesso da população às informações que lhe dizem
respeito”, disse o coordenador do Arquivo Público do Estado, Carlos Bacellar.
Lauro Ávila Pereira, diretor do
Departamento de Preservação e Difusão do Acervo, lembrou outro aspecto da
publicação online desses documentos. “Esta iniciativa pode ajudar a
identificação daqueles agentes públicos que, durante a época da ditadura,
cometeram violações dos Direitos Humanos. Temos que lembrar que o Brasil é um
dos poucos países da América do Sul onde esse tipo de crime jamais foi punido”,
disse.
Pereira ressaltou também a importância didática do acervo na internet,
que pode ser utilizado pelos professores em sala de aula com mais
facilidade.
O governador Geraldo Alckmin
participou da cerimônia de lançamento. "As pessoas podem ter acesso de
casa, não tem nenhuma senha, é tudo público. É muito importante no sentido de
transparência e de informação para as famílias das vítimas do período da
ditadura", disse.
Projetos Temáticos
Entre 1924 e 1983, o Deops vigiou
pessoas, instituições e movimentos políticos e sociais, funcionando como um dos
principais braços da repressão do Estado brasileiro, em especial durante o
primeiro governo Vargas (1930-1945) e do regime militar de 1964 a 1985.
O site é a segunda etapa de um
projeto maior iniciado pelo Proin - Projeto Integrado Arquivo do
Estado/Universidade de São Paulo (USP) em 1999. O material sobre o órgão foi
liberado para consulta pública apenas em 1994, quase dez anos após o fim da
ditadura. Os documentos, no entanto, eram de difícil acesso. "Não havia
ainda uma base de dados que facilitasse a busca de processos por cidadãos
fichados e/ou presos por crime político", disse a pesquisadora Maria Luiza
Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, pioneira no estudo do
material.
Depois de desenvolver entre 1995
e 1996 com outros seis pesquisadores um projeto financiado pelo Instituto
Goethe sobre a presença de nazistas e refugiados judeus no Brasil depois da 2ª
Guerra Mundial, Tucci Carneiro obteve apoio da FAPESP por meio da modalidade
Projetos Temáticos para a criação de um arquivo virtual dos documentos do Deops, contribuindo com um inventário para o site que foi lançado agora.
O trabalho desenvolvido ao longo
de cerca de oito anos pode ser conferido no site do Proin, que ainda hoje
publica os resultados de suas pesquisas. Sob a orientação de Tucci Carneiro,
uma equipe de 30 pesquisadores digitou a partir de 1999 as mais de 185 mil fichas
da delegacia. “Na época não tínhamos equipamentos nem uma base de dados capazes
de efetuar uma busca avançada junto às fichas policiais”, disse a coordenadora
do projeto.
Desde o ano 2000, as fichas
nominais dos prontuários podem ser consultadas pela internet, com a
identificação do nome do "prontuariado" e o número do processo.
Além disso, foram digitalizadas e
colocadas no site as primeiras páginas dos jornais, panfletos e livros
confiscados durante os autos de busca nas residências dos suspeitos ou das
associações.
Sob a coordenação do professor Boris Kossoy, da Escola de
Comunicação e Artes da USP, o Proin desenvolveu ainda um inventário de
fotografias confiscadas dos álbuns de família ou produzidas pelo Laboratório de
Fotografia do Gabinete de Investigação/Deops, que eram anexadas aos
prontuários.
“Através do projeto de
digitalização do Fundo Deops entre 1999-2010, conhecemos não apenas o
documento/artefato, mas também conseguimos recuperar a lógica da polícia
naquela época”, disse.
Além de Tucci Carneiro e Kossoy,
participaram do projeto do Proin as professoras Elizabeth Cancelli (FFLCH-USP),
Priscila Perazzo (Universidade Santo André), Regina Pedroso (Universidade Mackenzie),
os professores Carlos Alberto Boucault, Pádua Fernandes e Álvaro Andreucci
(Uninove). Outro projeto temático com
apoio da FAPESP foi desenvolvido por Maria Aparecida Aquino, hoje da
Universidade Presbiteriana Mackenzie que mapeou a série Dossiês/Deops.
Nos prontuários, tem-se acesso a
ficha policial, relatórios de investigação, ordens de prisão, relação de
impressos apreendidos (livros, jornais, panfletos), tudo o que ajudasse a
“provar” que a pessoa vigiada era criminosa, incluindo fotos de álbuns de
família e as produzidas pela própria polícia. “Os prontuários têm documentação
valiosíssima”, disse Tucci Carneiro.
Se na primeira etapa as fichas
foram digitadas e apenas parte do material digitalizado, agora o prontuário
poderá ser consultado online na íntegra, facilitando o trabalho de
pesquisadores.
O material já rendeu muitas
dissertações de mestrado e teses de doutorado, além de livros, como A Imprensa
Confiscada pelo Deops, 1924-1983, escrito por Tucci Carneiro em coautoria com
Boris Kossoy (Ateliê Editorial; Imprensa Oficial e Arquivo do Estado, 2003),
que foi premiado com o Jabuti em 2004, na categoria Ciências Humanas. Dois
novos inventários estão prestes a ser lançados, sob a organização de Tucci
Carneiro: “Panfletos sediciosos” e "É proibido ler: livros e as bibliotecas
proibidas".
Agora, o material está sendo
disponibilizado na íntegra, mas por partes. Calcula-se que o conteúdo que já
está no ar forma 10% do que virá a ser disponibilizado.
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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