Vaticano abre portas para padres casados e cria dilema – Por Fernando Duarte
Com quatro filhas ainda crianças
e um bebê para chegar em alguns meses, a mulher de Robin Farrow já avisou: ele
precisará levar a caçula para o trabalho nos dias mais complicados.
É uma situação que dificilmente
chamaria a atenção em qualquer lugar do mundo, não fosse o fato de que Farrow
está prestes a receber sua ordenação como padre católico.
O britânico faz parte de um grupo
de novos padres anglicanos que se converteram à Igreja Católica no Reino Unido
sem a obrigação de adotar o celibato, ao contrário do que se exige dos
sacerdotes originalmente católicos.
"Sei que muitos fiéis
católicos podem estranhar a figura de um padre casado. Mas na minha paróquia eu
tenho conversado com os fiéis há meses e recebi muitas palavras de apoio à
minha situação. Estudei para uma vida religiosa desde os sete anos", conta
Farrow, de 42 anos, em entrevista à BBC Brasil.
Dispensa especial
A regra para sacerdotes
anglicanos está em vigor desde 2009, chancelada pelo então papa Bento 16. A
decisão surpreendeu por causa do perfil conservador do pontífice alemão, e
muitos analistas do Vaticano a viram como uma manobra para atrair para a Igreja
anglicanos insatisfeitos com algumas decisões mais polêmicas de seu ramo do
cristianismo, em especial a ordenação de bispos homossexuais.
O celibato, imposto no século 12,
simboliza o triunfo do espírito sobre a carne. A premissa é de que apenas a
dedicação total à Igreja faz um padre. A possibilidade de dispensa no
Reino Unido teve o objetivo de reforçar os quadros católicos num país em que o
catolicismo é minoria. No entanto, há limites para a dispensa.
"Se por acaso minha esposa
falecesse, que Deus proíba, eu não poderia casar de novo", conta Farrow. O divórcio também está fora de
questão.
Amazônia
Casos como o de Farrow alimentam
o argumento dos defensores de uma revisão da questão celibatária por parte da
Igreja. Entre os que propõem a flexibilização está Dom Erwin Kautler, bispo
austríaco que há 30 anos é o responsável pelo Prelado do Xingu, no Pará.
Mais conhecido por seu
envolvimento em causas ambientais e pelas críticas à injustiça social na região
Norte do Brasil, Dom Erwin tem expressado recentemente sua preocupação com a
escassez de sacerdotes a seu dispor. Uma das maiores circunscrições
eclesiásticas do Brasil, com 365 mil quilômetros quadrados, o Xingu dispõe
apenas de 27 padres.
Não é preciso muito esforço
matemático para entender o problema de Dom Erwin. E o bispo não vê outra
solução que não uma flexibilização do Vaticano em relação ao celibato. Ele cita por exemplo a regra de
que os diáconos, clérigos de quem não se exige o celibato, possam celebrar
alguns sacramentos, incluindo o batismo, mas não a comunhão.
"Não estou defendendo o fim
do celibato. Defendo que presidir a celebração da eucaristia, por exemplo, não
seja um prerrogativa exclusiva de um homem celibatário", afirma o bispo à
BBC Brasil.
"O que muitos bispos querem e sou um deles, é propor outro tipo de sacerdote ao lado do tradicional. E
tomar uma posição em favor de comunidades como as da Amazônia, que praticamente
estão excluídas da Eucaristia. Quem optar pela vida celibatária tem todo o
direito de fazê-lo. E há inúmeras pessoas, tanto homens e mulheres, que fazem
essa opção e são felizes."
De acordo com estatísticas
apresentadas por um estudo da universidade americana de Georgetown, citando
documentos do Vaticano, o número de católicos no mundo cresceu 64% entre 1975 e
2008, atingindo pela primeira vez a casa de 1 bilhão. O mesmo estudo, no
entanto, estima que o número de padres no mundo seja de pouco mais de 400 mil e
que tenha estacionado nos últimos 40 anos.
No Brasil, no mais recente censo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 120 milhões
de brasileiros se declararam católicos. O Censo Anual da Igreja Católica no
Brasil estima em cerca de 22 mil o número de padres.
Escândalo
Especialistas citam diversas causas
para a desproporcionalidade, incluindo uma redução no número de frequentadores
de missas. Mas o imenso sacrifício pessoal exigido dos interessados em virar
padre frequentemente é citado não só para desestimular novas chegadas, mas como
fator de "deserções".
Na Itália, bem perto das muralhas
do Vaticano, estima-se que 6 mil padres tenham abandonado a batina para assumir
ou iniciar relacionamentos. O país atualmente tem 33 mil padres. A discussão ganhou força depois
da revelação de diversos escândalos de pedofilia na Igreja nos últimos anos.
"Ninguém discute que o
celibato tem seu valor, mas ele deve ser facultativo justamente para evitar
desvios de comportamento por quem não está preparado para assumir um
compromisso tão ilustre", explica Alex Walker, padre britânico que em 1988
deixou a vida religiosa para se casar.
Atualmente, ele faz parte do
Advent Group, que pressiona por mudanças na postura do Vaticano e oferece
assistência para sacerdotes que sigam o mesmo caminho de Walker. Na Itália, calcula-se que
milhares de padres deixaram o sacerdócio nos últimos para se casar.
"Estou casado há 25 anos e
não teria deixado a Igreja se o celibato fosse opcional. Conheço muitos fieis
que prefeririam que seus padres pudessem se casar."
Resistência
Dom Erwin diz ter apresentado seu
caso ao papa Francisco, mas acredita que só uma articulação dos bispos
brasileiros junto ao Vaticano possa levar a questão adiante. O mais recente pronunciamento do
pontífice sobre o celibato ocorreu em agosto do ano passado. Em entrevista ao
jornal italiano La Repubblica, Francisco é citado como admitindo
que a exigência havia "criado problemas" para a Igreja.
Não são apenas os anglicanos que
conseguem ser exceção à regra. Nos Ritos Orientais, um ramo autônomo pouco
conhecido do Catolicismo, os padres podem ser casados. Curiosamente, porém, padres de
exceção também estão entre os defensores do status quo católico.
É o caso de Paul Sullins, padre
americano casado convertido ao catolicismo. Sociólogo da Universidade Católica
Americana, em Washington, ele lançará em livro em abril um estudo sobre padres
casados nos EUA, o número segundo ele, chega a cem.
"O exemplo de alguém que
renuncia ao casamento e ao sexo numa sociedade tão sexualizada quanto a nossa é
algo formidável. E este sacrifício tem um valor institucional importante para a
Igreja", diz o sociólogo.
Robin Farrow concorda: "A
Igreja sofreria muito em termos de imagem junto aos fiéis se adotasse muitas
mudanças nesse sentido. O celibato ajudou muito a Igreja em termos de
carisma".
Fonte: http://www.bbc.co.uk
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