Jovens evangélicos e o discurso de que "alegria de crente é diferente" – Por Elverson Cardozo


Nas vezes em que recebeu convites para sair, curtir um show, ir a um bar ou boate, Rose Pereira dos Reis, de 26 anos, apelou para um desculpa velha, mas que tem dado resultado até hoje: “Tenho compromisso”. 

Em outras situações, a ajudante geral precisou ser mais direta e, sem receio, disparou: “Não posso frequentar esses lugares”.

Geralmente a conversa que começa assim acaba resultando em comentários desagradáveis, do tipo: “Você não sabe o que é diversão”. A resposta, porém, vem “na lata” e é certeira: “Alegria de crente é diferente”.

O Lado B resolveu ouvir as explicações de quem costuma usar esse discurso, comum entre a maioria dos jovens evangélicos, para dar vez e voz a quem defende a igreja e não larga a “cruz”, apesar das críticas.

Antes de “atirar pedras”, pare e pense. Deixe os estereótipos de lado e tente entender as declarações aqui apresentadas. A intenção passa longe de polemizar. O interesse, ao contrário, é mostrar como vivem e pensam esses jovens, muitos deles nascidos em “berço evangélico”, que “abandonam” conceitos adotados pela maioria e vivem para sustentar a própria religiosidade.

Rose, como qualquer criança, não teve como escolher que caminho queria seguir. Quando nasceu, os pais e toda família já frequentavam a CCB (Congregação Cristã no Brasil), uma das que tem doutrina mais rígida.

A menina teve de acompanhar, mas quando cresceu e adquiriu discernimento não abandonou a “casa do senhor”. Batizada desde os 15 anos, Rose Pereira toca órgão na Congregação e não pretende sair da igreja porque diz ter encontrado a verdadeira felicidade.

Recusando convites que considerada “mundanos”, a ajudante diz, sem medo de errar, que sua maior diversão é servir a Deus e estar junto das pessoas com os mesmos costumes que o dela.

Alegria é ir para os cultos, passear com os amigos no shopping, no parque ou na sorveteria, por exemplo. “Na igreja eu conheci várias pessoas, que se tornaram meus amigos. Como cresci lá dentro, não conheci os costumes do mundo”, disse. Não é que considera “errado” quem adota postura diferente da dela, mas é que “o povo do mundo não tem o temor de Deus”, pontuou.

Proferindo a mesma fé, a estudante de enfermagem Eloina Matos Fonseca, de 20 anos, batizou com a mesma idade: aos 15 anos. Quando nasceu, apenas a mãe era da CCB.

A garota começou a frequentar a igreja aos 12 anos. No início, compreender a doutrina foi tarefa árdua. Eloína não concordava com nada do que era dito no púlpito, mas, com o tempo, aprendeu a ouvir o que estava sendo dito e descobriu que era preciso se entregar de corpo e alma.

Hoje, a acadêmica é uma das jovens que costuma dizer que a alegria do crente é diferente, e explica: “A maioria das pessoas que não são crentes, não são todos, se divertem em shows e festas, bebendo. Os crentes não. São ensinados a não viver assim, mas buscar coisas saudáveis”.

Shows, barzinhos e boates são lugares que ela não frequenta. Na avaliação da jovem, “há coisas que são erradas até para quem não é da igreja”. E para os evangélicos, acrescentou, não edificam em nada espiritualmente. “Tem músicas que ferem meus preceitos, tantos religiosos como moral. Há bebidas que acabam gerando confusão...”

Eloína, assim como Rose, se diz realizada com a vida que leva e não pensa em mudar. “Me sinto feliz com meus amigos. As pessoas tem a visão errada de que para se divertir é preciso fazer loucuras, desafiar as leis. É modinha ficar bebendo e brigar. Qualquer pessoa sensata defende a ideia de que não precisa de violência ou qualquer outro artifício imoral para se divertir”, acrescentou.

Bárbara Karla Reis Martins, de 19 anos é de outra denominação, da Igreja Evangélica Livre Filadélfia, mas pensa da maneira semelhante. A recepcionista também segue os princípios que a Bíblia defende, mas diz adotar o “bom senso” no dia-a-dia.

“Nada nos é proibido, mas sabemos que nem tudo nos convém”, resume, se referindo aos costumes como o uso de maquiagem e as vestimentas adotadas pelas irmãs. A diversão do crente é, sim, diferente, avalia. “Não precisamos beber para nos divertir. As meninas não precisam usar o corpo para chamar a atenção”, exemplificou.

Ao invés de baladas, da “vida de noitadas”, o jovem evangélico, segundo a recepcionista, se alegra em tomar tereré, tocar violão com os amigos e sair para comer, por exemplo.  Esse tipo de comportamento, considerado “conservador”, quando não "careta", acaba gerando críticas de todo lado.

Vinculado à Comunidade Cristã Elshaddai, Wagner Abdul Assen, de 24 anos, se considera radical por viver e pregar o “evangelho puro, aquilo que está escrito”, sem “mesclar” ideologias. Pela postura, já foi criticado até pelos próprios crentes. “Já falaram que sou fanático, que isso é irreal, que Deus não existe e que não precisa disso”, revelou.

Mas ele se defende e diz que “tudo é uma questão de conhecimento teológico”. Na opinião do rapaz, quem se dispõe a criticar precisa, primeiro, conhecer as escrituras.

Quanto à diversão de jovens evangélicos, Wagner faz coro ao discurso das garotas e afirma que o crente se diverte muito mais dentro da igreja do que se estivesse “no mundo”, isto porque “a alegria é definitiva e não momentânea”. O cristão, explicou, não vive pelas influências e regras impostas pelo mundo.

“Não precisamos de nenhum alucinógeno ou cachaça para sermos felizes. Nós já somos alegres, já nos divertimos com nossos cultos, festas e celebrações”, disse, ao citar o último evento que participou na igreja: uma noite de rock, comandada por jovens da própria comunidade evangélica.

Estimativa

De acordo com o último Censo Demográfico, realizado em 2010, a população evangélica no Brasil cresceu, mas a proporção de católicos continua a ser majoritária. Em Mato Grosso do Sul, quase 1,5 milhão se declaram católicos apostólicos romanos, contra mais de 648 mil evangélicos. O número de espíritas passa dos 46 mil.

Na Capital, os católicos também lideram as estatísticas. São 405 mil contra 55 mil evangélicos. Os espíritas ficam, novamente, na terceira posição, com mais de 27 mil adeptos.

No Brasil, o estudo mostrou o crescimento da diversidade religiosa. Paralelamente à redução de católicos, observou-se crescimento da população evangélica, que passou de 15,4% para 22,2% em 10 anos.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dos evangélicos, 60,0% eram de origem pentecostal, 18,5% de missão e 21,8% não determinados. Houve aumento dos espíritas, dos que se declararam sem religião e dos que pertencem às outras religiões. Adeptos das religiões afrobrasileiras somam 3.695 mil.





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