MPF/RJ recorre da decisão que não considera os cultos africanos como religião
O Ministério Público Federal no
Rio de Janeiro (MPF/RJ) recorreu da decisão do juiz da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro,
Eugênio Rosa de Araújo, que negou o pedido de retirada de vídeos com
mensagens de intolerância contra religiões afro-brasileiras.
O juiz alegou que
tais crenças “não contêm os traços necessários de uma religião”, que seriam um
texto-base, como o Corão ou a Bíblia, estrutura hierárquica e um Deus a ser
venerado.
Na decisão, Araújo coloca que “as
manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões,
muito menos os vídeos contidos no Google refletem um sistema de crença, são de
mau gosto, mas são manifestações de livre expressão de opinião”.
No recurso, o procurador regional
dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos, argumenta que os 15 vídeos em
questão caracterizam crime de ódio, pois são baseados na “intolerância e na
discriminação por motivos religiosos”, ressaltando que a comunidade internacional “praticamente
chegou ao consenso sobre a necessidade de coibir práticas desse tipo”.
Ela cita a promulgação de
documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966), a Declaração sobre a
Raça e os Preconceitos Raciais (1978) e a Declaração sobre a eliminação de
todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas
convicções (1981).
A Ação Civil Pública
foi proposta a partir de uma representação da Associação Nacional de Mídia
Afro, que apontou vídeos divulgados no Youtube que trariam mensagens que
“associam as referidas religiões à figura do diabo e a tudo de mal que a ele
possa estar ligado, muito embora 'diabo' ou 'demônios' sequer façam parte do
universo das religiões de matrizes africanas”, diz o recurso de Mitropoulos.
No agravo de instrução, o
procurador destaca também que o Ministério Público Federal expediu recomendação
para que a Google Brasil retirasse os vídeos da internet. Mas, segundo ele, a
empresa manteve os vídeos sob o argumento de que “tudo não passa de um fiel
retrato da liberdade religiosa do povo brasileiro”.
Para o presidente da Comissão de
Combate à Intolerância Religiosa (Ccir), Ivanir dos Santos, o juiz Eugênio Rosa
de Araújo não se posicionou na decisão com a neutralidade que requer o cargo.
“Eu acho que o juiz não externou uma posição como juiz, ele externou uma
posição como uma pessoa que tem uma religião, e o estranho é que ele é um
funcionário de um Estado laico. Ele, na verdade, ofende a lei que ele tem que
zelar, o próprio artigo da constituição que fala de discriminação de religião e
preconceito”.
Santos informa que o Ccir fará
uma reunião na próxima semana sobre a questão para, se for o caso, denunciar o
juiz ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Procurado pela Agência Brasil, o
CNJ não comentou a decisão e disse que “é órgão administrativo do Judiciário e
não tem interferência sobre questões judicializadas”.
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