ONG lista os países em que críticas a religiões são punidas por lei - Por Juliana Borba
Na última semana, o mundo voltou
seus olhos para o ataque terrorista na França que deixou 12 pessoas mortas na
redação do jornal Charlie Hebdo, conhecido por suas charges altamente
críticas.
Entre os mortos estão o diretor da revista, Stephane Charbonnier e
outros três famosos cartunistas. Segundo testemunhas do massacre, os três
assassinos que invadiram a reunião de pauta do jornal teriam dito que estavam
ali para “vingar o profeta”.
Sabe-se que a equipe do jornal já
sofria ameaças há anos e que o próprio diretor da revista andava com
seguranças. Ataques por conta de críticas ao radicalismo religioso vêm
aumentando consideravelmente, e um massacre como o realizado na França no
começo do ano ataca também a liberdade de expressão.
De acordo com relatório
elaborado pela Organização Não-Governamental Repórteres sem Fronteiras
(“Reporters Without Borders”), em dezembro de 2013, a tendência do século é
justamente ataques violentos tendo como justificativa a religião.
Previsão certeira
O documento começa falando de uma previsão do pensador francês André Malraux: “Quando previu que o século 21 “seria religioso ou não existiria”, ele não fazia ideia das dramáticas consequências de tal projeção. O abuso da religião pode ser extremamente prejudicial para informações, ideias e opiniões. Em nome dela ou de “valores tradicionais”, não apenas charges, mas verdades factuais vêm sendo censurados.
Segundo as informações da ONG,
tal censura vem acontecendo especialmente em países muçulmanos nos quais os
sistemas de governo são controlados direta ou indiretamente pela religião, que
vem sendo subentendida como um grupo de crenças que deve ser supervisionada por
instituições governamentais e que também as civilizações seculares, por conta
de um conflito de valores resultantes do impacto das religiões em domínios
públicos, como a mídia, têm sido afetadas pelo radicalismo religioso.
Punições
O relatório retrata duas grandes ameaças à liberdade de informação, "fundamental e essencial à democracia": uma, é a ambiguidade da censura em nome da religião; a segunda, é o perigo de sociedades radicais fazerem de tudo para manter seus valores de tradição e religião intactos.
"Tais perigos vêm crescendo rapidamente desde a virada do século, com uma
ofensa sem precedentes à diplomacia de instituições como as Nações Unidas”. No
documento, há um mapa mundial no qual estão marcados países que têm algum tipo
de punição à críticas religiosas, do menor ao maior grau.
O Brasil, por exemplo, aparece
marcado na lista, apontando que são apenadas pelas leis do país qualquer tipo
de "difamação religiosa".
Em outros países marcados, há leis para
punir não só isso, mas blasfêmia (difamação de deuses), apostasia (renúncia a
uma religião) e a combinação dos dois, inclusive com pena de morte.
"A acusação de 'ofensa
religiosa' é punível cruelmente em algumas partes do mundo, um tipo de punição
usada, na maior parte das vezes, como ferramenta de censura política ou para
controlar realidades econômicas, sociais e políticas, o que acaba representando
uma camisa-de-força para jornalistas e blogueiros. O radicalismo religioso de
todos os tipos, não somente o islâmico, está começando a mostrar ao mundo sua verdadeira
cara", ressalta o documento, que elenca diversos casos de jornalistas que
foram presos ou punidos por questionarem determinadas religiões.
Situação é pior no Oriente Médio
e África
Para a ONG, a situação é pior em países muçulmanos nos quais a doutrina religiosa é a base de suas legislações. Nesses países, as publicações contra os governos são vistas como hereges, apóstatas ou ateístas. Isso porque nesses países, a religião reflete tão somente a legislação do país, direcionadas à maioria a população.
Nesses lugares, os “sentimentos religiosos parecem
essenciais para a sobrevivência desses estados, especialmente nos países que se
encontram em reconstrução ou que estão enfraquecidos por grupos radicais, o que
explica o por quê de governos não necessariamente religiosos em essência
cederem tanto espaço para esses grupos radicais. Nesses países, a mídia e a
comunicação são indicadores-chave da influência religiosa no governo”, aponta o
estudo.
O estudo cita uma série de casos
de censura à mídia por questionamentos às religiões locais e cita algumas
histórias, como a do presidente eleito do Afeganistão, Hamid Karzai, que
deveria garantir a elaboração de uma nova constituição para o país, a qual,
teoricamente, baniria a censura.
No entanto, ele ordenou, por duas vezes, em
2013, que o Ministério de Informação e Cultura afegão previna a disseminação de
filmes e programas contrários aos valores islâmicos.
Na Líbia, o Sheik Sadeq
Al-Ghariani impôs umafatwa (punição islâmica) à jornalista Reda Fhelboom e
sua estação de TV, a Libya International, em fevereiro do mesmo ano,
acusando-os de "promover o ateísmo e por difamar o Islã", depois que
Fhelboom entrevistou um defensor dos direitos das mulheres com relação ao uso
do véu.
Já na Tunísia, a situação não é tão grave, mas ainda exige ressalvas:
enquanto não se chega a um acordo de uma nova Constituição, a ideia de
criminalizar "ataques ao que é sagrado", foi abandonada, pelo menos
por ora.
De acordo com um relatório
publicado em 2012 pelo Pew Research Centre, nos Estados Unidos, 94 dos 198
países do mundo (47%) têm leis que penalizam blasfêmia, apostasia e a difamação
religiosa. A apostasia é vista como um dos crimes mais graves no mundo
muçulmano, sendo punida com morte em 20 países (Islã é a religião em todos
eles):
Egito, Irã, Iraque, Jordânia, Kuwait, Omã, Quatar, Arábia Saudita,
Síria, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Afeganistão, Malásia, Maldivas,
Paquistão, Camarões, Mauritânia, Nigéria, Somália e Sudão.
Todos eles, com
exceção de cinco (Iraque, Camarões, Mauritânia, Síria e Iêmen) têm leis que
punem a blasfêmia (o que inclui criticar os dogmas religiosos ou seus
símbolos).
Um dado interessante é que
Argélia, Bahrein, Índia, Indonésia, Líbano, Marrocos, Cingapura e Turquia
também têm leis que punem o crime de blasfêmia, bem como oito países da União
Europeia (Dinamarca, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Malta, Holanda e
Polônia.
Mas nos últimos, as leis são muito pouco usadas. Uma lista ainda maior
relaciona 86 países que punem o crime de "difamação da religião", um
termo mais geral que inclui algumas formas de blasfêmia, mas mas normalmente
ligados à discriminação religiosa.
Charges em xeque
Com base nessas informações, a ONG termina o documento sugerindo ações que mudem o panorama como a reafirmação da não aplicabilidade de limitações aos direitos de qualquer pessoa à liberdade de expressão e informação, como estabelece o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quer ela vá contra ou não uma religião, ideologia, política ou preceitos filosóficos de qualquer nação; a rejeição de qualquer restrição de tal liberdade, com exceção de quando ela fere os direitos ou a reputação de outros; a rejeição de qualquer lei criminal contra a liberdade de expressão.
A organização também clamou às
instituições internacionais e suas afiliadas que rejeitem as tentativas do
governo de alguns países de ter "blasfêmia" e "difamação da
religião" tratadas como violações fundamentais dos direitos humanos e
ainda pontuou as charges “insolentes e caricatas por definição”, também fazem
parte da liberdade de expressão.
Fonte: http://www.conjur.com.br
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