Educando para a liberdade – Por Emerson Arruda
Parece que foi ontem que eu e
tantos outros colegas corríamos pelos corredores das escolas públicas de
Rondonópolis, e não tínhamos a compreensão de que estávamos inseridos num
processo educacional dinâmico.
À medida que o tempo passava éramos treinados para
um modelo específico de sociedade, cumprindo o ritualismo bem definido pelo
projeto político vigente, que paulatinamente, definia o nosso comportamento
através de práticas de ensino aplicadas por muitos professores em sala de aula.
Hoje, vivendo sob a realidade
pós-moderna, em que a cultura midiática e os paradigmas
contemporâneos tecem uma nova maneira de ser, contemplo os meus filhos
dando os seus primeiros passos no campo da educação formal. Nesse sentido, eles
possuem contato com um novo modelo de alfabetização, valores morais diferentes
dos seus são apresentados como novas verdades, e uma série de pressupostos
filosóficos vai aos poucos desconstruindo e/ou produzindo desequilíbrios em sua
formação advinda dos núcleos sociais que estão inseridos.
Todavia, apesar de todas as
mudanças importantes nesse processo histórico em que a educação pública tem a
difícil missão de protagonizar o enredo sociocultural do Brasil, às vezes
percebo que por mais que estejamos num período de transformações culturais, de
avanços tecnológicos e de discussão permanente da diversidade, infelizmente,
não educamos nossos filhos e alunos para liberdade.
Ao analisar a escola e a própria
educação, Miguel Arroyo, pesquisador brasileiro neste campo, sendo entrevistado
por Marisa Vorraber, disse que “tanto a escola como a educação tiveram um
caráter propedêutico, preparatório: preparatório para a próxima série, para o
próximo nível, preparatório para a sobrevivência.”
Assim, muitos estudantes que
hoje são professores, médicos, dentistas, vendedores, pedreiros, arquitetos,
historiadores, padeiros e tantos outros profissionais, foram preparados para o
próximo nível e não para analisar com espírito crítico-reflexivo a realidade
social.
Por isso, não conseguem perceber
as manipulações políticas, religiosas, televisivas e acadêmicas presentes no
cotidiano brasileiro e no mundo. Na verdade, fomos educados simplesmente para
obedecer e não para problematizar. Deste modo, creio que muitos já criticaram a
religião cristã afirmando que ela padroniza de modo fundamentalista a percepção
das pessoas, excluindo outras formas de pensamento e de percepção do todo. Em
muitos essa crítica é correta, no entanto, parece-nos que tanto a religião
quanto a educação cometem os mesmos erros quando não estão dispostas a
revisitar seus conceitos e a reconhecer que ambas possuem aspectos
fundamentalistas na realização de seus papéis.
Seríamos inocentes ao imaginar
que a cultura acadêmica produzida nas universidades é isenta de preconceitos,
fundamentalismos e alienações. Universidades são lugares sociais que possuem
códigos teóricos, bibliográficos e ideológicos a serem obedecidos.
Entretanto, o mundo não pode ser compreendido tendo como base apenas as lentes: marxista, piagetiana, vygotyskiana, freudiana e freireana dentre outras. Existem diversas formas de ver, sentir e de conhecer os fenômenos naturais.
Em face dessa constatação,
indagamo-nos: Será que conseguimos ouvir aqueles que pensam de maneira
diferente de nós? Quantos teriam a paciência e a maturidade acadêmica de ouvir
num grupo de estudos, os argumentos de Tales de Mileto, que considerava a água
como a origem de todas as coisas? Quem apreciaria a fala de Anaxímenes
que defendia a ideia, de que o ar era a substância básica que trouxe à
existência o próprio mundo? Dentre esses dois filósofos pré-socráticos ainda
tiveram outros com concepções distintas e estranhas. Todavia, a filosofia
pré-socrática apesar de ser estranha para muitos de nós, foi o passo essencial
para ler o mundo sob outra perspectiva epistemológica e científica.
Deste modo, o nosso desafio
enquanto pais, professores e, principalmente, como pesquisadores no campo da
educação é o de compreender que educamos para liberdade. Essa ação libertadora
precisa ser em primeiro lugar vivenciada e sentida na formação docente de todos
os professores. Lembrando, que a educação que partilhamos não pode produzir
dominação epistemológica e não deve apontar para uma única corrente filosófica
como compreensão do que acontece no cotidiano.
Professores universitários,
alfabetizadores, teólogos, filósofos, pais e toda a sociedade devem aceitar o
fato, de que nem todos vão analisar o mundo sob a mesma perspectiva. Na
diversidade de pensamentos, conceitos e premissas teremos a possibilidade de
fazer uma leitura mais ampla do mundo que nos cerca. O desafio da educação
neste exato momento é o de educar para liberdade, a fim de que o verdadeiro
sentido da “alteridade” seja conjugado nas ações dialógicas, na luta contra os
condicionamentos e na atitude de revisitar os conceitos que foram canonizados
como absolutos.
A minha esperança, como pai,
líder de uma comunidade religiosa, professor e cidadão do mundo, é a de que
meus filhos sejam tratados com dignidade, respeito e sensibilidade, uma vez que
a formação que eles recebem em casa não segue os mesmos parâmetros
admitidos hoje, como verdade no ambiente universitário. Se os seus professores,
e eu como pai, formos sensíveis a isso, começo a acreditar que estamos dando um
passo importante na construção de um mundo melhor.
(*) Emerson Arruda é pastor da
Igreja Presbiteriana Luz & Vida, no Bairro Jardim Rondônia, bacharel em
Teologia, licenciado em Filosofia, psicopedagogo e mestre em Educação.
Fonte: http://www.atribunamt.com.br
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