Choque de civilizações ou choque de ignorâncias? – Por José Carlos Janela
Na sequência dos atentados contra
o semanário satírico “Charlie-Hebdo”, contra o supermercado “casher” na Porte
de Vincennes e ainda da grande Marcha Republicana muitas são as vozes que se
têm feito ouvir.
Entre estas avulta a de Claude Dagens, membro da Academia
Francesa, “Agrégé” de Letras e Bispo de Angoulême.
Entrevistado pelo semanário “La
Vie” (n° 3620, de 15 a 20 de Janeiro de 2015, p. 29) declara que o primeiro
sentimento provocado pelos atentados é o horror e logo a seguir, o medo, medo
esse que traz a divisão entre os Seres Humanos, dando-lhes a impressão que são
inimigos uns dos outros, sobretudo entre Judeus e Muçulmanos. E continua
sublinhando a necessidade de cultivar a confiança entre as pessoas.
Para isso,
diz textualmente:
“É preciso recusar a ideia de uma
guerra de civilizações […] porque não se trata de um choque de civilizações mas
de um choque de ignorâncias. […] A perversão terrorista, diz, não é uma deriva
da religião, é um projecto de destruição. […] O terrorismo é uma perversão da
própria guerra, porque mata pessoas sem defesa. Estamos perante o horror do
mal, o nihilismo mais radical, muito embora, travestido de formas místicas”.
O mesmo periódico (n° 3621, de 22 a 28 de Janeiro de 2015, p. 25) entrevista esta semana Malek Chebel, antropólogo das religiões e autor de: “L’Inconscient de l’Islam”, CNRS Éditions.
Este especialista traz-nos alguma
informação histórica sobre a representação da figura de Maomet. Passamos a
transcrever, traduzindo.
“Não há nada no Corão nem nos
hadiths (as palavras de Maomet) que proíba a representação da figura do
Profeta. Os Muçulmanos foram influenciados, neste ponto, pelo conflito
iconoclasta no Mundo Bizantino, nos sécs. VIII–IX quando rebentou a guerra
entre cristãos: uns favoráveis à representação de Deus e dos Santos e outros a
ela contrários. A questão fundamental, entre os Bizantinos, era a da idolatria.
Ora, o Corão menciona a proibição da idolatria”.
E esta não é sinónimo da
representação de imagens, acrescentaremos.
À pergunta: “Mas o Islão permite o humor sobre o Profeta?”, Malek Chebel responde textualmente:
À pergunta: “Mas o Islão permite o humor sobre o Profeta?”, Malek Chebel responde textualmente:
“A decisão, o humor sobre o Profeta é uma problemática contemporânea. Maomet foi ridicularizado ainda em vida. A sua mensagem era escarnecida pelos seus detractores. Hoje é difícil fazer humor sobre a religião. Os fundamentalistas levantaram ao máximo a fasquia da intolerância. Até aos finais do séc. XIX, o humor religioso era frequente, no Império Otomano: o alvo [das ironias] eram os imãs e a hierarquia religiosa. Com a queda do Império, em 1923 e o fim de uma autoridade central, cada tendência fez a sua própria interpretação [do Corão]. E os fundamentalistas levaram a melhor”.
O entrevistado conclui desta
forma:
“Para mim, todo o Islão político
se situa fora do campo do sagrado. O Islão proíbe o suicídio. A morte de outrem
só é admitida em caso de legítima defesa. Estas pessoas usam a noção de sagrado
para atingir os seus fins. Utilizam o vocabulário religioso […] para dar uma
coerência aparente, às acções mortíferas que levam a cabo. É um caso de
poluição da religião pela política e pela ideologia”.
Conhecer o Outro é fundamental.
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