Sincretismo religioso – Por Dom Murilo S.R. Krieger
Sou a favor do ecumenismo, isto é, do diálogo e da busca da unidade entre as religiões que invocam o Deus
Trino e confessam que Jesus, o Filho de Deus, é Senhor e Salvador. O pedido que
no final de sua vida Jesus fez ao Pai: "Pai, que todos sejam um" (Jo
17,21), nos motiva a buscar a plena comunhão eclesial.
O caminho da unidade dos
cristãos é longo e difícil; nele, cada pequeno passo é um grande passo. Como a
unidade dos cristãos só acontecerá pela ação do Espírito Santo, é importante e
necessário rezar, e muito, nessa intenção.
Sou, também, a favor do diálogo
com as religiões não-cristãs. "A Igreja Católica nada rejeita do que há de
verdadeiro e santo nestas religiões" (Concílio Vaticano II, NAe, 2).
Todos
os povos formam uma só comunidade, por terem uma única origem. As várias
religiões buscam resposta às grandes interrogações sobre a condição humana, por exemplo:
qual o fim da vida? O que é bem e o que é mal? De onde vêm a dor e
o sofrimento? Que sentido eles têm? O que é a morte? Qual o sentido de nossa
existência? etc. Nesse diálogo, a Igreja Católica anuncia Cristo,
apresentando-o como "Caminho, verdade e vida".
Diferente é a minha posição sobre
o sincretismo. Para que fique claro o que quero dizer, começo lembrando as
definições que os dicionários apresentam dessa palavra.
"Sincretismo", para o Houaiss, é "a fusão de diferentes cultos
ou doutrinas religiosas"; para o Aurélio, é "a tendência à unificação
de ideias ou de doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo
inconciliáveis" (Aurélio); já para o Dicionário Etimológico Nova
Fronteira, trata-se do "amálgama de doutrinas ou concepções
diferentes".
Com o sincretismo, ao perder a
própria identidade, todos perdem. Pior: desaparece o diálogo, uma vez que o
profundo conhecimento da própria fé ou da crença que norteia uma pessoa ou um
grupo religioso são a base e o fundamento de todo e qualquer diálogo produtivo.
Quando não há um conhecimento próprio, quando não se tem clareza quanto à
própria identidade, o resultado será mesmo um "amálgama" (=
"mistura de elementos heterogêneos ou diferentes", segundo Houaiss).
Tendo em vista que os cristãos viviam em ambientes onde moravam também pessoas
de outras religiões, o apóstolo Pedro advertia às primeiras comunidades:
"Sabei dar, aos que vos pedirem, a razão da vossa esperança" (1Pe
3,15). Com isso, ele queria dizer que somente um cristão que conhece bem a sua
própria fé é capaz de apresentar e explicar sua visão religiosa aos que pensam
e vivem de forma diferente da sua; somente esse cristão será capaz de um
diálogo maduro com todos os que têm outras religiões ou que não têm religião
alguma.
Vivemos num mundo pluralista. A
globalização aproxima as pessoas, quebra muros de separação e nos ajuda a nos
conhecermos melhor. Independentemente da religião que cada qual pratica, todos
somos chamados a trabalhar por causas que nos unem e dignificam a vida humana, por exemplo: a paz, a justiça, a promoção dos necessitados, a solidariedade
etc.
No mais, devemos nos respeitar mutuamente e saber conviver com o
diferente. Descobriremos, então, que cada religião tem sua doutrina, expressões
próprias de sua fé, tem orações e ritos próprios. Misturar doutrinas, ritos e
celebrações seria a tentativa de unificar o que é inconciliável.
Em síntese: ecumenismo e diálogo
religioso, sim; sincretismo, não. Foi isso que afirmou recentemente o papa
Francisco:
"Um sincretismo conciliador seria, no fundo, um totalitarismo
dos que pretendem conciliar prescindindo de valores que os transcendem e dos
quais não são donos. A verdadeira abertura implica conservar-se firme nas
próprias convicções mais profundas, com uma identidade clara e feliz, mas
disponível para compreender as do outro e sabendo que o diálogo pode enriquecer
a ambos. Não nos serve uma abertura diplomática que diga sim a tudo para evitar
problemas, porque seria um modo de enganar o outro e negar-lhe o bem que se
recebeu como um dom para partilhar com generosidade" (Evangelii Gaudium,
251).
*D. Murilo Krieger, que é arcebispo
de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil
Fonte: http://atarde.uol.com.br
Comentários