Por que Hitler odiava os judeus? – Por Marta Francisca Topel*
O antissemitismo tem raízes
religiosas milenares
Para compreender o antissemitismo,
é fundamental diferenciá-lo do antijudaísmo.
O antijudaísmo é o ódio à religião
judaica como ideologia ou visão de mundo, enquanto o antissemitismo é o ódio
aos judeus como nação.
Entretanto, aqueles que professam o antijudaísmo acabam
sendo antissemitas, uma vez que partem do pressuposto de que a religião judaica
contaminou a nação que segue seus preceitos.
Por sua vez, o antissemitismo
desemboca no antijudaísmo, ao sustentar-se na premissa de que só uma nação
racialmente inferior pôde ter criado uma religião tida como a religião do Mal.
Na Antiguidade, seitas esotéricas
conceberam a religião judaica como a religião do demônio e viam os judeus como
os agentes na propagação dessa religião do pecado. Essa cosmovisão foi resultado
de uma crença dualista, isto é, em dois poderes criadores do universo: o Bem e
o Mal, identificando os judeus com o Mal, o que os colocou no papel do mal
cósmico e os viu como instrumento do demônio.
Todavia, o momento histórico no
qual se entrelaçam pela primeira vez e de forma radical antijudaísmo e antissemitismo
é na consolidação da visão paulina.
Para o apóstolo Paulo, a revelação da Torá
é uma revelação temporária, e aqueles que continuam no caminho da Torá após a
chegada de Cristo são traidores. Segundo esse raciocínio, os judeus, ao
rejeitarem Cristo como Messias e ao assassiná-lo, transformaram-se em agentes
do Mal, no povo deicida.
Ao longo de toda a Idade Média,
essa ideia foi desenvolvida e materializada pela Igreja católica. É de se destacar
os cânones adotados no Concílio de Latrão (1215) que confirmavam a condenação
dos judeus à servidão perpétua, proibiam sua integração na sociedade com o
objetivo de impedir a contaminação dos cristãos, obrigavam o uso de signos de
diferenciação nas vestes, impediam o acesso dos judeus aos cargos
administrativos e os excluíam completamente da agricultura e das corporações.
Essas medidas enraizaram na população um ódio milenar baseado numa ideologia
demonizadora que culpou os judeus e o judaísmo pela morte de Cristo.
O termo antissemitismo foi criado
no século 19, quando as teorias religiosas que acusavam os judeus de deicídio
ficaram caducas. Nesse momento, a partir de uma leitura tergiversada das
teorias ligadas ao darwinismo social, o motivo para perseguir os judeus começou
a ancorar-se em pressupostos biológicos.
Assim, para Hitler, existiam três
raças: as “fundadoras” ou superiores, representadas pelos povos germânicos, as
“depositárias”, pelos povos eslavos, e as “destruidoras” ou inferiores, que tinham
nos judeus o exemplo paradigmático.
Obcecado com o ideal de pureza racial,
Hitler compreendeu a História como uma permanente luta entre as diferentes
raças, na qual a raça superior devia utilizar todos os meios necessários para
manter sua pureza.
A essa visão histórica foi acrescentado o mito da
“conspiração judaica mundial”, fortemente difundido em toda a Europa que, entre
outras falácias, divulgou a ideia do poder econômico do povo judeu e do seu
monopólio dos meios de comunicação.
Os judeus foram transformados no bode
expiatório e culpados de todos os males pelos quais atravessava a Alemanha,
fazendo com que sua eliminação se tornasse um imperativo de Estado.
Muitos ignoram que os campos de
extermínio não estavam na Alemanha, mas na Europa do leste. Isso visava poupar
os alemães do “trabalho sujo” e permitia aos poloneses, ucranianos e lituanos,
acérrimos antissemitas de longa data, colaborar ativamente com o ideal nazista
de aniquilação total dos judeus.
Nas cidades polonesas de Jedwabne, Radzilow,
Wasosz e Stawinski, por exemplo, os moradores assassinaram milhares de judeus,
sem nenhuma imposição dos alemães. Se algum episódio exemplifica o enraizado antissemitismo
polonês, ele é a matança de judeus depois de finalizada a guerra.
O pogrom de
Kielce (1946), um entre muitos, permanecerá na história polonesa como um dos
maiores atos de covardia coletiva, no qual 42 sobreviventes do Holocausto foram
assassinados pelos vizinhos. Por quê? Medo destes de ter de devolver, a seus
donos judeus, as casas que haviam ocupado ilegalmente.
*Antropóloga e pesquisadora do
Programa de Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas da Universidade de
São Paulo (USP)
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