Entre o amor e o ódio, Deus e o conhecimento. A complexa história jesuítica
"É impressionante que, ao
longo dos séculos, até o presente, os jesuítas foram criticados e, por vezes,
temidos e odiados, pelas mesmas razões”, argumenta o pesquisador.
Alvo de amor e ódio, dentro e
fora da Igreja, a história jesuítica ultrapassa os 450 anos, cujo primeiro
capítulo foi escrito por Inácio de Loyola e o mais atual pelo Papa
Francisco, o primeiro integrante da ordem eleito Bispo de Roma.
"Os jesuítas atraem críticas desde seus primeiros anos. Naqueles anos, eram principalmente por dois motivos: em primeiro lugar, ao contrário das ordens mais antigas, eles estavam centralizados em Roma, e os membros de suas comunidades podiam vir de várias nações. Isso fez com que parecessem estrangeiros, de fato, estrangeiros indesejáveis”, explica o professor doutor, pesquisador e teólogo John W. O’Malley, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
"Eles não aparentavam ser
‘verdadeiros’ membros de uma ordem religiosa. Eles não usavam um hábito
distintivo; eles mantinham seus nomes de família; e, mais importante, eles não
recitavam ou cantavam o Ofício Divino em coro, que até o século XVI era considerado
quase como a definição da vida religiosa”, complementa.
Autor de diversas obras, O’Malley
lançou em novembro de 2014 o livro chamado: The Jesuits: A History From Ignatius
to the Present [Os jesuítas: uma história de Inácio até o presente]
(Pennsylvania: Rowman & Littlefield Publishers, 2014).
A obra abrange a história
da Companhia de Jesus desde a sua fundação em 1540 até os dias atuais.
"Talvez a mais nova intuição
que o livro apresenta é a divisão da história da Companhia em um prelúdio e
quatro momentos fundadores”, descreve, sustentando que além da fundação em
1540, houve outros momentos de ressurgimento como a restauração da Companhia em
1814, o Concílio Vaticano II na década de 1960 e, também, a 31ª
Congregação Geral.
"O Concílio Vaticano II
(1962-1965) foi um evento complexo, mas um de seus aspectos foi a reconciliação
com o mundo moderno, uma virada de consciência que afetou profundamente a
Companhia de Jesus. Os jesuítas reuniram-se para a 31ª Congregação Geral assim
que o Concílio foi concluído, e, uma década depois, seguiu-se a 32ª. Esses dois
encontros fizeram para a Companhia o que o Vaticano II fez para a Igreja”,
defende.
Considerado um dos historiadores
da Igreja mais respeitado e reconhecido dos Estados Unidos, John W. O’Malley é
doutor em História pela Universidade de Harvard.
Atualmente é professor de
Teologia da Georgetown University, de Washington (EUA). É membro da Fundação
Guggenheim, da Academia Norte-Americana de Artes e Ciências e da Sociedade
Filosófica Norte-Americana.
Especialista em Concílios, com especial atenção ao
Concílio de Trento e ao Concílio Vaticano II, é autor de The Jesuits: A History
From Ignatius to the Present (Pennsylvania: Rowman & Littlefield
Publishers, 2014), What happened at Vatican II [O que aconteceu no
Vaticano II] (Cambridge, MA: Harvard University Press/Belknap. Press, 2008) e A
history of the Popes [Uma história dos Papas] (Lanham, MD: Sheed and Ward,
2006).
John O’Malley participará do Colóquio
Internacional IHU:
"O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no
contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da
contemporaneidade"
Promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos, IHU,
apresentando a conferência de abertura do evento intitulada:
Concílio
Vaticano II: Crise, Resolução, Conclusão
No dia 19 de maio de 2015, às 9
horas, na Unisinos, em São Leopoldo.
Confira a entrevista:
IHU On-Line - Como o senhor
descreve a Companhia de Jesus? Em que aspectos seus carismas se
diferenciam de outras ordens religiosas?
John O’Malley – Eu creio que
a melhor maneira de descrever a Companhia é utilizando a expressão que tantas
vezes estava nos lábios do próprio Santo Inácio. Em sua correspondência aos
jesuítas de todo o mundo, ele os exortava a "ajudar as almas". Por
alma ele queria dizer a pessoa como um todo, corpo e espírito. Eu sei que essa
descrição é tão genérica que pode ser aplicada a muitas organizações, mas eu
acredito que ainda seja o ponto de partida para a compreensão de como os
jesuítas se desenvolveram. Ela tem a grande vantagem de classificar
radicalmente as antigas descrições padrões dos jesuítas como a "tropa de
choque da Contrarreforma".
Cada ordem religiosa tem
particularidades que as diferenciam das outras. Em vez de nos concentrarmos nas
diferenças entre elas, precisamos, acima de tudo, nos lembrar do que elas têm
em comum, que é o mais fundamental. Isso se aplica à Companhia de Jesus,
que é uma ordem religiosa aprovada pela Santa Sé para fazer o ministério na
Igreja Católica. Como os membros de outras ordens, os jesuítas fazem os três
votos tradicionais de pobreza, castidade e obediência. Seus membros geralmente
vivem em comunidade. Nesse aspecto, a Companhia de Jesus tem o mesmo carisma de
muitas outras ordens.
No entanto, há uma série de
características que definem os jesuítas de forma separada dos outros. Neste
momento, vou mencionar apenas cinco. Em primeiro lugar, eles têm os Exercícios
Espirituais de Santo Inácio como sua herança especial. Embora Inácio tenha
composto os Exercícios para as pessoas em todos os estados de vida, ele
incorporou a sua utilização no próprio tecido da instituição, prescrevendo que
os novatos devem fazê-los em sua totalidade de 30 dias quando entram na
Companhia. Nenhuma outra ordem tinha nada parecido com esse livro para levar
seus membros a uma devoção mais sincera ao Senhor e a um compromisso com o
ministério.
Constituições Jesuítas
A segunda característica são as
Constituições Jesuítas, compostas por Inácio e seu brilhante secretário, Juan
Alfonso de Polanco. Ao contrário dos documentos correlatos de outras ordens,
que foram feitos por portarias e normas individuais, as Constituições Jesuítas
têm uma unidade literária, com começo, meio e fim, que orientam o jesuíta desde
seus dias como noviço até a profissão perpétua. As Constituições criam normas
gerais em vez de prescrições rígidas e estão cheias de "cláusulas de
exceção", tais como "de acordo com os tempos, lugares e
circunstâncias". Assim, elas combinam firmeza de objetivos com flexibilidade
na maneira de executá-las.
Formação intelectual
Em terceiro lugar, os dez
fundadores da ordem, com Inácio como seu líder, todos obtiveram o prestigiado
mestrado da Universidade de Parisantes de fundar a ordem. Nenhum outro grupo
tinha uma tal concentração de prestígio acadêmico em seu momento fundacional. O
século XVI foi notável, tanto que católicos quanto protestantes se envolveram
em campanhas para garantir que suas Igrejas tivessem um "clero
educado". Os diplomas que os dez fundadores possuíam não eram, portanto,
apenas uma questão de honra. Esses dez homens estavam determinados a que os
recrutas à ordem tivessem uma formação intelectual comparável a sua própria, e
eles previram isso nas Constituições.
Em quarto lugar, o compromisso
inicial dos jesuítas de manter escolas para estudantes leigos enriqueceu esse
compromisso com a aprendizagem, dando-lhes um componente secular que era algo
novo para uma ordem religiosa. Embora os jesuítas ensinassem assuntos clericais
para outros clérigos, eles, mais caracteristicamente, ensinavam assuntos
seculares para estudantes seculares. Os jesuítas tornaram-se poetas,
dramaturgos, botânicos, astrônomos, e assim por diante. Eles tinham um pé na
Igreja e outro no mundo secular. Em outras palavras, o ministério da educação
foi um ministério que afetou o próprio carisma da Companhia.
Ordem missionária
Finalmente, os jesuítas foram
fundados como fundamentalmente uma ordem missionária. Eles não foram, é claro,
a primeira, mas a esse respeito tiveram várias características especiais. Os
jesuítas eram exortados, e mesmo obrigados, a trocar correspondência frequente
com seus superiores e uns com os outros. Assim, os missionários realimentavam
informações que seus irmãos na Europa utilizavam nas salas de aula e nos livros
que publicavam. Assim, eles contribuíam para o desenvolvimento e a difusão de
conhecimento. Ao contrário de outras ordens, além disso, era o superior-geral,
e não as autoridades locais, que enviavam jesuítas para o exterior. Isso
significava que os jesuítas daItália, Alemanha e outros lugares que não tinham
impérios ultramarinos poderiam se tornar missionários. Em muitas missões
jesuítas, por isso, o pessoal foi amplamente internacional, o que ajudou as
missões a serem menos nacionalistas e, em alguns casos, mais imaginativas na prática
da evangelização.
IHU On-Line - Quais são as
principais características dos jesuítas? Por que o senhor considera que talvez
essa seja, entre as ordens religiosas, a mais polêmica?
John O’Malley – Acho que já
respondi essa primeira pergunta, e tenho as bases para, em parte, dar resposta
à segunda. Os jesuítas atraem críticas desde seus primeiros anos. Naqueles
anos, eram principalmente por dois motivos: em primeiro lugar, ao contrário das
ordens mais antigas, eles estavam centralizados em Roma, e, como já referi, os
membros de suas comunidades podiam vir de várias nações. Isso fez com que
parecessem estrangeiros — de fato, estrangeiros indesejáveis.
Em segundo lugar, eles não
aparentavam ser "verdadeiros” membros de uma ordem religiosa. Eles não
usavam um hábito distintivo; eles mantinham seus nomes de família; e, mais
importante, eles não recitavam ou cantavam o Ofício Divino em coro, que até o
século XVI era considerado quase como a definição da vida religiosa. Foi uma
combinação desses dois fatores que levou, em 1554, por exemplo, à condenação
solene da Companhia pela Faculdade de Teologia da Universidade de Paris, como
"um perigo para a fé, um distúrbio da paz da Igreja, destrutivo da vida
religiosa e destinado a causar estragos em vez de edificação”.
Confessores
À medida que os anos passaram, os
jesuítas continuaram sob suspeita porque regularmente se tornaram confessores
dos poderosos da sociedade e até mesmo dos monarcas reinantes. Os jesuítas
foram "confessores de reis". Durante aGuerra dos Trinta Anos (1618-1648),
por exemplo, os jesuítas foram confessores do imperador do Sacro Império
Romano, duque de Baviera, rei da Espanha, por um lado, e do rei da França, por
outro. Eram, portanto, suspeitos de estar se intrometendo na política e
conspirando para dominar o mundo!
O seu envolvimento na cultura
secular — sacerdotes que produzem peças de teatro, padres que escrevem poesia,
padres que chefiam observatórios astronômicos e operam farmácias — deu-lhes a
reputação de serem mundanos, de conhecer Cícero melhor do que a
Bíblia. A flexibilidade dada a seu ministério ordenado em suas Constituições
lhes fazia parecer oportunistas e conciliadores. Quando, mais tarde, adotaram o
Probabilismo como a sua modalidade preferida de raciocínio moral e começaram a
aplicá-lo no confessionário, os seus inimigos começaram a vê-los como relapsos
ao cumprir a lei moral e curvando-se aos pecados de seus penitentes.
É impressionante que, ao longo
dos séculos, até o presente, os jesuítas foram criticados — e, por vezes,
temidos e odiados — pelas mesmas razões. "Eles são mundanos. Eles são
negligentes em seu ensino moral. Eles são um corpo estranho. Eles comprometem a
fé por querer se adaptar ‘aos tempos’. Eles não são ‘verdadeiros católicos’.”
Tal como acontece com todas as minhas respostas nesta entrevista, muito mais
poderia ser dito, mas esses são alguns dos pontos principais.
IHU On-Line - O senhor comentou,
recentemente, que, para os jesuítas, a sua obra "será uma reciclagem e
possivelmente dará uma nova perspectiva das coisas”. Em que aspectos a obra
pode ser considerada uma reciclagem sobre a história dos jesuítas e que novas
perspectivas ela apresenta?
John O’Malley – Em um livro
tão curto como esse, tudo o que eu podia fazer, obviamente, era ressaltar os
destaques da história dos jesuítas que se estende por mais de 450 anos. Como eu
disse no livro, estou tocando somente a superfície. Há muitas, muitas
desvantagens em uma avaliação tão rápida. Mas há uma grande vantagem. Ela
fornece uma visão dos jesuítas a partir de uma alta altitude. Embora as
particularidades possam ficar desfocadas, as grandes montanhas e os vales são
claros. É essa visão que eu queria dar. Ao fazê-la, tentei levar em conta a
recente efusão de excelentes estudos sobre os jesuítas. Eu não sei de nenhum
outro livro que tenha feito exatamente isso.
Usando os novos estudos, fui
capaz de fornecer um panorama dos muitos projetos em que os jesuítas estiveram
envolvidos — de sua enorme dedicação às escolas, aos seus empreendimentos
inovadores nas missões estrangeiras. Eu consegui, em relativamente poucas
palavras, contar a complicada história de como os jesuítas foram reprimidos por
um papa e de volta à vida por outro.
Mas, talvez, a mais nova intuição
que o livro apresenta é a divisão da história da Companhia em um prelúdio e
quatro momentos fundadores. Nós aprendemos nos livros de história que os
jesuítas foram fundados em 1540, quando receberam a aprovação papal para a sua
nova ordem. Isso, claro, é a fundação fundamental. Mas, para indicar a
profundidade de algumas das mudanças que a Companhia sofreu depois disso, eu
cito mais três fundações: por volta de 1550, quando os jesuítas se
comprometeram incondicionalmente com a educação, um compromisso que, como
mencionado, transformou a própria cultura da Companhia de Jesus.
A terceira fundação ocorreu em
1814, quando o Papa Pio VII restaurou a Companhia à vida após a sua
supressão ocorrida 40 anos antes. A Companhia nasceu em uma cultura totalmente
nova, que teve repercussões enormes sobre a própria Companhia. Em seguida, por
volta de 1965, a Companhia tomou outro rumo significativo sob a influência do Concílio
Vaticano II e outros fatores relativos ao mundo contemporâneo.
IHU On-Line - O que mudou na
Companhia após a supressão e, consequentemente, após a restauração? Houve uma
mudança de direção na atuação dos jesuítas no mundo?
John O’Malley – Continuidade
e descontinuidade! Esses são os dois polos que os historiadores precisam levar
em conta constantemente. O que é notável sobre a Companhia de Jesus é que,
apesar de todas as mudanças, ela é uma entidade que está claramente em
continuidade com as suas origens. No entanto, tem havido grandes mudanças, como
referi na resposta à pergunta anterior. Um importante ponto de virada foi a
restauração de 1814.
Em 1814, Napoleão tinha sido
derrotado, e o Congresso de Viena estava em sessão tentando fazer o
relógio político voltar ao que era antes da Revolução Francesa, que
essencialmente significava colocar os monarcas de volta a seus tronos. Para os
católicos, a Revolução Francesa, que teve grandes repercussões em outros países
além da França, foi uma catástrofe. Na França, a Revolução foi furiosamente
anticatólica. Ela destruiu as igrejas, padres e freiras foram expulsos, e ela
tentou limpar todos os vestígios do cristianismo da face do país. Para muitos
católicos, "liberdade, igualdade e fraternidade" era a receita para a
carnificina e o caos.
De um modo geral, os jovens que
entraram na Companhia de Jesus restaurada compartilhavam esses sentimentos, o
que fez com que a Companhia se tornasse uma grande força dentro do catolicismo
ao se opor ao "mundo moderno". À medida que a cena política europeia
movia-se entre governos monárquicos e republicanos, os jesuítas
consistentemente colocavam-se do lado dos monarcas, o que fez com que eles
fossem regularmente expulsos de país em país, incluindo a América Latina.
A situação começou a mudar
notavelmente com a Primeira Guerra Mundial, que nas trincheiras uniu pessoas de
diferentes ideologias e que levou a um abrandamento de posições anteriores
intransigentes de todos os lados. Na década de 1950, após a Segunda Guerra Mundial,
veio o surgimento de uma "democracia cristã", cujos líderes eram de
fato católicos devotos. Pouco a pouco, a sociedade católica e também os
jesuítas reconciliaram-se com o "mundo moderno", o qual foi perdendo
um pouco do seu anticatolicismo intransigente.
O Concílio Vaticano II (1962-1965)
foi um evento complexo, mas um de seus aspectos foi a reconciliação com o mundo
moderno, uma virada de consciência que afetou profundamente a Companhia de
Jesus. Os jesuítas reuniram-se para a 31ª Congregação Geral assim que
o Concílio foi concluído, e, uma década depois, seguiu-se a 32ª. Esses dois
encontros fizeram para a Companhia o que o Vaticano II fez para a Igreja.
Para os jesuítas, um aspecto
crucial desse fenômeno foi um novo estímulo para a ação em nome dos oprimidos.
A última Congregação no seu Decreto Quatro compromete a Companhia em todas as
suas obras para a "promoção da justiça". Embora essa preocupação com
os oprimidos tenha suas raízes profundas na tradição dos jesuítas, ela tomou
uma nova urgência e uma nova conceituação após as duas congregações. Um dos
resultados mais impressionantes dessa preocupação foi a fundação do Serviço
Jesuíta aos Refugiados, que atende anualmente alguns milhões de refugiados.
IHU On-Line - Quais foram os
jesuítas mais significativos da história? Por quais razões?
John O’Malley – É claro que
a lista deve começar com Santo Inácio. Ele fundou a Companhia, que se tornou
uma das ordens mais influentes da Igreja. Em seguida, ele foi o autor dos
Exercícios Espirituais (São Paulo: Edições Loyola, 2002), um livro diferente de
qualquer outro antes dele. Devo acrescentar que, ao confiar a Companhia ao
ministério da educação formal, ele ajudou a criar um dos mais impressionantes
empreendimentos da Igreja católica moderna. Estou falando do fato de ele ter
sido um catalisador para outras ordens e congregações, masculinas e femininas,
que seguiram o exemplo jesuíta e comprometeram-se com a educação. O resultado
foi uma nova era na evangelização católica em que a escolarização formal foi
parte integrante quase de forma global.
Então, naturalmente, vem São
Francisco Xavier, que eletrizou a Europa com suas cartas do Oriente e se tornou
o mais famoso missionário na história da Igreja Católica. Ele fez com que o
"ir para as Índias", como era a expressão do século XVI, parecesse
atraente e significativo para as gerações de jovens católicos. Um dos mais
impressionantes e importantes missionários jesuítas foi, naturalmente, o
próprio José de Anchieta, que deixou uma marca quase indelével na
sociedade brasileira.
São Pedro Canísio, outro membro
dessa notável primeira geração, pode ser classificado como um dos jesuítas mais
importantes na história. Ele passou quase toda a sua vida jesuíta trabalhando
no Sacro Império Romano na época da Reforma. Ele escreveu o catecismo católico
mais importante a ser utilizado por lá e conseguiu fundar 18 escolas jesuítas.
Da segunda metade do século XVI "em terras alemãs", ele é sem dúvida
a figura católica individual mais importante.
Matteo Ricci é outro
missionário que deve ser mencionado. Embora ele tenha sido pouco conhecido até
as últimas décadas, tem sido visto como um pioneiro na inculturação e um modelo
de como dialogar com outras culturas e religiões, como fez na China imperial no
início do século XVII. Claro, ele não está sozinho, como resulta dos exemplos
de Roberto De Nobili e de São João de Britto, na Índia.
Eu vou adiante e cito teólogos
como Francisco Suarez, Roberto Belarmino e muitos outros jesuítas
importantes do passado para me aproximar até o presente. A esse respeito, o
americano John Courtney Murray é certamente importante por causa de seu
papel crucial ao moldar o decreto sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano
II,Dignitatis humanae. Então, devo mencionar Pedro Arrupe, superior-geral
da Companhia durante os anos difíceis depois do Vaticano II. Ele não é somente
apreciado dentro da Companhia por sua sábia governança, mas também reverenciado
por sua santidade de vida.
IHU On-Line - Quais são as áreas
de atuação em que os jesuítas tiveram maior sucesso?
John O’Malley – Para mim,
eles fazem — e fizeram — isso de muitas maneiras. Eles publicam revistas para
todos os níveis socioeconômicos da sociedade. Eles publicam livros sobre quase
todos os assuntos imagináveis. E é claro que no início estabeleceram a maior
rede de escolas que o mundo já viu. A Companhia, após sua restauração em 1814,
da mesma forma, estabeleceu uma grande rede, desde escolas primárias até
diferentes tipos de escolas de nível superior.
Paradoxalmente, eles foram
bem-sucedidos em alguns de seus fracassos. Eu falo das missões japonesas e
chinesas no período moderno. Suas tentativas de acomodação cultural e religiosa
foram condenadas pelo papado em um certo ponto e quase foram banidas da
memória. Mas, nos últimos tempos, têm sido ressuscitadas como modelos dignos de
respeito e até mesmo de imitação.
IHU On-Line - Como os jesuítas
contribuíram, ao longo de sua história, com temas de vanguarda? É possível
destacar em quais pontos, temas, os jesuítas foram vanguarda ao longo da
trajetória da Companhia?
John O’Malley – Outros podem
ser capazes de responder a essa pergunta melhor do que eu. O exemplo mais óbvio
que eu posso pensar, que já mencionei, seria Murray com relação à liberdade
religiosa. No entanto, eu gostaria de mencionar outra coisa, não é exatamente
uma "questão de ponta”, mas uma verdadeira inovação na piedade católica.
Refiro-me à mudança de Santo Inácio em Manresa, de uma vida de austeridade e
penitências severas para uma vida de moderação e de cuidados com o corpo. Nós,
hoje, consideramos a sua mudança como certa e a colocamos em prática em nossas
vidas.
Mas devemos lembrar que, na
época, ela marcou uma mudança dramática no ideal de santidade cristã. Os
grandes santos foram os que mais torturaram seus corpos. São Carlos Borromeu,
um contemporâneo mais jovem de Inácio, fez o mesmo com o seu corpo e morreu
antes que ele completasse 50 anos de idade. Inácio, no entanto, aconselhou os
jesuítas a terem moderação com suas penitências e insistiu nas Constituições
para que houvesse um cuidado adequado da saúde. Ele queria que as casas [dos
jesuítas] das cidades grandes tivessem uma moradia no campo onde eles pudessem
ir para relaxar e descansar. A villa! Recomendado por um santo! Isso foi uma
revolução.
IHU On-Line - Antigamente, os
jesuítas eram famosos no âmbito intelectual e universitário, considerando que
muitos filósofos, físicos, astrônomos e teólogos importantes foram jesuítas. A
partir da sua revisão histórica, como classifica a importância intelectual dos
jesuítas nos dias de hoje? Os jesuítas continuam na vanguarda intelectual ou
essa contribuição ficou de lado nos últimos anos?
John O’Malley – Em primeiro
lugar, deixe-me dizer que não devemos exagerar nas contribuições jesuítas no
passado. Nenhum membro da Companhia fez alguma contribuição verdadeiramente
avançada em qualquer campo do conhecimento. Isso não diminui o que eles
fizeram, ou seja, mediar entre a erudição secular e a Igreja, mantendo-a
atualizada do que estava acontecendo no resto do mundo.
Em segundo lugar, o mundo da
ciência, hoje, é incomparavelmente maior e mais complexo do que era no passado.
Além disso, ele é financiado por recursos financeiros que a Companhia de Jesus
nunca poderia levantar.
Em terceiro lugar, no passado,
era mais fácil dominar os campos conhecidos de conhecimento, porque, em
comparação com os de hoje, eles eram relativamente poucos. Mas a "explosão
do conhecimento" e a "explosão da informação" especialmente no
século passado mudou drasticamente o horizonte intelectual no mundo inteiro.
IHU On-Line - E o que a Companhia pode dizer a
esse respeito?
Bem, todos nós gostaríamos de ter
mais estudiosos e de fazer mais, mas não devemos deixar que isso nos deixe
cegos para o que está acontecendo. Como tenho dito, na Igreja, os jesuítas
continuam a ser o único órgão mais importante a mediar a aprendizagem secular com
o mundo clerical. Eles fazem isso de várias maneiras — através de revistas,
escrevendo livros e, mais especialmente, através de suas universidades. Nas
universidades, os jesuítas dão uma contribuição intelectual, mas
comparativamente, a contribuição feita pelos seus colegas leigos é mais
importante.
IHU On-Line - A que atribui o
fato de nos últimos 50 anos terem sido escritos e publicados poucos livros
sobre a história dos jesuítas? Como interpreta esse dado?
John O’Malley – Tenho de
discordar com a premissa dessa questão. Nos últimos 50 anos, inúmeros livros
foram publicados sobre a história da Companhia. Nos últimos 20 anos, essa
quantidade assumiu proporções quase de um tsunami. Eu não consigo me manter
atualizado com ela! A maior parte desses estudos é de primeira linha e eles
estão sendo feitos em uma escala internacional. O maior número e alguns de mais
alta qualidade estão saindo da Itália. Em seguida, talvez, seriam os Estados
Unidos, depois a França, mas o fenômeno é mundial.
IHU On-Line - Que avaliação faz
do pontificado de Francisco? Como ele aplica o modo jesuíta de ser em seu
pontificado? O que um Papa jesuíta pode trazer para a Igreja? De que forma os
preceitos da Companhia de Jesus podem ser percebidos no seu papado?
John O’Malley – Vou responder a
essa pergunta anexando um artigo que escrevi (1)há alguns meses, por
ocasião da publicação da versão em inglês da minha pequena história da
Companhia. Ele vai responder totalmente a sua pergunta.
Nota:
1.- Papa Francisco. Jesuíta.
E então? Artigo de John O'Malley
Fonte: http://site.adital.com.br
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