Um artista de múltiplos talentos – Por Rita de Cássia Cornélio

Frei Pedro Pinheiro, de Agudos, produz verdadeiras obras de arte utilizando lixo e sucata.

 “A arte está acima da religião. Ela é uma religião verdadeira, mais que uma religião. Não tem idioma específico, tem idioma próprio, fala todas as línguas. O processo de criação está ligado ao processo de criação do próprio Criador. O Criador é o primeiro artista. Como somos a imagem e semelhança Dele, obviamente que somos artistas e tocados na pele por Deus, na medida que fazemos arte. Quando desencadeamos o processo de fazer arte, estamos em oração, numa metáfora.”

O raciocínio é do frei Pedro Pinheiro da Silva, 64 anos, um artista autodidata que chegou de Bragança Paulista e está no Seminário Santo Antônio, em Agudos (13 quilômetros de Bauru), onde guarda verdadeiras obras de arte feitas por ele utilizando lixo e sucata. E que impressionam pela beleza, originalidade, acabamento e perfeição dos traços, ressaltando seus indiscutíveis talento e dom, por que não dizer, divinos?

Com sensibilidade a flor da pele e retórica recheada de conteúdo, o religioso é daquelas pessoas que quando a gente começa a conversar, não quer parar mais. Inteligente e crítico, ele descobriu que não há separação entre a arte e a religião.

“Achava que ia largar absolutamente tudo, inclusive essa atividade da arte quando entrei para o convento. Mas percebi que a arte passa por toda e qualquer circunstância da vida. Na vida religiosa, ela faz mais sentido ainda. Se você  for verificar a história da arte, ela não pode ser contada sem contar a história da Igreja. No mesmo viés, não é paralela, é dentro. O mesmo viés que se conta a história da humanidade se conta da Igreja e a história da arte por conseguinte. Não tem como separar  a arte da vida.”

O frei frisa ser óbvio que a arte tem suas nuances dentro da história da humanidade. “Com relação à história da Igreja especificamente, a arte desempenha o papel extremamente importante. Porque de alguma maneira você está gerando vida, significado, essência. No Gênesis há um relato: Deus criou o mundo do nada, do caos. Criou por amor. Esse relato é bastante significativo e revela que a arte é uma coisa extremamente importante na vida da gente.”

Assim como os pais amam seus filhos, o frei confessa que ama suas obras. “Não faço única e exclusivamente uma peça para ser bonita ou para decorar. Ela tem de ter sentido, cada obra é resultado de uma reflexão profunda. Acredito naquilo que estou fazendo, tenho paixão por aquilo que faço. No mundo de hoje, pragmático, objetivo, a arte nem sempre encontra seu espaço adequado.”

Ele confessa que a religião e a arte se fundem dentro dele. “Se você me perguntar se sou mais artista ou mais religioso, eu não sei responder. É a mesma coisa. Não fosse desse modo, acho que não teria permanecido artista.  Com muita frequência as pessoas me perguntam quanto tempo levo para fazer um trabalho. Isso é tão irrelevante porque a arte de fato te traz para um momento em que o tempo não significa nada. O que significa é o resultado é o processo como tal. É o teu mergulho dentro da obra, seja ela literária ou outra.”

O lixo de cada um

O ser humano produz muito lixo e é responsabilidade dele arrumar uma solução, assim pensa o frei/artista. A proposta é que as pessoas, para tomarem consciência, guardem todo lixo reciclável em seu quarto, porque é um espaço pessoal dela. E acumula lixo em seu interior também. O rancor, a inveja, a ganância e o orgulho são lixos. O que você faz com esse lixo? 

“Pode ser transformado em atitude amorosa, desprendida. Aos poucos você vai limpando o teu planeta individual.”  

Para usar lixo e fazer arte, o frei usa uma ferramenta que exala calor e transforma garrafas pets, plásticos e outras embalagens em obras de arte. “Faço peças sem rostos para dizer que o indivíduo contemporâneo está perdendo valores, características, está derretendo como o plástico.”

Quem é o frei

Frei Pedro Pinheiro da Silva é português, de Batalha-Leiria. Veio para o Brasil com seis anos. Foi funcionário da Petrobrás, mas depois sentiu-se chamado a ser franciscano. É culto, inteligente e antenado para o universo da arte. Artista plástico, é escultor que trabalha com vários tipos de materiais e também é conhecido nacionalmente e no exterior. Atuou na Universidade Franciscana de Bragança Paulista como professor e fazendo oficinas.

Escrito nas estrelas

Com apenas cinco anos de idade, o então Pedro Pinheiro, que nem sonhava ser frei, começou a desenhar estrelas por uma circunstância vivida em família. 

“Meu pai sofreu um acidente e minha avó veio para casa cuidar dele. Nós éramos em quatro filhos e para eu me distrair, ela copiou uma estrela de Davi de um rótulo de cerveja em um papel de pão. Eram dois triângulos e eu comecei a desenhar a estrela nas paredes, com telhas, carvão. Em pouco tempo estava uma constelação.”


A facilidade no desenho da estrela fez com que o então menino percebesse que poderia fazer outras descrições. 

“A fantasia da criança é bastante ampla. Eu me divertia. Pouco antes de minha mãe morrer, em 2000, perguntei-lhe porque ela nunca tinha dado bronca pelo fato de eu desenhar nas paredes. A resposta ainda ronda a minha cabeça. Ela respondeu: Filho tu gostavas. Eu fiquei emocionado pelo respeito e reconhecimento que ela tinha pela arte, apesar de nem assinar o nome.” 

Aos 18 anos, descobriu a pintura. Nessa época foi buscar conhecimentos no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Na sequência fez oficina de jóias, pesquisou metais. E, quando fazia um afresco em Rodeio (SC), recebeu de um frade dois sacos de argila branca. 

“A argila tinha plasticidade incrível. Ele falou para eu fazer arte e respondi que não fazia escultura. Ele disse: Porque você não faz esculturas? Passei aquela noite no sótão do convento e fiz meu primeiro presépio.”



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