Para especialista, religião não define posição de franceses sobre eutanásia – Por Lúcia Müzell



Parlamentares franceses debatem lei sobre fim de vida.

A Assembleia Nacional francesa analisa o projeto de lei que visa a autorizar a prática da “sedação profunda e contínua” nos doentes terminais, apelidada lei do fim da vida. Mesmo sem citar a palavra “eutanásia”, o texto provoca uma intensa polêmica entre os parlamentares e na sociedade.

Ao contrário do que possa parecer, a dimensão religiosa não é a mais determinante na tomada de posição sobre o assunto. Essa é a constatação do antropólogo e sociólogo das religiões Tanguy Châtel, especialista na percepção da morte e do fim da vida pelos seres humanos.

“Há algumas décadas, a conclusão seria outra. Hoje, temos pessoas que seguem uma religião que tendem a ser favoráveis ao reconhecimento do suicídio assistido ou até da eutanásia. Também temos ateus que, em nome das suas convicções filosóficas e morais, são totalmente contrários”, afirma. 

“E para completar, é um campo com muitas graduações. Há um grande leque, entre manter a vida a qualquer preço, a possibilidade de fazer uma sedação terminal, de legalizar o suicídio assistido ou a eutanásia.”

O projeto de lei contempla os pacientes de doenças incuráveis, com curta expectativa de vida. Aqueles que tenham expressado o desejo de morrer poderão ter os aparelhos desligados, depois de serem adormecidos com sedativos.

Convicções pessoais pesam mais

Na Assembleia, os deputados mais conservadores temem a legalização de um “direito a deixar morrer”, enquanto os progressistas defendem uma lei ainda mais ousada sobre o tema.

“Até mesmo entre os defensores da eutanásia, tem os radicais e os moderados. A realidade é que sempre há histórias pessoais envolvidas nessas convicções. Trata-se de um debate que está muito longe de ser binário, mas estamos sendo capazes de assumi-lo, e isso traduz a nossa maturidade política”, observa o sociólogo.

Desde que o projeto começou a ser analisado, mais de mil propostas de emendas foram apresentadas, uma amostra do quanto o assunto está distante do consenso. 

Essa situação costuma se repetir nos países que decidem mudar a legislação sobre a questão, como explica Châtel, que acompanhou o debate nos países desenvolvidos que já adotaram leis a respeito dos doentes terminais ou sem cura. 

O especialista diz que a França não é mais ou menos resistente à eutanásia do que outros países de raízes cristãs.

“É preciso dar tempo ao tempo. Uma escolha muito ruim teria sido recorrer a um referendo, no qual as pessoas seriam obrigadas a responder por ‘sim’ ou ‘não’ a uma questão tão complexa quanto essa. Esse debate não pode ser levado rápido demais, porque demanda um tempo para o diálogo, que está acontecendo”, ressalta. 

“Avançar um pouquinho de cada vez ajuda a uma melhor compreensão das questões mais profundas. Talvez, e é o que eu desejo, isso nos previna de uma legalização rápida demais da eutanásia, como aconteceu na Bélgica.”

Marca de Hollande

Enquanto isso, do lado de fora do Parlamento francês, associações a favor e contra a eutanásia já estão nas ruas para se manifestar sobre o texto. Entidades próximas à católica Manif pour Tous, a mesma que se levantou contra a legalização do casamento entre homossexuais, prometem intensificar a pressão.

Assim como o casamento gay, a lei sobre o fim da vida era uma das promessas de campanha do presidente François Hollande. Na opinião de Châtel, as reformas na legislação relativa a temas comportamentais vão marcar o mandato do socialista.

“O governo de François Hollande está bem limitado sob o ponto de vista econômico, por razões conjunturais. Por isso, percebemos a tentação dele de agir nos temas comportamentais. Mas acho que, num momento em que as tensões econômicas são tão fortes, é excelente que ainda possamos debater outras questões da sociedade".

A votação, pelos deputados, do projeto de lei sobre o fim da vida está marcada para o dia 17 de março. Depois, será a vez de os senadores se pronunciarem sobre o texto, em abril ou maio. 






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