Disputa secular ameaça plano de Modi de transformar a Índia – Por Kartikay Mehrotra
Sob um telhado de metal
enferrujado, em uma das cidades mais antigas da Índia, Amrat Lal e vários
outros artesãos entalham cuidadosamente milhares de placas de arenito. Quando
finalmente as reunirem, elas podem reacender a violência religiosa.
Os pilares de pedra e as telhas
do teto são os alicerces de um templo que marca o local de nascimento do deus
hindu Ram. O partido do primeiro-ministro
Narendra Modi, que assumiu em maio, venceu uma disputa de décadas para
construir o templo no mesmo local onde grupos hindus destruíram uma mesquita do
século 16, em 1992.
“Nós precisamos reconstruir para
Deus a casa tomada dele pelos muçulmanos”, disse Lal, acrescentando que cerca
de 75 por cento das peças do templo Ram estão completas.
“Essa é a nossa
oportunidade de tomar de volta o que é nosso por direito”. Assim como o Monte do Templo, em
Jerusalém, o local em Ayodhya se transformou em ponto de divergência entre as
divisões religiosas que definem a política na Índia desde sua fundação, em
1947.
Embora até o momento Modi tenha
focado na reformulação da economia, há um debate próximo com os nacionalistas
hindus que apoiaram sua ascensão ao poder e querem que ele retifique mágoas
seculares.
“Enquanto Modi fala a respeito de
seus grandes planos e grandes estratégias para a Índia, há outra estratégia se
desenrolando em paralelo que visa a preencher a agenda hindutva”, disse Sumit
Ganguly, professor de Ciência Política da Universidade de Indiana em
Bloomington, dos EUA. “Com certeza haverá um conflito” entre as metas de Modi e
as dos grupos hindus, disse ele.
Epicentro
A religião foi um tópico explosivo
na Índia durante séculos e continua sendo. O censo de 2001 mostrou que 81% dos indianos eram hindus e 13% muçulmanos, mas os dados de 2011
sobre religião não foram divulgados devido ao medo da violência.
Os homicídios sectários mais do
que quadruplicaram para 71 em 2013 em relação ao ano anterior, segundo o
Ministério de Assuntos Internos. O local sagrado de Ayodhya, que
tem cerca de dois terços o tamanho do local do World Trade Center, em
Manhattan, atualmente é guardado por milhares de soldados.
Em um dia comum, centenas de
pessoas formam fila para rezar em um templo improvisado em uma área fechada.
Para ter acesso ao local, essas pessoas precisam passar por sete postos de
segurança rodeados por cercas de metal, câmeras de circuito fechado e torres de
vigia.
“Este sempre será o epicentro do
conflito religioso na Índia”, disse RPN Singh, ex-vice-ministro de Assuntos
Internos. “Desde que os hindus estão tentando construir esse templo, os
muçulmanos estão lutando por ele com unhas e dentes”.
‘Hindu Awakening’
As tensões poderão aumentar
novamente no mês que vem, quando uma organização ligada ao partido de Modi
iniciará o fórum nacional “Hindu Awakening” (“O despertar hindu”, em tradução
livre) em Ayodhya. O Vishva Hindu Parishad, ou Conselho Mundial Hindu, defende
uma agenda conhecida como “Hindutva”, que inclui a conquista de adeptos e a
remoção de privilégios legais para minorias religiosas, além da construção do
templo Ram.
As medidas insufladas por grupos
hindus dão aos oponentes de Modi uma desculpa para atrasar suas propostas
econômicas em uma sessão parlamentar iniciada nesta semana, entre elas a
aprovação de um imposto nacional sobre as vendas e a facilitação da compra de
terrenos.
No ano passado, parlamentares da
oposição na Câmara Alta, a casa parlamentar que Modi não controla,
equivalente ao Senado, adiou um projeto de lei que permitiria um maior
investimento estrangeiro no setor de seguros para debater as conversões
religiosas forçadas.
A derrota esmagadora na eleição
local em Délhi, neste mês, levou Modi a romper o silêncio em relação às
preocupações de que a Índia estava se afastando de suas raízes seculares. Antes da derrota, seu partido, o
Bharatiya Janata, ou BJP, havia conquistado vitórias em cinco eleições
estaduais desde a votação nacional, em maio, quando se tornou o primeiro
partido em 30 anos a vencer com maioria na Câmara Baixa da Índia (equivalente à
Câmara dos Deputados).
Facções marginais
“Meu governo garantirá que haja
total liberdade de fé e que todos tenham o inegável direito de manter ou adotar
a religião de sua escolha sem coerção ou influência indevida”, disse Modi a
líderes cristãos, em 17 de fevereiro. Igrejas de Nova Délhi haviam sido
atacadas antes da eleição.
Os comentários de Modi
sinalizaram o reconhecimento de que facções marginais de sua base de apoio
ameaçam seus objetivos de permanecer no poder e de melhorar as vidas de
aproximadamente 700 milhões de indianos que vivem com menos de US$ 2 por dia.
A imposição de novos obstáculos,
nos próximos meses, aos projetos de lei econômicos no Parlamento colocaria em
xeque a capacidade de Modi de implementar reformas concretas.
O Rashtriya Swayamsewak Sangh, um
grupo nacionalista hindu no qual Modi iniciou sua carreira, alimentou
potenciais atrasos parlamentares depois que seu chefe, Mohan Bhagwat, disse
neste mês que a ganhadora do prêmio Nobel, Madre Teresa de Calcutá, tinha
“segundas intenções” de converter os pobres da Índia.
Os comentários foram condenados
na Câmara Alta pelo parlamentar de oposição Derek O’Brien, que os classificou
de “insulto à nação”.
Apelo de Modi
Em um discurso de uma hora no
Parlamento, na sexta-feira (27/02), Modi disse que está trabalhando para toda a
população da Índia, um total de 1,2 bilhão de pessoas. “Hindus e muçulmanos já brigaram
o suficiente”, disse Modi aos parlamentares. “Agora, hindus e muçulmanos
precisam se unir na luta contra a fome e a pobreza”.
Embora as ações e a moeda da
Índia tenham estado entre aquelas de melhor desempenho no mundo nos últimos 12
meses por causa do otimismo de que a terceira maior economia da Ásia irá
decolar, uma maior decepção poderia levar a fugas de capital, segundo Manik
Narain, estrategista cambial do UBS Group AG em Londres.
“Se algo tão importante quanto o
imposto sobre bens e serviços não pode ser aprovado, isso serve para mostrar as
restrições políticas às quais o BJP está sendo submetido”, disse Narain, sobre
o imposto proposto pela primeira vez em 2006. “Não é preciso que haja muitos
choques, nem que ocorram muitas coisas para jogar um pouco de água fria no
entusiasmo”.
Segundo os nacionalistas hindus
alinhados a Modi, todo o subcontinente praticava o hinduísmo antes que
invasores muçulmanos começassem a converter as pessoas e construir mesquitas a
partir do século 11. Esses relatos dizem que a
mesquita de Ayodhya, conhecida como Babri Masjid, foi construída nos anos 1500
sobre um templo hindu que marca o nascimento de Ram, uma afirmação contestada
pelos grupos muçulmanos.
Milhares de mortos
A posse legal da terra tem sido
contestada na Justiça nos últimos 125 anos, resultando em decisões
posteriormente contestadas, derrubadas, apeladas e totalmente ignoradas. Em 1990, o líder do BJP, Lal
Krishna Advani, iniciou uma jornada de um mês pelo país para conseguir apoio em
prol do templo Ram.
Dois anos depois, centenas de manifestantes hindus romperam
barreiras policiais e destruíram Babri Masjid em um dia. Isso levou a tumultos
que mataram pelo menos 2.000 pessoas.
Alguns hindus e muçulmanos estão
tentando resolver a disputa pelo templo de forma amigável com um acordo para
dividir o local com um muro de 30 metros de comprimento. O Conselho Mundial
Hindu, contudo, se opõe a qualquer iniciativa de dividir o terreno.
“Se não podemos construir um
templo onde nosso Deus nasceu, então em que outro lugar do mundo poderemos
construir um templo?”, disse Lal, o artesão, polindo as bordas de sua última
escultura em arenito. “Esse direito precisa ser protegido a qualquer preço”.
Fonte: http://exame.abril.com.br
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