França adota "Carta da Laicidade" em meio a debates sobre o lugar da religião
Nada de símbolos religiosos nas
escolas, nada de proselitismo em sala de aula: a França passa a adotar a partir
desta segunda-feira em suas escolas públicas a
"Carta da Laicidade"
em um país que discute há anos o lugar da religião na República.
O uso do véu islâmico nas
escolas, ou do solidéu, da estrela de Davi ou da cruz, ausência dos alunos
durante o Ramadã, o Eid ou o shabbat, embate entre as teorias da evolução das
espécies e crenças sobre a origem divina da vida na Terra: estas questões são
expostas regularmente, enquanto o Islã se torna a segunda maior religião na
França, "filha mais velha da Igreja".
A laicidade é uma "batalha
que não opõe uns aos outros, mas uma batalha contra aqueles que querem opor uns
aos outros", declarou nesta segunda-feira o ministro da Educação, Vincent
Peillon, ao instalar a primeira carta em uma escola na região de Paris.
A Carta, que tem um valor
simbólico e não jurídico, lembra em 15 pontos os princípios fundamentais da lei
de 1905, segundo a qual "a República laica organiza a separação entre
religião e Estado. O Estado é neutro no que diz respeito a crenças religiosas
ou espirituais ".
A Carta também faz referência a
uma lei de 2004 que proíbe "o uso de apetrecho ou vestuário pelo qual os
alunos manifestam abertamente sua filiação religiosa".
Em 4 de dezembro de 2012, o
Comitê de Direitos Humanos da ONU pediu a França para rever esta lei, depois de
tomar conhecimento da expulsão do colégio de um aluno que usou um turbante
sikh.
Aprovada por unanimidade, esta
lei encerrou cinco anos de um debate apaixonado. Em 1989, três estudantes foram
excluídas de uma instituição em Creil (norte), porque se recusaram a tirar seus
véus na sala de aula. O caso tomou uma dimensão nacional.
"Nenhum estudante pode
alegar crença religiosa ou política para contestar o direito de um professor de
ensinar uma questão no programa", afirma ainda a Carta.
Em algumas escolas, as
controvérsias surgiram a respeito de aulas de Biologia sobre a reprodução ou a
teoria da evolução, ou de História quanto ao nascimento das religiões ou o
Holocausto.
"Eu sou ateu. Acho um
absurdo que as pessoas cheguem à escola com símbolos religiosos. Eles não
precisam mostrar a todos. Se são crentes é um problema deles, não nos diz
respeito", opina Arthur Rivelois, de 16 anos, estudante em Paris.
A Carta? "É bom que todo
mundo tenha conhecimento", acredita Elsa, de 15 anos, encontrada em frente
ao mesmo colégio de Turgot em Paris.
Sua amiga Bariza afirmou que
apesar das leis, "os alunos continuam a mostrar símbolos religiosos, com
grandes pingentes, com a cruz ou a estrela de David. Existem aqueles que não
irão respeitar a Carta".
Os diretores terão de afixar a
Carta em um local "visível a todos", de preferência em "áreas de
acolhimento e de passagem", e realizar reuniões com os pais, avisa o
ministro da Educação Vincent Peillon.
Sua "missão" é
"não apenas lembrar as regras que nos permitem viver juntos no ambiente
escolar, mas também ajudar as pessoas a entender o significado dessas
regras", disse o ministro, em uma carta aos diretores.
Responsável por uma associação de
pais, Valerie Marty lamenta que a Carta é omissa sobre outros temas espinhosos,
particularmente em torno de "árvores de Natal ou da cantina". Às
vezes, "fazem um escândalo, porque há peixe na cantina na sexta-feira",
disse.
A oposição mais direta veio do
presidente do Conselho Francês da Fé Muçulmana, Boubakeur: "90% dos
muçulmanos vão se sentir alvos desta Carta, enquanto que em 99% dos casos eles
não representam problema algum à laicidade".
"Por que lembrar a lei de
2004 que proíbe símbolos religiosos visíveis nas escolas?", questionou.
"Há também um apelo pela igualdade de gênero..." "Peillon jurou que a
comunidade muçulmana não é o alvo desta Carta. Mas o inferno está cheio de boas
intenções", conclui Boubakeur.
Na extrema direita, Marine Le Pen
chamou a Carta "de uma medida midiática, longe de lidar com o problema
real", denunciando "o desenvolvimento preocupante do comunalismo e
das reivindicações político-religiosas".
E o partido de esquerda do
radical Jean-Luc Mélenchon considera que a Carta não passa de "um chamariz
pra distrair das condições lamentáveis do ensino".
Fonte: http://noticias.terra.com.br
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