"As mulheres palestinas tomam a frente na batalha" – Por Nana Queiroz
As dores dos palestinos começaram
a me machucar mais fundo desde que conheci Fadi Quran, líder do movimento
não-violento da juventude palestina, com quem tenho a honra de trabalhar.
Vale
dizer que Fadi é uma apaixonado pelo Brasil tanto quanto eu sou pela Palestina.
Quando esteve no Rio de Janeiro, ele se convidou para um churrasco na favela, aqueles originais
mesmo, na laje, e jura que foi uma das melhores coisas que já fez na vida.
Nós tivemos essa conversa que vou
transcrever a seguir não como uma jornalista e seu entrevistado, mas como dois
amigos que caminhavam pelas ruas de Nova York buscando uma cerveja gelada,
hábito que une nossos países tão diferentes.
Mulheres fazem parte de seu
movimento pela libertação da palestina?
Claro! Como poderíamos lutar sem as mulheres? Não teríamos sucesso algum.
Por quê?
Para começar, porque elas são
metade da sociedade. Depois, porque elas têm uma série de qualidades que
geralmente faltam em nós, homens, como inteligência emocional e um senso de
comunicação mais desenvolvido. Elas também têm muito poder. Há uma concepção equivocada
de que as mulheres são frágeis, fracas e ficam de fora do combate. Minha
experiência mostra que, pelo contrário, elas têm mais coragem e persistência do
que os homens.
Pode dar alguns exemplos?
Frequentemente, quando vamos a
protestos, por causa da mentalidade sexista predominante, as forças israelenses
começam atacando os homens. E você tem certeza de que quando eles começarem a
distribuir porrada, todos vão sair correndo. O que acontece, porém, é que as
mulheres tomam a frente da batalha e ficam diante dos homens, como um escudo.
Isso mostra um grau de coragem invejável.
Você é muçulmano, né?
Sim, mas não muito religioso. Na
verdade, nem acredito em religiões enquanto instituições, mas enquanto fé.
No Ocidente, você sabe, existe
essa visão de que o Islamismo é profundamente machista. Você concorda?
Só sei de uma coisa: de judaísmo
a cristianismo, passando por islamismo, todas as religiões têm oprimido as
mulheres. Isso ninguém pode negar. Podemos questionar se eles estão
interpretando corretamente os livros sagrados que seguem, isso sim. E o Islã,
dentre todas as religiões monoteístas, era a que mais respeitava as mulheres em
sua origem. Deu a elas direitos que não existiam em outras religiões, como o
direito ao divórcio, à herança, direito de serem guerreiras e outros. Mas
claro, as interpretações recendentes do Islã têm sido opressoras.
O que provocou essa mudança? Quer
dizer, mesmo com o cristianismo, se você pensar bem, Jesus era um feminista de
seu tempo, se posicionando contra o apedrejamento de mulheres e tudo o mais...
Na vida, infelizmente, tudo se trata de um jogo de poder, até as religiões. Podemos ver o mundo de duas maneiras: como um lugar em que todos podemos colaborar uns com os outros para criar felicidade coletiva ou de uma maneira egoísta, em que sua felicidade é conquistada através da competição. Os homens entraram nessa segunda categoria e começaram a abusar das mulheres, estabelecendo um tipo de escravidão.
Enquanto homem, sabe me explicar
porque vocês fazem isso? Seria insegurança?
Minha análise é a de que nos beneficiamos da opressão feminina, mas nos beneficiaríamos muito mais da equidade. Hoje, criamos uma dependência emocional que nos permite jogar uma carga de trabalho doméstico maior sobre as mulheres. Nós também destruímos a competição. No Oriente Médio, por exemplo, cerca de 60% dos universitários (e aqueles que tiram as melhores notas) são mulheres. Mas, no mercado de trabalho, menos de 15% são mulheres. Isso nos permite ser profissionais medíocres e, ainda assim, ter posições de destaque. Os homens se beneficiam das mulheres da mesma forma que mestres se beneficiavam de seus escravos.
Última pergunta, prometo.
Não, por favor, continue
perguntando! Risos
Seu povo tem sido oprimido por
muito tempo. Você dirigia que as mulheres palestinas são mais oprimidas ou
estão todos dentro do mesmo saco?
As mulheres são mais oprimidas. Todas as situações de conflito criam uma dinâmica de dois níveis de opressão. A ocupação israelense oprime os palestinos e afeta de maneira dura suas vidas cotidianas, nisso as palestinas sofrem como os homens, sendo presas, abusadas e torturadas, perdendo suas casas. Mas não é só isso. Em algumas circunstâncias, quando o homem é oprimido por muito tempo, ele desconta isso nas mulheres, porque elas são mais vulneráveis, criando um ciclo de opressão. Mas eu acredito que as mulheres palestinas têm toda a força necessária para mudar essa situação. Uma opressão deste nível também cria um alto grau de persistência e coragem. No fim, isso as fez mais fortes em tantas maneiras...
O que você sonharia para o futuro
de sua filha na Palestina?
A coisa mais profunda que eu
desejo é que ela consiga desenvolver seu potencial e se conhecer de verdade. Eu
queria apenas olhar para ela e ver uma pessoa livre.
Naquela noite, Fadi e eu rimos
das desgraças que passou: suas histórias de prisões e a vez em que encheram seu
traseiro de balas viraram piadas. Hoje, estou no Brasil de coração apertadinho
com o noticiário e ele de volta em sua amada Palestina, cheio de tristeza, mas
sem perder a esperança de construir o mundo que sonhou para sua filhinha.
Fonte: http://www.brasilpost.com.br
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