Pesquisa mostra que meditação interfere positivamente até nos genes – Por Bruna Sensêve

Tirar alguns minutos do dia para meditar pode provocar benefícios generalizados ao organismo. A prática não só acalma a mente e evita o estresse diário.

Também combate doenças cardiovasculares, aumenta a produtividade cerebral e até promove modificações na expressão genética. Esses são os resultados colhidos pela ciência e pela comunidade médica nos últimos anos. 

Para os mais céticos, vale frisar que não há qualquer conteúdo religioso ou espiritual nos dados obtidos tanto por meio de exames clínicos tradicionais, quanto por análises feitas com tecnologia de ponta. No último estudo, publicado neste mês na revista científica Psychoneuroendocrinology, foram relatadas alterações moleculares específicas no corpo de adeptos experientes logo após a meditação intensa.

O grupo internacional, que reúne cientistas da Universidade de Lyon, na França, de Barcelona, na Espanha, e de Wisconsin, nos Estados Unidos, traz a primeira evidência científica da ocorrência de rápidas alterações na expressão genética depois da meditação, afetando fisicamente o organismo. Os participantes foram comparados a um segundo grupo de voluntários que, durante o mesmo período, praticou atividades igualmente tranquilas.

“Um crescente corpo de pesquisa mostra que a meditação pode alterar processos bioquímicos, neurais e comportamentais. No entanto, os mecanismos responsáveis por esses efeitos clinicamente relevantes eram ainda imperceptíveis”, lembra Richard Davidson, líder do trabalho.

Para chegar aos reguladores moleculares que promovem os benefícios já comprovados, o grupo analisou pontos específicos de expressão genética antes e oito horas após a meditação. No primeiro momento, não observaram qualquer diferença entre os dois grupos.

“Por outro lado, após a breve meditação, detectamos redução da expressão de genes histona deacetilase (HDAC 2, 3 e 9), alterações na modificação global de histonas (H4ac e H3K4me3) e diminuição da expressão de genes pró-inflamatórios (RIPK2 e COX2) em meditadores comparados aos do grupo de controle”, detalha Davidson. 

A expressão dos genes RIPK2 e HDAC2 foi associada a uma recuperação mais rápida do cortisol em ambos os grupos. Esse hormônio está intimamente ligado ao controle de inflamações, a alergias, a níveis de estresse, à regulação da imunidade, à estabilidade emocional, a estímulo de açúcar do sangue e à criação de proteínas.

O produtor rural Paulo Meireles, 63 anos, pratica a meditação por cerca de duas horas diariamente, há quase duas décadas. Ele afirma que o hábito o ajudou a superar momentos difíceis e recuperou o organismo que, aos 40 anos de idade, já estava muito debilitado.

“Eu tinha crises renais seríssimas, enxaqueca e fui diagnosticado com prostatite. Com a meditação, também tive uma mudança na minha alimentação. Na minha idade, eu já deveria estar frequentando médicos, mas não é assim”, comemora. 

Preferencialmente, Paulo escolhe o lugar para meditar durante as primeiras horas da manhã, quando o barulho da rua ainda é baixo. “Tem dias que mergulho de tal forma na minha meditação que pode cair uma bomba lá fora que eu não vou perceber.”
Sem descanso

Estudos anteriores em roedores e seres humanos já haviam demonstrado respostas epigenéticas, herança de características adquiridas pelos genitores ao longo da vida, ágeis a estímulos físicos, como estresse, dieta ou exercício. 

“Nossos genes são bastante dinâmicos na sua expressão e esses resultados sugerem que a calma da nossa mente pode realmente ter uma influência potencial sobre a expressão deles”, diz Davidson. 

O cientista norte-americano acredita que os resultados definem as bases para futuros estudos que deverão avaliar melhor as estratégias de meditação para o tratamento de condições inflamatórias crônicas.

Professora da Universidade Federal de São Paulo e neurocientista do Hospital Israelita Albert Einstein, Elisa Kozasa não se surpreendeu com o potencial da meditação. Ela é uma das autoras de um artigo publicado na revista internacional NeuroImage sobre o tema. 

A pesquisa comparou o desempenho de meditadores com o de não praticantes durante uma atividade que exigia alto nível de atenção e controle de impulsos. Segundo ela, as imagens cerebrais registradas por meio de ressonância magnética funcional mostraram que, nos meditadores, o número de áreas neurais ativadas para a realização da tarefa era muito menor que em pessoas do grupo de controle. “É como se o cérebro dos meditadores precisasse fazer menos esforço que o dos indivíduos no outro grupo”, resume.

Kozasa considera que o principal resultado do grupo de Davidson não está na constatação das alterações na expressão genética, mas no fato de os efeitos da meditação serem muito distintos de um mero descanso. 

“Ele mostra que meditar é muito diferente de apenas descansar ou fazer uma atividade tranquila de lazer. Isso é muito importante para demonstrar a importância da técnica”.

Pressão sob controle

Estudos recentes têm oferecido resultados promissores sobre o impacto da meditação na redução da pressão arterial. Um estudo divulgado no ano passado mostrou que afro-americanos com doença cardíaca que praticavam a meditação transcendental regularmente eram 48% menos propensos a ter um ataque cardíaco, um acidente vascular cerebral (AVC) ou uma morte prematura em comparação com os afro-americanos que participaram de uma aula de educação para a saúde ao longo de mais de cinco anos. Resultados como esse fizeram com que a prática fosse recomendada pela Associação Americana do Coração. 

De acordo com a instituição, a orientação não está atrelada a um tipo específico de meditação, é importante apenas que o indivíduo se sinta confortável com a linha escolhida. A instituição alerta que, embora a meditação possa oferecer uma técnica para diminuir o estresse e o risco de doença cardíaca, não pode substituir outras mudanças de estilo de vida importantes, como comer saudavelmente, gerenciar o peso, reduzir a ingestão de sal e praticar atividade física regular. Também não substitui a medicação.

Estudos na UnB

A meditação é objeto de intenso estudo do professor titular de imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Eduardo Tosta. O último artigo, publicado em agosto de 2012, por ele e mais dois pesquisadores da UnB no Journal of Alternative and Complementary Medicine, mostrou que um curto programa de meditação foi capaz de regular positivamente a função e o metabolismo de fagócitos, glóbulos brancos do sangue que protegem o corpo por meio da ingestão de partículas estranhas, como bactérias e células mortas ou prestes a morrer.

O mesmo período de prática contou, em paralelo, com a redução dos níveis de cortisol e com o aumento de melatonina. O último é um hormônio responsável pela incrível pontualidade do corpo humano, na qual cada órgão exerce sua função no momento exato. O primeiro está bastante ligado ao sistema emocional.

Antes do experimento, o grupo de 37 indivíduos saudáveis de ambos os sexos e com idade entre 24 e 67 anos não tinha experiência prévia em meditação. Receberam aulas semanais ministradas por Tosta na Faculdade de Medicina e no Hospital Universitário de Brasília (HUB). 

Os encontros tinham cerca de três horas e aconteceram durante 10 semanas. “Nesses anos de trabalho, tenho visto resultados absolutamente incríveis de pacientes que melhoram drasticamente uma condição de saúde sem alteração da medicação, por exemplo”, comemora Tosta.


Um segundo trabalho de mestrado feito com 74 praticantes da meditação demonstrou que a prática reduziu em até 80% os índices da substância responsável pela produção do cortisol. As aulas eram abertas à população em geral, mas não serão oferecidas no próximo semestre. “Vou me dedicar a outras atividades e não poderei dar os cursos, mas pretendo voltar com as aulas em outro momento”, explica Tosta.




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