Religião e democracia - Por Amadeu Garrido*
A
democracia seria incompatível com religiões fundamentalistas, como o Islamismo?
Dani Rodrik, do Instituto de Estudos Avançados de Priceton responde
negativamente.
Em análise publicada no Jornal Valor Econômico "Problema é
o autoritarismo, não o Islã", o professor de ciências sociais americano
não crê nas primaveras árabes, na democracia como modelo de governo nos países
controlados por governos islâmicos. Turquia, Egito e Tunísia só têm em comum o
islamismo.
Porém, ele acredita que o autoritarismo tem outras causas, diversas
da religiosidade radical. A opressão política, não rara na América Latina,
independentemente de seitas religiosas, seria a comprovação de que a negação do
regime democrático não tem necessariamente a ver com os extremismos confessionais.
Cremos
que se trata de uma meia-verdade. É certo que a democracia não floresce num
grande número de países, sobretudo quando a concebemos em sua plenitude, é
dizer, não deve ser considerado regime democrático uma ditadura com urnas,
expressão com que tentou desmoralizá-la Carlile, o teórico do nazismo. Entre
eles, vingam inúmeros autoritarismos laicos, sobretudo militares.
Todavia,
não podemos ignorar que nas sociedades onde inúmeras seitas religiosas se
digladiam, em estilo selvagem, em que a vida humana não é valorada e sim
detrimentada em atenção aos profetas todos poderosos, o estado tende a ser
forte e invasor da órbita privada de liberdade dos cidadãos, sob a forma de
perseguições, prisões, torturas etc.
Em outras palavras, entre os povos que se extremam
sob radicalismos religiosos não há unidade social e política e um regime de
tolerâncias recíprocas, que o autor aponta como base das configurações
democráticas; o islamismo e suas contradições, entre outras correntes, é
antitético à democracia.
A Irmandade
Muçulmana, vencedora nas urnas, tornou-se cada vez mais autoritária, até que
seu presidente sofreu um golpe de força dos militares, formadores de uma
instituição armada que nega há séculos as liberdades públicas no Egito. A queda
de Mohamed Mursi ficou ainda menos explicável ante o apoio dos liberais aos
militares, costumeiros em prometer domínios efêmeros e exercer ditaduras
duradouras. Nós, brasileiros, conhecemos o fenômeno.
Os
militares turcos também não tiram os olhos da política e intervêm em todos os
momentos que julgam necessários, e não são poucos. As divisões religiosas e os
conflitos delas decorrentes, muitas sangrentas, se não justificam, dão pelo
menos as explicações para as motivações castrenses.
Os
partidos políticos, parlamentos, tribunais e todas as instituições importantes
não são infensas às desavenças religiosas. A instabilidade social e política
que delas decorre abala os pilares essenciais a um governo liberal organizado.
As rupturas decorrentes dos conflitos islâmicos são a semente as intervenções
fundadas nos valores que negam o Estado de Direito Democrático.
Mursi e Erdogam
podem não ter trilhado o autoritarismo e atraído as oposições e suas
vinculações espúrias com forças opressivas seculares por convicções religiosas,
mas por sentirem-se ameaçados, entre outros fatores, pelas distensões
incessantes de seitas rivais e intolerantes, e consequentes crises e movimentos
sociais que abalam a estrutura do Estado e a estabilidade dos governos.
Em
resumo: diversamente do que crê o ilustre articulista, as primaveras árabes, no
sentido da criação de uma democracia do tipo ocidental, que conhecemos e que é
produto de longa maturação, desde a revolução inglesa e francesa, havidas como
factíveis e que despertou tantas esperanças em seus movimentos populares que
tomaram as praças e ruas, por enquanto, são um inverno, em que a religião, se
não é a causa única da opressão, é pelo menos um de seus principais fatores.
*Advogado
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