O Estado, as religiões e as violações de direitos
A relação das
religiões e o Estado brasileiro foram os pontos de partida para o Conselho de
Psicologia procurar Rafael Soares de Oliveira para uma entrevista.
Além de
diretor executivo de KOINONIA, Rafael é psicólogo, doutor em antropologia, Ogã
da Casa Branca e tem uma trajetória marcante de luta ecumênica.
Já na apresentação de quem é KOINONIA, o diretor da
organização já mostra como a instituição promove um mosaico de ações todos
baseados no entendimento de defesa dos valores ecumênicos: a busca da unidade
dos cristãos; a colaboração com outros setores da sociedade que lutam pela paz,
justiça e preservação da natureza; e o diálogo fraterno entre as religiões.
KOINONIA entende o conceito de forma diversa ao significado tradicional, que
seria a busca da unidade entre as religiões.
Para explicar o crescimento vertiginoso dos
neopentecostais, enquanto a Igreja perde fIeis, Soares fez um histórico da
perda de espaço da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR).
“Houve uma
dessintonia do centro de poder da Igreja Católica com os anseios de uma maioria
urbana desde os anos 1970.” E ainda que hoje o crescimento do número de
adeptos para algumas religiões é mais importante que a mensagem.
Para
Rafael, “há uma tendência de pregação no sentido de estabelecer uma só verdade
gerando competição entre as religiões”. Para Oliveira, nosso Estado Brasileiro
ainda está em construção. A separação do Estado da ICAR aconteceu, mas não da
cultura dessa relação.
Por exemplo, institucionalmente a Igreja Católica é de
Direito Público, já outras religiões tem status de direito privado. Os
pentecostais sentem-se travando uma disputa de mercado. A bancada evangélica é
a expressão do crescimento numérico de adeptos.
Sobre como KOINONIA atua nesse contexto, Rafael
explicou que a organização atua de forma mais direta.
“Atuamos com quem defende
direitos. Apoiamos uma campanha pública chamada “O amor lança fora todo
medo.” É um convite para que todos os religiosos lutem contra todas as
formas de intolerância. Nosso foco de trabalho neste ano é a violência contra
as mulheres. A temática é complexa no campo religioso porque muitas religiões
ainda negam a violência contra a mulher. ”
Voltando para a discussão do Estado Laico, Rafael foi
questionado: “Então não temos Estado Laico, mas é possível ter?”
“Já melhoramos
muito, mas temos que continuar lutando pelas utopias como por um país sem
desigualdades e sem intolerâncias. Um exemplo é o caso de Mãe Rosa. A mãe de
santo de Itaparica teve o marido assassinado por um vizinho que não quer seu
terreiro na localidade”, contou Soares.
O caso de Mãe Rosa tem sido um foco de
ação de denúncia e assessoria de KOINONIA. O criminoso está preso, mas segue
fazendo ameaças contra a mãe de Santo, no intuito de expulsá-la e o seu
terreiro da área onde está.
No mesmo terreno, a Mãe Rosa promove um projeto
social com meninos desamparados. O caso da Mãe Rosa é um dos muitos exemplos de
intolerância religiosa, e superar essas intolerâncias é uma das principais
causas de KOINONIA. A partir desse caso, Rafael falou sobre como Candomblé
enxerga o outro:
“Para o Candomblé os outros são muitos. Tudo começa na
natureza, rochas, vegetais, humanos e orixás estamos todos e todas conectadas
pelo Axé. Para nós a vida só faz sentido se renovarmos o Axé. Por esse vínculo
universal não podemos destruir a natureza e nem prejudicar as pessoas. Fazer
isso é negar a si mesmo. Quem faz o mal ou o bem faz a si mesmo. Nessa unidade
não podemos pensar no outro como inimigo.”
Sobre um possível elo das religiões,
segundo Rafael, o entendimento de KOINONIA é pensar no diálogo religioso. Não
promovemos a ideia de que os deuses das religiões são os mesmos ou que há um
único divino subjacente a tudo, afirmar isso é caminhar numa fronteira
arriscada, que justificou a cristandade, por exemplo.
Ainda sobre a intolerância religiosa, Rafael afirmou
que o Brasil tem uma trajetória histórica de perseguição as religiões de matriz
africana que está diretamente ligada ao racismo e as desigualdades sociais nas
quais os negros e pobres são os que mais sofrem.
“Quando o Estado proíbe a
expressão das religiões de matriz africana configurava-se um apartheid
implícito. Até os anos 1970, o Candomblé era proibido em Salvador. A
Constituição Federal garantiu a liberdade religiosa, mas não garante a
igualdade de direitos entre elas. Assim o exercício das religiões de matriz
africana não é simples e mostra a divisão de classes. Para mim que sou branco,
não existe tantos problemas em usar minhas contas na rua. Mas meus irmãos
negros sofrem diversas intolerâncias.”
Rafael também explicou quando a
superação da intolerâncias religiosa se tornou uma luta nacional. Só nos anos
1990 houve a união do movimento negro e dos adeptos do Candomblé contra a
intolerância religiosa. Antes disso, a intolerância religiosa não era vista
como uma das bandeiras da luta de direitos.
“Eu posso assegurar que KOINONIA
teve um relevante papel nesse movimento,” afirmou Rafael, se referindo ao Caso
Mãe Gilda. A mãe de santo foi fotografada quando participava das manifestações
pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Sete
anos depois, a foto foi publicada no jornal da Igreja Universal (IURD) com a
manchete: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes.”
Mãe
Gilda ficou muito abalada e com a saúde já fragilizada, acabou falecendo em 21
de janeiro de 2000. A partir daí, KOINONIA passou a assessorar juridicamente
Jaciara Ribeiro, filha de Mãe Gilda. A IURD foi processada e teve que indenizar
mãe Jaciara. O dia 21 de janeiro passou a ser o Dia Nacional contra a
intolerância religiosa. Hoje, explicou Rafael, já conseguimos pautar a criação
de políticas públicas para superar a intolerância religiosa.
A entrevista de Rafael fará parte da série de vídeos
“Psicologia e Diversidade”. A série já tem dois vídeos: “Psicologia e
Diversidade: Respeito” e "Somos Diversos".
A série começou
com a discussão sobre a "lei da Cura Gay", que afetava diretamente o
Conselho Federal de Psicologia.
O projeto foi arquivado, porém para a situação
que o originou continua presente no Congresso. A bancada religiosa é a segunda
maior do congresso nacional. A primeira é a bancada religiosa.
Fonte: http://www.koinonia.org.br
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