Uma chanceler made in RDA - Por Richard Herzinger
Os
jornalistas Ralf Georg Reuth e Günther Lachmann publicaram esta semana, na
Alemanha, Das erste Leben der Angela M. “A primeira vida de Angela M.” (edições Piper), que revela novos
elementos sobre as ligações da chanceler com a ditadura da antiga RDA.
Refutando as afirmações de Angela Merkel, que declara que sempre desaprovou
pessoalmente o regime do Partido Socialista Unificado (SED) na Alemanha de
Leste, os autores pensam poder demonstrar que o seu papel na RDA e aquando da
queda do regime foi mais complexo e menos lisonjeiro para a chanceler.
Segundo
esta, Angela Merkel ter-se-á esquivado à doutrinação ideológica e terá sempre
sonhado com uma democracia que unificasse a Alemanha, tendo ultrapassado os
anos do comunismo graças a uma espécie de exílio interior.
Esta lenda baseia-se
sobretudo na ideia de que o seu meio familiar protestante, Angela Merkel é
filha de um sacerdote, a terá poupado às tentações e às ilusões da doutrina do
Estado socialista.
No entanto, um exame mais aprofundado do contexto põe a
claro uma imagem bem diferente do envolvimento de alguns teólogos protestantes,
entre os quais o seu pai, no regime da Alemanha de Leste.
Angela Merkel, nasceu em 17 de julho
de 1954, em Hamburgo, como Angela Kasner. O seu pai, Horst Kasner [que, em
1954, partiu com a família e foi instalar-se na zona de ocupação soviética],
fez parte de um grupo de teólogos através dos quais, sob a orientação dos
soviéticos, os dirigentes da RDA pretenderam aplicar a sua concessão política da
Igreja.
Nesse sentido, esses teólogos, que consideravam o socialismo como uma
verdadeira alternativa ao capitalismo ocidental, fundaram, em 1858, em Praga,
uma organização cristã internacional denominada Conferência Cristã da Paz.
Horst Kasner aderiu a esta organização e, também, à confraria protestante de
Weißensee [Berlim], dirigida por Hanfried Müller, igualmente membro da
Conferência Cristã da Paz e que tinha excelentes contatos no politburo do
SED.
Teologia e política
Quando,
em 1961, no auge da guerra fria, a Conferência das Igrejas Evangélicas da RDA
decretou, em cooperação com a Igreja Evangélica na Alemanha (EKD), que os
cristãos não deviam submeter-se ao absolutismo doutrinário de uma ideologia, a
confraria de Weißensee defendeu um ponto de vista inverso.
Os seus “Sete
princípios sobre a liberdade da Igreja e o conceito de serviço” apresentam a
colaboração com “o poder antifascista” como dever do cristão. Esses “sete
princípios” podem ser considerados como a base ideológica da concessão da
“Igreja no socialismo”. Nessa época, o pai de Angela Merkel era muito próximo
do poder estabelecido.
É
certo que Horst Kasner se foi distanciando progressivamente da linha oficial
dos dirigentes da RDA, a partir de 1970. Ainda assim, Angela Merkel cresceu
numa família na qual a teologia e a política se misturam e na qual o domínio
político era associado à busca de um ideal socialista.
Angela Merkel fez parte dos 10% de
alunos do ano da sua admissão autorizados a frequentar a Erweiterte Oberschule (escola superior alargada da RDA). Ao
contrário de muitos outros filhos de sacerdotes, não tentou eximir-se à
participação nas organizações populares do SED e fez parte do Jovens Pioneiros.
Mais tarde, foi secretária-adjunta da Juventude Alemã Livre [JAL, primeiro
movimento de juventude da Alemanha de Leste] na sua escola. A sua proximidade,
e do seu pai, ao regime permitiram-lhe obter o bacharelato. Em seguida, Angela
Kasner estudou Física na Universidade Karl Marx de Leipzig.
Todos os que
frequentavam este estabelecimento tinham garantida uma carreira científica.
Sobretudo quando exerciam funções dirigentes na Juventude Alemã Livre, como
Angela Kasner. Foi na Universidade de Leipzig que entrou, pela primeira vez, em
contacto com os círculos comunistas reformadores.
Merkel e o socialismo democrático
Em 1981, foi promovida a secretária
responsável de propaganda da célula da JLA no ZiPC [Instituto Central de
Físico-Química da Academia de Ciências de Berlim], que, tendo mais de 600
colaboradores, não é de modo algum uma estrutura confidencial. Angela Merkel
sempre desmentiu ter sido responsável de propaganda.
Refutou tal alegação, logo
em 2005, numa obra publicada sob o título Mein Weg. Ein Gespräch mit Hugo
Müller-Vogg (edições
Hoffman und Campe) [“À minha maneira: entrevista a Hugo Müller-Vogg”].
“Propaganda? Não tenho memória de ter feito propaganda, fosse de que maneira
fosse. Eu era responsável da cultura.”
No outono de 1989, o pai de Angela
Merkel organizou, na sua escola pastoral, um encontro de físicos alemães de
Leste subordinada ao tema “O que é o Homem?” Para falar verdade, o pai de
Angela Merkel talvez tivesse gostado de a ver no Partido Social-Democrata
(SPD).
Mas já não tinha a influência de outrora sobre a filha mais velha. A escolha
pessoal desta última foi um movimento recentemente criado chamado Despertar Democrático [do qual um dos fundadores esteve
presente nesse encontro].
No
entanto, ao contrário do que quis fazer acreditar até agora, Angela Merkel só
aderiu ao Despertar Democrático em dezembro, porque este movimento já previa no
seu programa a reunificação da Alemanha. Na realidade, alguns elementos levam a
crer que, à partida, Angela Merkel era favorável a um socialismo democrático,
numa RDA autónoma, e que nem sempre preconizou a unificação.
Na sua qualidade
de membro do comité diretor do Despertar Democrático, Angela Merkel foi membro
da Aliança pela Alemanha, a coligação [de partidos conservadores], impulsionada
por Helmut Kohl, que viria a ganhar as legislativas de março de 1990 para a
Câmara do Povo (parlamento da RDA).
A “primeira vida” da chanceler
Na altura, o homem forte da RDA
chamava-se Lothar de Maizière. O filho de Clemens de Maizière, antigo camarada
de luta de Horst Kasner, nomeou Angela Merkel para o cargo de porta-voz adjunta
do Governo, no interior do qual as suas competências foram reconhecidas.
Segundo escreveu o Neues Deutschland [órgão oficial do SED], Angela Merkel
conseguiu, “graças à sua inteligência e à sua fiabilidade, construir uma
reputação que poderá levá-la às mais altas funções”.
O que viria a acontecer.
Quando o Despertar Democrático se tornou na União Cristã Democrata (CDU),
Lothar de Maizière e o seu secretário de Estado, Günther Krause, chamaram a
atenção de Helmut Kohl para Angela Merkel, e este foi imediatamente conquistado
pela filha do pastor luterano.
Esta
nova obra dedicada à chanceler lança uma nova luz sobre alguns aspetos da vida
de Angela Merkel na Alemanha de Leste, mas o livro não contém nenhuma
revelação sensacional suscetível de levar a que se reescreva, no essencial, o
seu papel nessa época. Pelo contrário, essa nova luz sobre a “primeira vida” da
chanceler destaca características que nos são familiares: espírito realista,
capacidade de manobra e calculismo frio.
Segundo parece, desde a época da RDA
que Angela Merkel se tem movimentado no seio das estruturas existentes e em
conivência com elas, quando não se lhe apresentava nenhuma outra opção, sem se
deixar levar por utopias e sem nunca perder de vista a sua própria carreira.
Quando o antigo aparelho se tornou obsoleto, Angela Merkel ganhou rapidamente
confiança, com a mesma meticulosidade, dentro das novas estruturas da república
federal.
fonte http://www.presseurop.eu
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