Mesmo sem apoio de fiéis, Igreja mantém influência no legislativo espanhol – Por Gabriela Cañas
Os bispos espanhóis voltam ao ataque. Sabem que o
governo está preparando o rascunho da reforma do aborto e querem que este se
adapte a suas exigências. Não estão de acordo, nunca o estiveram, com a
descriminalização de 1985 nem com a lei de prazos de 2010.
A interrupção
voluntária de uma gravidez, de um projeto de vida, é contrária a suas crenças,
e, portanto, é totalmente consequente que, utilizando a liberdade de expressão
de que dispõem, levantem sua voz contra uma legislação que deploram.
Nesse campo, a Igreja Católica está em seu direito e eu acrescentaria que em seu dever, de alertar contra isso. Mas de fora a
questão é outra.
A questão é avaliar em sua justa medida o peso político de sua
opinião. Porque, com efeito, como disse Alfonso Alonso, porta-voz do Grupo
Popular, as leis são feitas pelo Parlamento, e não por uma confissão religiosa.
Mas também porque um Estado laico como a Espanha deveria ser capaz de limitar o
poder de influência de uma hierarquia religiosa que, para culminar, está sendo
mais que questionada pela sociedade. É o que demonstra uma pesquisa da
Metroscopia publicada no domingo (21) pelo "El País".
A pesquisa mostra que a maioria dos espanhóis não é
a favor de uma reforma hiper-restrita do aborto, como pretende Alberto
Ruiz-Gallardón, e que a sociedade espanhola é extremamente crítica com a
atuação, os modos e as regras da Igreja Católica.
Não é de estranhar. Diante dos problemas que afetam
de maneira maciça as pessoas - o desemprego, a desigualdade social, o
empobrecimento, o presidente da Conferência Episcopal Espanhola, Antonio María
Rouco, chama a atenção do governo de Mariano Rajoy por não ter anulado a lei do
casamento homossexual e a do aborto.
Especialmente ridícula foi a denúncia do bispo de
Alcalá, Juan Antonio Reig Plà, afirmando que por trás da lei do aborto se
esconde uma conspiração internacional que busca reduzir a população. Segundo
ele, os promotores da conjuração são a ONU, o Parlamento Europeu e os governos
e sindicatos.
Clamar contra o aborto em defesa da vida é
discutível, mas coerente. Fazê-lo porque prejudica a população de uma
instituição cujos pastores, sacerdotes e freiras, têm proibido o casamento, e
em consequência a procriação, parece uma piada.
Os espanhóis, católicos ou não, querem uma Igreja
mais comprometida com os pobres, com menos ostentação e liturgia e que não
discrimine as mulheres. Em vez disso, temos uma Igreja que, longe de seu
projeto enunciado no acordo com o Estado, não vive das contribuições de seus
fiéis, e sim da subvenção pública.
Agora, além disso, influi como nunca nos
processos legislativos, graças à receptividade deste governo, que legisla em
seu favor na reforma educacional e que não fez um só gesto para acabar com seus
privilégios, embora tampouco o tenham feito os Executivos anteriores.
A organização Europa Laica calcula que o Estado
concede anualmente à Igreja Católica 11,337 bilhões de euros por diversos
conceitos, entre eles as isenções fiscais que lhes permite viver praticamente
em um paraíso fiscal. Marcar com um X o quadradinho do Imposto de Renda é um
gesto que sai grátis. Não obriga os que o fazem a pagar um pouco mais, e sim
compromete a Fazenda a subtrair da arrecadação geral a parte proporcional
correspondente.
Agora, como grande avanço, o governo e a própria
Igreja Católica apresentam sua proposta de incluir a instituição na lei de
transparência. Por quê? É uma forma de consolidar sua posição de privilégio? As
ONGs e, em geral, as instituições sociais sem fins lucrativos devem prestar
contas ao Estado de como gastam o dinheiro recebido para cada programa
subvencionado.
A lei de transparência é uma ferramenta para que o cidadão saiba
como as administrações públicas gastam seu dinheiro. Por isso a Coroa ficou de
fora, em princípio, porque, disse o governo, não é uma administração pública.
Por acaso o é a Igreja Católica? Serão incluídas na lei todas as ONGs e todas
as confissões?
Essa proposta aparentemente tão bem intencionada
soa na realidade como uma fraude, um subterfúgio refinado para conseguir que a
Igreja Católica, apesar da opinião contrária dos espanhóis, continue ocupando
esse lugar que, segundo os parâmetros democráticos, já não lhe corresponde.
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