Beatificação de Oscar Romero revela luta simbólica em torno do mártir católico – Por Rodrigo Coppe Caldeira
"Nós não somos
demagogicamente a favor de uma classe social; nós somos a favor do Reino de
Deus, e nós queremos promover justiça, amor, e compreensão, onde quer que haja
um coração bem disposto", Mons. Oscar Romero em homilia proferida em 1979.
Que a comunicação seja um
fenômeno complexo, marcado por mediações por onde atravessam os signos
linguísticos, que são difundidos, recepcionados e apropriados de maneiras
diferentes, é um fato indiscutível.
O tema da apropriação nessa seara é um dos
mais instigantes. Tratei dele, de alguma forma, quando escrevi um artigo para
a Folha de S. Paulo que perguntava em seu título se o pontífice era
comunista.
Lá, observei a existência de grupos à esquerda e à direita do
espectro político que se apropriavam de Francisco, fazendo dele um propugnador
de seus ideais, como tenta o primeiro grupo, ou um inimigo da Igreja e sua
tradição, como advoga o segundo.
Ontem me deparei com um artigo de
Frei Betto em sua coluna no O Globo. O articulista tratava da beatificação
do arcebispo de San Salvador Dom Oscar Romero, contumaz defensor dos direitos
humanos em seu país dividido pela guerra civil. Num dos trechos do texto
afirmou:
"Para os católicos conservadores, canonizar Romero significaria
sacralizar a Teologia da Libertação, da qual se tornara adepto ao fazer opção
pelos pobres."
A frase faz o leitor concluir duas coisas: que Romero, ao
fazer a opção pelos pobres, se tornara automaticamente adepto da Teologia da
Libertação, e que os "católicos conservadores" acreditam que o arcebispo
pertencia a essa corrente teológica, o que pode ser uma verdade apenas parcial,
relativo, no caso, aos mal informados.
Os usos da figura de Dom Romero
pela chamada "esquerda católica" latino-americana, com o intuito de
fazer dele um de seus baluartes, percorre o mesmo caminho da apropriação do
papa Francisco como imagem e semelhança de suas causas políticas. Se aplicamos
a conclusão de Betto universalmente, Francisco também se tornaria um adepto da
Teologia da Libertação "ao fazer opção pelos pobres".
Na América
Central podemos encontrar camisetas que trazem Romero ao lado de Salvador
Allende e Che Guevara. Num futuro próximo, talvez Francisco esteja entre os
personagens.
Betto relembra no início de seu
texto, no entanto, que Romero demonstrava "nítidas tendências conservadoras"
e que era "avesso à Teologia da Libertação". De fato, o era. E pelo
que consta, parece nunca ter se afastado dessa posição, como o frei quer fazer
crer. Segundo seu secretário pessoal, Mons. Jesús Delgado, Romero nunca
tinha se interessado por essa perspectiva teológica.
Os livros que ganhava dos
teólogos da libertação que o visitava eram deixados de lado pelo bispo. Nunca
os lia, de acordo com o secretário. A pastoral de Romero era profundamente
inspirada no Evangelho.
Segundo Delgado, "da Teologia da Libertação não
sabia nada [...] ele estava aderido fielmente à Igreja Católica e sobretudo à
doutrina dos papas".
O site do Opus Dei
movimento conservador da Igreja Católica fundado por São José Maria Scrivá,
considerado um antípoda dos católicos progressistas, traz com júbilo em 15 de
fevereiro de 2015 a notícia da beatificação do salvadorenho.
Segundo
Dom Javier Echevarria, prelado do grupo, Romero foi um dos primeiros bispos a
se manifestar ao papa Paulo VI defendendo a abertura do processo de canonização
de Scrivá.
O assassinato do bispo salvadorenho no dia 24 de março de 1980 foi
precedido, segundo o site, de uma "convivência para sacerdotes organizada
por sacerdotes do Opus Dei", com a presença de Romero. Além do mais,
Romero teria profunda admiração pela espiritualidade do grupo.
Uma volta pela web e encontro artigo do
jornal El País intitulado: "Papa aprova a beatificação do maior
nome da Teologia da Libertação". O jornal espanhol já escolheu o seu lado.
Fonte: http://www.brasilpost.com.br
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