Clássico cyberpunk, "Snow Crash" compara religiões a vírus de computador.
Um dos clássicos do estilo
cyberpunk, “Snow Crash” (Aleph), Neal Stephenson, é uma bizarra combinação
de ficção científica, religião, computação, história, linguística e ação. Uma
combinação que, apesar de estranha, funciona.
A narrativa acompanha Hiro
Protagonista, hacker, espadachim e entregador de pizzas da máfia, que acaba se
aliando a Y. T., uma adolescente skatista radical, também entregadora. Eles
acabam enfrentando uma conspiração de um culto que possui uma espécie de vírus
de computador que infecta seres humanos.
Stephenson consegue apresentar o
cérebro como um hardware e a mente como um software, passível de ser infectado
pela linguagem. Para ele, as religiões usam a mesma estratégia dos vírus, para
infectar cada vez mais mentes.
O livro apresentou ou
popularizou conceitos que se tornaram padrões na internet. Você já enviou um
e-mail com endereço errado e recebeu uma resposta de um tal “mailer-daemon”?
Pois os “daemons” são os programas descritos no enredo de “Snow Crash”, que
replicam o comportamento humano e exercem até a função de leões de chácara em
bares virtuais.
E, se personagens do tipo
“hacker, espadachim, entregador de pizza” parecem ridículos, é porque eles são
mesmo. Talvez o mais absurdo seja um mercenário chamado Corvo: um gigante
baleeiro que é descrito quase como o personagem de Danny Trejo no filme: “Machete”
(2010), só que anabolizado e locomovendo-se com nada menos que uma Harley
Davidson, tem uma bomba nuclear a tiracolo e as palavras “sem controle
emocional” tatuadas na testa.
Autossátira do cyberpunk
Depois de se popularizar durante
os anos 1980, o estilo cyberpunk, que tem como principais expoentes
“Neuromancer”, de William Gibson, e “Blade Runner”, de Philip K. Dick, estava
entrando na autossátira em 1992, quando “Snow Crash” foi lançado.
Pode se
dizer que o livro quase está para o cyberpunk como o “Kill Bill”, de Quentin
Tarantino, está para os filmes de kung fu dos anos 1960 e 1970. É uma versão
elevada ao absurdo que, ao mesmo tempo, homenageia e satiriza o gênero.
Mas “snow crash” é jargão de
informática. Significa um crash de sistema, uma falha, num nível tão
fundamental que fragmenta a parte do computador que controla o feixe de
elétrons no monitor, fazendo ele jorrar descontrolado pela tela, transformando
a grade perfeita de pixels numa nevasca turbilhonante. “Snow Crash”, de
Neal Stephenson.
Previamente lançado no Brasil com
o título: “Nevasca”, a obra popularizou a ideia do “avatar”, um representante do
usuário dentro do computador. Também há um “metaverso” que parece um Second
Life turbinado; um Bibliotecário, que é tipo um precursor do Google, além de
“gárgulas” que tudo filmam e que lembram nossa realidade de smartphones
onipresentes.
“Snow Crash” é ambientado em uma
Los Angeles do século 21. No enredo, o governo dos EUA entrou em colapso e se
dividiu em diversos “países-franquia”. É uma realidade na qual o McDonald’s
pode resolver virar uma nação autônoma, com suas próprias leis, policiamento e
até moeda.
O dólar real sofre uma hiperinflação tão galopante, que faz o Brasil
dos anos 1980 parecer um oceano de estabilidade. É preciso, por exemplo, de
quadrilhões para comprar um sanduíche.
É curioso como clássicos da
distopia como “1984”, de George Orwell, mostravam um futuro no qual o governo
controla cada aspecto da vida, enquanto em “Snow Crash” a distopia é justamente
causada por um governo inexistente, que deixa espaço para corporações passarem
a tratar nações como negócios. O governo central, no livro, é uma piada. Existe
apenas para administrar a burocracia da própria existência.
E, se esse ambiente já não é
complicado o bastante, Stephenson ainda consegue incluir mitologia e religião
suméria no balaio, conforme são descobertas as origens ancestrais do tal vírus
linguístico que pode infectar as pessoas. A linguagem, as histórias e os mitos
são mostrados não como manifestações humanas, mas como entidades que usam os
seres humanos como hospedeiros para continuarem vivas.
“Espere um pouco, Juanita.
Decida-se. Esse negócio de Snow Crash é vírus, droga ou religião? Juanita dá de
ombros. “Qual é a diferença? “Snow Crash”, de Neal Stephenson.
Stephenson encara seu universo
com uma boa dose de humor. Ele não busca uma coerência “hard” em seu mundo, mas
o torna absurdo para melhor espelhar a loucura do mundo real. É particularmente
hilariante a rotina da mãe de Y. T., que é tão sem personalidade que nem é
nomeada, conforme enfrenta sua rotina ridiculamente tediosa de trabalho para o
governo central, que inclui ler por 15 minutos, contados no relógio
para avaliação do supervisor, um memorando sobre estratégias de melhor
distribuição de papel higiênico no escritório.
O despejo de informações, no
entanto, atrasa a narrativa em momentos “senta que lá vem história”,
em que Hiro passa capítulos inteiros com um motor de busca sobre religiosidade
suméria. Porém, ao mesmo tempo, é refrescante ver como o livro desdenha
fórmulas. “Snow Crash” é uma combinação anárquica, sobre um mundo anárquico, e
que não abre concessões para o leitor. Quem se aventurar pode ser recompensado
com algo realmente único.
É uma combinação maluca com tudo
para dar errado. Entrecorta ação frenética com capítulos paradões e abstratos,
mas acaba funcionando na mente do leitor como o próprio vírus que retrata. Ele
entra em sua cabeça e dificilmente sai dali.
“Snow Crash” – Neal Stephenson
Editora: Aleph
Número de páginas: 496
Editora: Aleph
Número de páginas: 496
Fonte: http://boainformacao.com.br
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