Política e religião – Por Paulo Henrique Faria Nunes
Nunca antes na história da Igreja
Católica, diria o ex-presidente, dois homens exerceram simultaneamente a função
de chefe do Vaticano. Nem mesmo de Roma, nos períodos áureos de influência dos
papas nos assuntos seculares.
A Igreja já foi detentora de um Estado
de verdade, Roma. Entretanto, com o processo de unificação da Itália, os
domínios do vigário de Cristo foram tomados pelas armas em 1870 e só lhe
restaram os 44 hectares da cidade do Vaticano. Ainda que ao Santo Padre só
tenha restado um território diminuto para governar, essa é uma situação nada
comum.
Encontram-se ordens religiosas
que possuem patrimônio considerável e até cadeias de rádio e televisão mas
somente a Igreja Católica é detentora de um território. Mesmo num caso como o
da Igreja Anglicana, cujo chefe é o monarca britânico, tem-se uma religião
instituída pelo Estado e não uma ordem política submetida aos preceitos
eclesiásticos.
A renúncia de Bento XVI e a
eleição do papa Francisco criaram uma situação inusitada: um Papa em exercício,
encarregado das funções políticas e religiosas típicas do Sumo Pontífice, e
outro emérito. O mundo acompanhou estarrecido essa situação nova e sui generis.
Os meios de comunicação fizeram a
cobertura com entusiasmo e divulgavam a fiéis e infiéis as regras sobre escolha
do Santo Padre. Brasileiros e argentinos receberam o resultado como uma final
de copa. “Temos Messi e o novo papa” diziam os argentinos; “Pelé é o melhor de
todos os tempos (será?) e Deus é brasileiro”. Em um programa de TV, em 2012,
Chico Xavier foi eleito o maior brasileiro de todos os tempos e ainda assim o
Brasil reclamava o direito ao trono de Sua Santidade...
A organização política do
Vaticano é bem particular pois se trata de uma monarquia eletiva. O governante
exerce o poder de maneira vitalícia mas, por razões óbvias, o poder não é
transmitido hereditariamente. Mais precisamente, tem-se uma hierocracia
(hierós, sagrado + krateía, poder), um modelo no qual o poder é exercido por um
sacerdote ou é profundamente influenciado por essa categoria.
Entretanto, alguns aspectos que
envolvem a renúncia de Bento XVI merecem ser analisados mais detalhadamente. É
certo que segredos serão bem conservados pelo Vaticano o que desperta suspeitas
e aumenta o clima de mistério.
Especulou-se que a renúncia fora motivada por
escândalos sexuais, ligações escusas entre o banco do Vaticano e organizações
criminosas, luta por poder na cúpula da Igreja ou, simplesmente, o estado de
saúde do Ratzinger, embora o mundo já houvesse se habituado com as imagens de
João Paulo II que reinou moribundo por um período razoável. Sexo, crime,
dinheiro e poder: todos os elementos indispensáveis à redação de um bom
thriller. Mais importante do que os motivos da renúncia é o que veio depois:
dois Pontífices.
A fé católica repousa, em parte,
na organização da Igreja. Reconhece-se que o Papa é o sucessor de Pedro, Tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (Mt. 16, 18). Trata-se de
um poder de natureza divina, transmitido diretamente por Cristo. Essa é a razão
pela qual durante muito tempo os papas se julgaram superiores aos governantes
temporais. O poder espiritual, diferentemente do terreno, é infalível, derivado
de uma entidade onipotente, onipresente e onisciente.
A existência de dois Papas causa,
portanto, estranheza: ambos são sucessores de Pedro e possuem um poder divino?
Do ponto de vista espiritual, ambos estariam legitimados a nomear cardeais? Um
fiel que sonha em assistir uma missa celebrado pelo Sumo Pontífice poderia
buscar tanto um quanto outro?
A fim de não criar uma situação
que poderia colocar em xeque todo o fundamento da fé, a Igreja adotou uma
postura de cautela; declarou que Bento XVI permanece Papa, embora se dedicará
às orações e à meditação até o fim de seus dias. Porém, resta saber como os católicos
espalhados por todo mundo assimilarão essa dualidade representativa e se essa
situação não poderá favorecer ideias separatistas em virtude de temas que não
são consenso entre padres e bispos (divórcio, casamento de padres). Afinal de
contas, o número dois, ao contrário de um, pode ser dividido em duas partes
inteiras.
(Paulo Henrique Faria Nunes,
vice-presidente da Associação de Professores da PUC Goiás, professor e
pesquisador na PUC Goiás e na Universo)
Fonte: http://arquivo.dm.com.br
Comentários