Tomáš Sedláček: “Fetichizámos a Economia” – Por Martina Buláková e Eric Maurice
Considerado
um dos economistas mais talentosos da atualide, Tomáš Sedláček considera que a
Economia devia ser humanizada. O seu bestseller internacional,
uma obra de não ficção, A economia do bem e do mal,
foi publicado recentemente em França.
O Presseurop encontrou-se com ele para uma
entrevista.
Em A economia do bem e do mal, afirma que as fronteiras da
Economia, que a definem como uma ciência exata baseada em fórmulas matemáticas,
deveriam alargar-se para poderem ter em consideração a Filosofia, a Religião e
as Artes. Até que ponto estamos perante um conceito novo e a que se refere o
título do seu novo livro?
Temos tendência para separar o
pensamento técnico das questões da alma. A Economia orgulha-se de ser bastante
difícil e eu tento provar que, se separarmos corpo e mente, ambos deixam de ter
sentido. As questões clássicas que nós, economistas, colocamos a nós próprios
são: A Economia funciona? A Economia é eficiente? Mas o que deveríamos
questionar era o propósito da Economia.
E afinal que propósito é esse?
A
ideia é ligar a Economia a outras disciplinas. A Bíblia perde
o seu sentido se for lida apenas espiritualmente. A Economia perde o seu
sentido se só for vista sob uma perspetiva técnica. É isto que tento fazer no
meu livro: falar
da alma da Economia e torná-la
visível. Se quisermos que seja justa, então a Economia tem de ter outro aspeto.
Se apenas quisermos que a Economia nos dê riqueza, que havemos de fazer? Se
deixarmos tudo isto na mão invisível do mercado, serão os mercados a guiar-nos.
Eu chamo a isto uma orquestra inorquestrada. Se não somos capazes de a
orquestrar, então será ela a orquestrar-nos a nós.
Será, então, que temos de reintroduzir a ética na Economia?
Muito se tem discutido sobre o facto
de precisarmos de pôr ética e humanidade na Economia. Concordo com isso, mas a Economia tem a sua própria ética: a
pessoa tem de ser eficiente, tem de ser racional e não pode ser emocional; não há problemas se formos egoístas e
as nações podem velar pelos seus interesses. Cada sistema tem uma ética
própria.
Acabei de ler uma história sobre
Sodoma e Gomorra. Ali a questão ética era que uma pessoa não podia ajudar
ninguém. É a história de duas raparigas que dão um pão a um pedinte esfomeado.
Quando as pessoas descobrem que elas tinham agido contra a ética de Sodoma e
Gomorra, uma é queimada viva e a outra pendurada num dos muros da cidade, onde
fica toda besuntada de mel para ser comida viva pelas abelhas. O nazismo tinha
uma ética própria, o comunismo tinha uma ética própria e a Economia tem uma
ética própria. Por isso, se estamos descontentes com a ética do nosso tempo,
devíamos mudá-la.
Existe aqui alguma semelhança com a religião que pudesse
estabelecer um equilíbrio entre materialidade e espiritualidade em Economia?
A Economia transformou-se numa espécie
de religião. É ela que nos diz o que fazer, como pensar, quem nós somos, como
encontrar sentido para a nossa vida, como nos relacionarmos com os outros e com
base em que princípios é que a sociedade se mantém coesa. Num certo sentido, já
tem características religiosas. Se tirarmos a Matemática à Economia, resta-nos
pura moralidade.
Em A economia do bem e do mal, afirma que ficámos obcecados
com a ideia do crescimento económico. Considera-se uma pessoa contra o
progresso?
Não sou contra o crescimento nem
contra o progresso. A questão é que o fetichizámos. Escolhi exemplos de uma
cultura alta e baixa para demonstrar que, ao fetichizarmos uma coisa, essa
coisa destrói-nos. Pode ser a ética, a economia, a religião e até mesmo a nossa
cara-metade. Se fetichizarmos o nosso amor, podemos dar cabo dos nervos. É por
isso que lhe chamei uma inversão sujeito-objeto. Criamos uma coisa que,
supostamente, nos dá ouvidos e está às nossas ordens e, depois, acontece
qualquer coisa que inverte a relação sujeito-objeto e somos nós que acabamos
por lhe dar ouvidos e estar às suas ordens.
Na
literatura, encontrei muitos exemplos, de O Golem à lâmpada deAladino e O Senhor dos Anéis.
No início, e ainda
acredito nisso, o sistema – chamemos-lhe mercado livre – era um campo fértil
para o crescimento. Com o tempo, houve uma inversão e o sistema transformou-se
numa conditio sine qua non do mercado livre. Ficaríamos gratos se
houvesse crescimento mas, se isso não acontecesse, teríamos de conseguir
sobreviver. A crise só acontece porque achamos que a nossa civilização vai
desaparecer sem crescimento. O crescimento não se verifica sempre: há anos em
que inventamos uma série de coisas e outros em que não inventamos nada. Há anos
em que temos um forte crescimento do PIB e outros em que esse crescimento é
nulo ou negativo.
Há alguma coisa positiva na atual crise?
[Carl] Jung disse que não havia nada
que se alterasse fora da crise, especialmente a natureza humana. Esta não é uma
crise europeia, mas uma crise do mundo ocidental. A América, o Japão e a Europa
tentam lidar com ela, cada um à sua maneira. O mais importante é que se fale
disso. Até as pessoas nas pequenas aldeias perdidas nas montanhas falam hoje da
Europa.
Fazemos troça da América, de terem
orgulho naquilo que construíram. Na Europa, não temos orgulho do que
construímos. A crise forçou a Europa a integrar-se mais depressa do que nunca.
Se há 10 anos alguém falasse em pacto orçamental, teria sido uma verdadeira
blasfémia. Ajudarmo-nos uns aos outros, como acontece hoje, é uma coisa sem
precedentes. É por isso que tenho esperança de que a Europa saia fortalecida de
tudo isto. Nos bons velhos tempos, não se sabia onde estava metade da Europa.
Vejo a crise como uma oportunidade para a Europa dar um passo em frente..
E os sentimentos eurocéticos sobre a Europa e sobre o euro?
Comparativamente com as décadas de
1920 e de 1930, não representam um verdadeiro perigo.
Que opinião tem sobre as políticas de austeridade europeias que
têm sido postas em prática desde o início da crise?
Podemos fazer uma comparação com a
América, que continua a fazer a mesma coisa, a acrescentar mais energia fiscal,
mais défices e a imprimir moeda. Aqui na Europa, estamos a tentar pegar o touro
pelos chifres. Sabemos que nos tornámos viciados em défice e que precisamos de
crescer passando por uma penosa desintoxicação. Se não o fizermos, seremos
aniquilados pela economia.
Temos de ser competitivos por causa da
China e de outros mercados emergentes. Claro que a austeridade apareceu no
momento mais inoportuno. O ano passado, em Davos, o assunto era a grande
transformação e a procura de novos modelos. Uma pessoa nunca se questiona,
exceto quando se vê metida em sarilhos.
Como explica o facto de alguns políticos alemães se recusarem a
pagar as dívidas dos gregos ou dos portugueses e imporem austeridade?
A questão é saber se a Grécia é um
mercado ou se é da nossa família. Se uma pessoa da nossa família partir uma
perna, nós vamos a correr ajudá-la, mas se for o padeiro, vamos a outro. Sem
ressentimentos, não estamos interessados no padeiro, mas sim em comprar pão.
Na América, não têm problemas destes.
Estão a fazer transferências entre Estados para centenas de anos, mas isso
pouco se nota por se tratar de uma federação. Em França, acontece o mesmo, com
as regiões mais fortes a transferirem dinheiro para as mais frágeis. Acontece o
mesmo na República Checa. Devíamos, pois, perguntar quem é o nosso vizinho, se
apenas a França, ou também a Grécia.
Sabemos que as crises são uma oportunidade para repensar os modelos
económicos. Que conselho daria aos líderes europeus para que evitassem mais
défice nos seus países?
Há umas gerações, os políticos
europeus influenciavam a economia de duas maneiras: controlavam a política
monetária e influenciavam a política fiscal. Simplificando, a política
monetária é o monopólio que o governo tem de emitir moeda, ao passo que a
política fiscal é o monopólio que o governo tem de emitir dívida. Neste
momento, a política monetária está fora da alçada dos políticos, que estão de
pés e mãos atados.
Hoje em dia, os políticos na Europa
não podem emitir moeda. Continuam a poder emitir toda a dívida que querem e não
há quase nada que os faça parar. A pressão da União Europeia e dos mercados não
é suficiente. Os mercados reagem muito pouco e muito tarde e o objetivo europeu
acordado por nós, enquanto federação, para que as nações não tivessem um défice
superior a 3% do PIB, não se revelou suficientemente poderoso para reduzir os
défices.
É por isso que a Europa não tem o
problema da inflação, é por isso que estamos a tentar resolver tudo de uma
única
maneira, emitindo dívida. A questão
que hoje se discute é saber se devíamos aplicar as duas medidas, ou se também
devíamos impedir a segunda. Acho que o papel do governo devia ser mínimo e que
os governos também deviam desistir de controlar o nível de défice existente.
Se olhasse para o estado da Europa, a que mitos ou filme o
compararia?
A O Senhor dos Anéis. Gnomos e anões odeiam-se uns aos outros,
ao passo que os hobbits juntam-se e atravessam juntos os tempos mais difíceis.
Enquanto as coisas correram bem, ninguém se interessava pela Europa.
Começámos
a dar por adquirido o facto de haver paz e comércio. A ideia da União Europeia
era fazer trocas comerciais e não andar em guerra. A II Guerra Mundial resultou
da fetichização da ideia de um Estado-nação. Podemos considerar que a União
Europeia resulta dessa fetichização.
O que fizemos, e que foi um lance
engenhoso, foi trocar o crescimento geográfico de uma nação pelo seu
crescimento económico. Mas não pensamos no PIB da Europa: continuamos a pensar
no PIB de França versus o PIB da Alemanha versus o PIB da Grécia. Não há dúvida
de que trocar o crescimento geográfico pelo económico é positivo e é bom. Agora que crescemos
economicamente, também podemos trocar esse crescimento por crescimento noutras
áreas como, por exemplo, cultura, interação social e outros importantes
domínios.
Fonte: http://www.presseurop.eu
Comentários