Jornais franceses marcaram Brasil na virada para o século XX, indica pesquisa - Por José Tadeu Arantes
Periódicos franceses
tiveram circulação expressiva no Brasil, na passagem do século XIX ao XX.
E contribuíram não apenas para o entretenimento e o aprimoramento cultural da
elite letrada, mas também para a melhoria da imprensa brasileira, com a adoção
de padrões editoriais mais exigentes.
Le Figaro, Le Matin e Le
Petit Journal foram alguns dos jornais, produzidos na França, que
circularam no Brasil. Além deles, havia publicações, escritas em francês ou
bilíngues, impressas por aqui. Machado de Assis, Lima Barreto, Coelho Neto e
Oswald de Andrade estiveram entre os leitores mais famosos desses periódicos.
Essas e outras informações fazem
parte do material já levantado pela pesquisa “As transferências culturais
na imprensa na passagem do século XIX ao XX, Brasil e França”, coordenada por
Valéria Guimarães, professora de Teoria da História na Universidade Estadual
Paulista (Unesp), campus de Franca.
O trabalho, ainda em
andamento, é apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa Jovens Pesquisadores em
Centros Emergentes e possui uma interface com o Projeto Temático FAPESP: “A
circulação transatlântica dos impressos: a globalização da cultura no século
XIX”.
“Por enquanto, nossa pesquisa
está mais focada no âmbito da circulação. As perguntas que fazemos são: que
jornais circulavam aqui e quem eram os agentes envolvidos nessa circulação, dos
dois lados do Atlântico?”, disse a pesquisadora à Agência FAPESP.
“Mapeadas essas redes, procuraremos nos aprofundar na recepção, para saber
que impacto real esses jornais tiveram no jornalismo brasileiro.”
A pesquisa já identificou vários
agentes. No eixo Rio-São Paulo, havia firmas ocupadas na venda dos periódicos,
como a Livraria Magalhães, a Livraria Commercial, a Livraria Garnier e a Casa
Garraux, entre outras. E livrarias-editoras, comprometidas não apenas com a
venda, mas também com a produção de publicações em francês ou bilíngues, como a
belga Lombaerts.
Diferentemente dos jornais
editados na França, os periódicos em francês ou bilíngues produzidos aqui
parecem ter interessado menos os intelectuais, uma vez que tinham objetivos
específicos ou se destinavam prioritariamente à comunidade francesa residente
no país.
Produção brasileira
Um exemplo de periódico feito no
Brasil é La Petite Revue (A Pequena Revista), que se autodefinia como financière,
économique, commerciale et littéraire (“financeira, econômica, comercial e
literária”) e era publicada pelo Crédit Général Français (Crédito Geral
Francês) com o objetivo de vender títulos do governo francês ao
público brasileiro.
“Era editada em São Paulo, com
uma tiragem de 4 mil exemplares, e tinha agentes em São Paulo, Piracicaba, São
José dos Campos, Jacareí, São Carlos do Pinhal, Rio Grande (não se sabe se do
Sul ou do Norte), Pernambuco e Rio de Janeiro, e subagentes viajantes”, disse
Guimarães.
“Além das matérias relativas ao
mercado financeiro, havia seções de anedotas, provérbios, poesias e crônicas,
sempre visando a difusão de uma ideologia de boas práticas financeiras e
administrativas”, acrescentou. Outro
exemplo, de publicação mais voltada para a comunidade francesa
residente no Brasil, é o semanário L’Éclaireur (O Esclarecedor).
“Uma de suas edições trouxe rude
polêmica com o primeiro cônsul da França no Brasil, lotado em São Paulo,
Georges Ritt, acusado pelo periódico de incompetência, abuso de poder,
divulgação de segredos profissionais, traição à honra, traição à pátria,
calúnia, adultério, e daí para baixo”, disse Guimarães.
A exemplo de alguns periódicos
existentes na própria França, que alimentaram o furor da opinião pública
durante o tristemente famoso caso Dreyfus, L’Éclaireur era
explicitamente antissemita. E seu antissemitismo parece ter-se exacerbado por
causa das boas relações do cônsul Georges Ritt com uma rica família de judeus
franceses, proprietários da firma Bloch Frères (Irmãos Bloch), dedicada à
confecção e comércio de roupas, de acordo com a pesquisadora.
Essa ocupação dos Bloch, por
outro lado, era bem característica da comunidade francesa em São Paulo no
período. Segundo a historiadora Heloisa Barbuy, professora do Museu Paulista da
Universidade de São Paulo e do Programa de Pós-Graduação em História Social da
USP, cerca de 400 dos 2.500 franceses residentes em território paulista eram
comerciantes de alto padrão.
Especificidades da comunidade
O perfil da comunidade francesa
em São Paulo era semelhante ao da do Rio de Janeiro, conforme artigo de Ana
Luiza Martins, publicado no livro Franceses no Brasil (Unesp/2009),
de Tania de Luca e Laurent Vidal (organizadores).
Diferentemente da comunidade
italiana, que respondia por 63,38% dos imigrantes no Brasil, a maioria deles
engrossando as fileiras dos trabalhadores braçais da indústria ou da
agricultura, a comunidade francesa, formada por apenas 1,55% dos estrangeiros
que entraram no Brasil no período, dedicava-se principalmente ao comércio
(modas, adereços etc.) ou a atividades culturalmente mais qualificadas (como
engenharia, ensino, artes, edição e tipografia).
Há duas explicações para isso. Em
primeiro lugar, ao contrário da Itália, que, após o processo de unificação
política, atravessou um longo período de pobreza, miséria e até fome, a França
viveu sua belle époque (“bela época”) justamente na passagem do século XIX
para o XX.
Em segundo lugar, enquanto o governo italiano tomava poucas medidas
em defesa de seus emigrantes, o governo francês emitiu atos proibindo o
recrutamento de emigrantes a partir de 1875, quando constatou que as condições
de trabalho no Brasil não eram boas como as agências de emigração anunciavam.
O impacto dos jornais franceses
no jornalismo brasileiro será objeto de fase posterior do estudo. Mas alguns
exemplos pontuais já podem ser adiantados, como o de Lima Barreto (1881-1922),
assíduo leitor de Le Figaro.
Descendente de escravos, mas
filho de pais que tiveram a oportunidade de estudar e valorizavam a cultura, o
autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma começou a trabalhar na
imprensa ainda nos tempos de estudante.
Crítico mordaz da Primeira
República, mantenedora dos privilégios da oligarquia agrária e da alta
oficialidade militar, o jornalista e escritor apontou também a “futilidade” e o
“semianalfabetismo” dos jornais brasileiros da época. Para ele, Le Figaro era
o paradigma da boa imprensa a ser seguido pela imprensa nacional.
Outro exemplo é a observação do
respeitado crítico literário José Veríssimo (1857-1916) sobre a preferência dos
brasileiros pelo idioma francês, aprendido principalmente na leitura dos
jornais populares parisienses, o que faria deles maus falantes da própria
língua portuguesa.
“Com o apoio da FAPESP, o
material coletado pela pesquisa foi organizado em um grande banco de dados, que
será franqueado ao público no futuro”, informou Guimarães. Desde já, porém, é
possível acessar uma amostra representativa desse material no site http://jfb.cedaph.org.
Fonte: http://agencia.fapesp.br
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