O Brasil virou o país do fanatismo? - Por Nathan Fernandes e Thiago Tanji
Seja na mesa do bar, nas redes
sociais ou na sala de casa, os brasileiros estão cada vez mais rachados por causa
de sua adesão cega em assuntos como esporte, religião, consumo e,
principalmente, política.
Entenda por que as pessoas deixaram de debater
ideias, como a ciência explica esse fenômeno e como essas rixas podem ser ruins
para o Brasil.
As eleições presidenciais
acabaram em outubro, com a legítima eleição da presidente Dilma Rousseff. Desde o começo do ano, à medida
que cada vez mais pessoas aprenderam a escrever “impeachment”, a reação dos
partidários de ambos os lados ganhou contornos ainda mais radicais. Em meados
de março, duas manifestações tomaram conta das ruas das principais cidades
brasileiras: uma a favor do governo, e a outra, maior em número, contra.
Os
protestos não registraram confusões, mas foram palco de cenas preocupantes:
faixas com a suástica nazista pedindo a volta da ditadura militar em plena
avenida Paulista, pessoas hostilizando jornalistas ideologicamente contrários
ao movimento e acusações de golpismo para quem é contra o governo.
Durante os pronunciamentos da
presidente e de dois de seus ministros na televisão, milhares de pessoas
saíram na janela de casa para promover um panelaço, o barulho foi tão alto que
abafou qualquer possibilidade de ao menos tentar ouvir o que diziam. Nada
contra manifestações, é claro. O problema é que, ao ignorar opiniões
contrárias, as pessoas tendem a aderir cegamente a uma posição, doutrina ou
sistema e a caminhar numa direção perigosa: a do fanatismo.
Há alguns anos a ciência tenta
explicar por que, afinal, é tão fácil alinhar-se a um conjunto de pessoas que
encontrou um Judas particular e culpá-lo por todo o caos do universo. Uma
prova disso é o paradigma dos grupos mínimos, elaborado nos anos 1970 pelo
psicólogo Henri Tajfel, da Universidade de Bristol, na Inglaterra.
Ao serem
aleatoriamente agrupados de acordo com critérios irrelevantes, como o pintor
favorito, os participantes do experimento criaram forte ligação entre aqueles
que dividiam a mesma turma, exaltando suas qualidades e hostilizando os rivais.
Ao final do experimento, formou-se o “nós contra eles”, será que alguém aí
ouviu algo parecido com isso no que ficou convencionado chamar de protestos de
março?
Ainda no século 19, o pensador
francês Gustave le Bon já havia atentado para o comportamento bizarro das
pessoas ao se unirem em grupos, formando uma espécie de mentalidade única
irracional, ou o que o escritor Nelson Rodrigues chamaria de “unanimidade
burra”. Na obra: Psicologia das multidões (WMF Martins Fontes), de
1895, Le Bon escreveu:
“Nas grandes multidões, acumula-se a estupidez, em vez
da inteligência. Na mentalidade coletiva, as aptidões intelectuais dos
indivíduos e, consequentemente, suas personalidades se enfraquecem”.
É
como se, ao se unir aos seus pares, as pessoas deixassem de usar a razão e
passassem a deixar a emoção tomar conta, tornando-se presas fáceis de
manipuladores. Segundo o historiador Jaime Pinsky, autor do livro: Faces do
fanatismo (Contexto), o grande perigo das devoções extremas é a convicção
inabalável. “A certeza da verdade do fanático não é resultante de uma reflexão
ou de uma dedução intelectual”, diz o escritor.
A isso se junta o experimento do
psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade Stanford. Há mais de 40 anos, ele
resolveu simular o comportamento dentro de uma prisão, atribuindo
aleatoriamente o papel de “guardas” e “prisioneiros” a estudantes.
No entanto,
o que deveria seguir por duas semanas durou apenas seis dias. Ninguém ali era
Meryl Streep, mas os participantes do estudo interpretaram tão bem seus papéis
que os “guardas” se revelaram verdadeiros sádicos, humilhando e causando
traumas entre os “prisioneiros”.
“Em grupo somos capazes de realizar ações
que individualmente não seríamos”, diz Ligia Mendonça, participante do convênio
do laboratório de psicopatologia clínica e psicanálise da Universidade de
Toulouse.
Além de inspirar o filme: The
Stanford Prison Experiment (“O experimento da prisão de Stanford”, em tradução
livre), lançado em janeiro nos Estados Unidos, o estudo de Zimbardo também
ajudou na formulação da teoria da identidade social, dos psicólogos John Turner
e Henri Tajfel, o mesmo dos grupos mínimos. Segundo a ideia, quanto mais
inserido em um conjunto, mais o participante acata seus valores.
“Quando uma
pessoa pertence convictamente a um grupo, ela adquire uma identidade social:
valores, objetivos, memórias etc. Essa identidade contrapõe o participante aos
que não fazem parte do seu grupo”, diz o psicólogo Geraldo José de Paiva, da
Universidade de São Paulo.
Seja um cicloativista que vê um
inimigo em qualquer objeto de quatro rodas, um extremista religioso que não
concorda com a linha editorial de um jornal francês e mata os responsáveis, um
torcedor de um time que não consegue conviver com alguém vestindo a camisa do
time adversário ou um fã da Apple que olha com desdém para qualquer aparelho
Android, a não aceitação de ideias diferentes e a cegueira causada pela crença
absoluta em “verdades reveladas” ainda insistem em aparecer nas mais diferentes
esferas da sociedade, ameaçando a liberdade e o conceito básico de democracia.
O triunfo da barbárie
Como explicar que a nação de
Johann Wolfgang Goethe, Ludwig van Beethoven e Albert Einstein também tenha se
tornado o local onde se realizou uma das maiores atrocidades da história? Para
especialistas, o fenômeno nazista na Alemanha vai além da ideia de um aparente
surto psicótico coletivo.
“Um líder carismático como Hitler, que promete
felicidade a qualquer preço, passa a ser uma figura sedutora para uma massa
desacreditada que vive o desemprego, a fome e a escassez de alimentos”, afirma
Ana Maria Dietrich, professora do programa de pós-graduação da Universidade
Federal do ABC. “Em momentos de crise, tende-se a eleger um líder e também a
escolher bodes expiatórios”.
Quando Hitler chegou ao poder, em
1933, a Alemanha passava por um momento de instabilidade política e econômica:
as lembranças da derrota na Primeira Guerra Mundial ainda eram muito recentes e
se refletiam em diferentes problemas, como desemprego, inflação e fragilidade
do sistema político.
A ascensão de um líder capaz de resgatar o sentimento de
orgulho alemão e conclamar a revanche pelas humilhações sofridas no conflito
mundial teve alta aceitação entre as massas. Só faltava encontrar um
inimigo comum e responsabilizá-lo. Spoiler para quem não viveu na
Terra nos últimos 80 anos: os judeus foram os escolhidos, assim como outras
minorias, como negros e homossexuais.
"Vemos o ser humano que já
perdeu todos os laços de solidariedade. Isolado e sem consciência de classe ou
de família, ele se torna um número na massa e é capaz de perpetrar as maiores
atrocidades como quem carimba um papel"
Para dar conta das aspirações nazistas,
criou-se uma verdadeira indústria da morte, comandada por homens como Adolf
Eichmann, que foi capturado em Buenos Aires em 1960.
No livro: Eichmann em
Jerusalém (Companhia das Letras), a filósofa política Hannah Arendt conta
a história do julgamento do oficial, e o descreve não como um “maníaco
assassino”, mas como um burocrata a serviço do partido, que tinha obrigação de
obedecer ordens. Quem disser que este é o conceito do termo “banalidade do
mal”, cunhado pela autora, ganha pontos no vestibular da vida.
“Vemos o ser humano que já perdeu
todos os laços de solidariedade. Isolado e sem consciência de classe ou de
família, ele se torna um número na massa e é capaz de perpetrar as maiores
atrocidades como quem carimba um papel”, afirma Ana Maria Dietrich.
O
extremismo político não respeita as contradições do jogo democrático e rejeita
a ideia de saber lidar com o outro. “No caso do nazismo, a lei de que só o
líder tinha razão e os judeus eram os culpados de todas as mazelas fazia que as
reflexões sobre os problemas perdessem o sentido”, completa.
Apesar de parecerem
historicamente distantes, algumas das premissas totalitárias do episódio ainda
não foram completamente resolvidas pela sociedade. “O argumento racional
faz parte do gênero humano, e o debate entre ideias diferentes é importante
para que as coisas se esclareçam”, diz Jaime Pinsky.
“Mas o limiar disso está
na racionalidade: quando passa a ter dogmas, você extrapola a racionalidade e
se torna um fanático”. Qualquer semelhança com o extremismo de discursos
entre “coxinhas” e “petralhas” observado nos últimos meses não é mera
coincidência.
O racha entre militantes do PT e
do PSDB teve início antes mesmo das eleições do ano passado, marcadas por
discussões intermináveis nas redes sociais, com o fim até de certas
amizades. Este ano, essas discussões entre pessoas pró e contra o governo
ganharam um novo palco: as ruas.
No dia 15 de março, manifestações
tomaram conta de 153 cidades do Brasil. Independentemente do lado, o que se vê
em alguns casos é o ódio tomar o lugar do debate:como se gritar “Dilma
vagabunda” ou desqualificar uma manifestação por causa da classe social de quem
participa fosse argumento.
Como lembrou o filósofo Vladimir Safatle em sua
coluna do jornal Folha de S.Paulo, o discurso de conciliação não funciona na
política porque é exatamente ela que coloca as contradições à mostra.
Para
ele, a “rachadura” do Brasil sempre existiu, com a ajuda da concentração de
renda, da disparidade regional e de preconceitos. “Essa polaridade apenas permitiu
que a divisão se expressasse”, escreveu ele.
Fé contra fogo
A psicologia ajuda a entender por
que grupos como o Estado Islâmico, o Boko Haram e a Al-Qaeda são tão
implacáveis com aqueles que consideram infiéis.
Ao coordenar as primeiras
pesquisas com homens-bomba frustrados (que não explodiram por problemas
técnicos ou por terem sido pegos pela polícia), o psicólogo Ariel Merari, da
Universidade de Tel-Aviv, constatou que os principais fatores que motivavam os
terroristas a tirar o pino de uma granada não eram a religião nem o desejo de
vingança, mas sim a vontade de ser admirado pelo grupo, compensando sua falta
de habilidade social. Ou seja, corresponder às expectativas do meio é um fator
mais dominante que a ideologia. “Eles eram jovens fracos e dependentes, não o
tipo de pessoa ideológica”, afirmou Merari a GALILEU.
Para a tristeza dos
conservadores, o islamismo não detém o monopólio do fundamentalismo religioso.
Em maior ou menor grau, grande parte das religiões já ultrapassou a linha do
extremismo.
Como lembra a professora Maria de Lourdes Corrêa Lima, do
departamento de teologia da PUC-Rio, o conceito do fundamentalismo tem início
no século 20, quando a American Bible League lançou em 12 volumes a obra: The
Fundamentals: a Testimony to the Truth (“Os pontos fundamentais: um
testemunho para a fé”, em tradução livre).
A ideia era defender os cristãos das
ameaças do liberalismo e do modernismo, que iam de encontro a suas convicções.
“O fundamentalismo se baseia numa visão dualista, segundo a qual tudo o que não
está de acordo com o que o grupo defende é considerado mau. Não entram mais em
jogo nem a reflexão nem a tolerância, mas somente a afirmação categórica de
certos princípios”, explica ela.
Vale lembrar que o fanatismo
religioso já despertava o interesse de filósofos, como o inglês John Locke, no
século 17, quando a reforma luterana esquentou o clima na Europa.
Para
Locke, ele próprio um religioso, ao povo era necessário dar assistência moral,
e não dogmas teológicos. Ele acreditava que representantes de religiões
diferentes pudessem conviver em paz, e que garantir o respeito entre opiniões
divergentes ficaria a cargo do Estado.
Mas, para o filósofo, até a tolerância
tinha limite. Por responder a um líder estrangeiro (o papa romano), os católicos,
que já haviam usado os tribunais da Inquisição para queimar desafetos na
fogueira, não deveriam ser contemplados com esse benefício, assim como os
ateus. “Os que negam a existência de Deus não podem ser tolerados de modo
algum”, afirmava ele.
Não é preciso viajar no tempo
para observar a ironia teológica. Parte da militância ligada a religiões
no Brasil atravanca a ampliação de direitos individuais e questões de saúde
pública, como a união civil homossexual e o aborto.
Não foi à toa que, no
início de março, um vídeo que mostra fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus
uniformizados como militares, marchando e gritando frases de efeito assustou
muita gente. Por parecer, de fato, um exército, não faltaram comparações
com os registros de Leni Riefenstahl da ascensão do regime fascista.
Não era para tanto. Segundo a Igreja Universal do Reino de Deus, a única atividade regular dos 4,3 mil jovens que compõem o projeto Guardiões
do Altar é assistir a aulas que “estimulam o debate e a reflexão sobre
aspectos do texto bíblico e do trabalho missionário”. Procurada por GALILEU, a
Universal enviou um texto disponível no seu site e respondeu às perguntas
solicitadas por e-mail com a pérola: “Se restarem dúvidas sobre o acima
explicado [no texto], ficará claro que a pergunta não tem sentido”.
“Eles acham que vocês são uma
ameaça”, afirma Fábio Marton, autor de Ímpio: o evangelho de um ateu (Leya).
Criado em um ambiente religioso, o jornalista foi pastor mirim e ajudou a
exorcizar a própria mãe quando fazia parte de uma igreja pentecostal conhecida
como Igreja Evangélica Exército Celestial.
“Foram quatro anos de introspecção,
até que notei uma coisa estranha em ser um robô de Cristo, uma autoaniquilação”,
afirma. Para Marton, um ponto-chave para entender os evangélicos no Brasil é
compreender sua relação com as religiões africanas. “Para os evangélicos, os
orixás são demônios, eles acreditam mais nisso do que em Deus. Esse clima de
batalha eles têm em comum com o fanatismo islâmico”, diz ele.
Para o psicólogo Ariel Merari,
apesar de certos tipos de pessoas serem mais fáceis de influenciar do que
outros, os mecanismos de convencimento usados por algumas igrejas são
semelhantes aos utilizados por muçulmanos extremistas, o que muda é a
influência cultural e social.
“São processos psicológicos universais que
resultam da pressão ou da vontade de ser apreciado pelo grupo”.
Morte e paixão no campo
Em 2013, Atlético Paranaense e
Vasco disputavam uma partida decisiva pela última rodada do Campeonato
Brasileiro. Se perdesse, a equipe carioca enfrentaria o segundo rebaixamento de
sua história. Logo após o início do jogo, os olhos concentrados no campo
voltaram-se para as arquibancadas.
Torcedores organizados dos dois times,
rivais de longa data, começaram uma briga que não conseguiu ser contida pelos
seguranças da Arena Joinville. O placar final de 5 a 1 para o Atlético
Paranaense foi mero detalhe frente à imagem de um pai vascaíno que protegia seu
filho em meio ao combate.
Apesar de os torcedores
organizados estarem associados a atos de violência, suas origens são políticas. “As primeiras organizadas surgiram na década de 1960 e foram influenciadas pelo
espírito da época, como um movimento de resistência e fiscalização dentro do
futebol”, afirma Felipe Lopes, que defendeu tese de doutorado no Instituto de
Psicologia da USP sobre o assunto. Mas, enquanto algumas torcidas se
organizavam como “fiscalizadoras”, o sentimento de militarização, reflexo da
época, também crescia.
“Certos grupos eram organizados
em ‘pelotões’, e seus dirigentes eram chamados de capitães. Essa se tornou uma
face mais ligada à guerra, machista e militarizada, e a partir dos anos 1980
essas torcidas deixaram as páginas esportivas para ocupar as páginas
policiais”, afirma o sociólogo Mauricio Murad, autor do livro: Para
entender a violência no futebol (Benvirá).
A perda da força de instituições
que eram fontes de identidade, como sindicatos e partidos, explica a escalada
da violência. Isso fez que as torcidas acabassem se tornando um dos
poucos espaços de reconhecimento social, ainda mais entre os jovens carentes de
lazer e cultura. Nesse caso, a devoção pelo time de futebol se mistura à
lealdade para com a torcida organizada.
“O futebol é um dos maiores patrimônios
da cultura coletiva brasileira e fruto de identidade social. Quando essa paixão
excede os padrões de sociabilidade, isso se torna fanatismo, deixando de
existir a diferença entre adversário e inimigo”, diz Murad.
Segundo o
pesquisador, o Brasil é o país mais violento do mundo em relação a conflitos
entre organizadas: de 2012 a 2014, 71 mortes foram registradas por aqui.
Ainda assim, apenas 7% dos
torcedores que pertencem a um grupo uniformizado participam dos conflitos. “Quem
rouba a bandeira de uma torcida rival, por exemplo, ganha reconhecimento”, diz
Lopes. Outra explicação para a violência se deve a fatores mais racionais, como
a disputa pelo poder no comando da própria organização, algo que acontece de
maneira recorrente nas barras bravas, as torcidas argentinas.
“Existe a venda
de drogas e álcool, o apoio financeiro de dirigentes, o lucro com a revenda de
ingressos... Então vemos mortes de pessoas mais velhas que estão implicadas
numa disputa pelo poder”, afirma André Luiz Nery, autor de Violência no
futebol: mortes de torcedores na Argentina e no Brasil (Multifoco).
Seguindo os conceitos de Le Bon,
Murad destaca a ideia do sentimento de invisibilidade no meio das massas como
causa da violência. “Quando vemos torcedores dizendo que vão morrer pelo seu
time e quando agridem outro torcedor, vemos esse lado irracional”, diz ele.
Já
para Felipe Lopes, é preciso tomar cuidado ao afirmar que as manifestações
violentas estão ligadas ao comportamento das massas. “Se a massa é
potencialmente violenta e irracional, você legitima a repressão”, ele afirma.
“Mas isso não quer dizer que a pessoa não aja de modo mais intenso quando está
em grupo: é esse contágio que faz o futebol ser tão interessante de ver de
dentro do estádio”.
Simpatia pelo consumo
Proporcionais ao aumento do
tamanho do iPhone são as filas de consumidores ávidos por adquirir as novidades
da Apple. As aglomerações já são uma atração aguardada não só por consumidores,
mas também por empreendedores do acaso, que chegam a cobrar R$ 400 por um lugar
na fila. Já para viabilizar o dinheiro necessário, a China é a mais inovadora.
Em 2012, um jovem chinês de 17 anos transformou em realidade uma metáfora ao
vender um rim para comprar um iPhone e um iPad. É claro que a euforia pela
marca não se deve somente a seu charme irresistível, o marketing eficiente
também tem seus méritos. A campanha de 2006 “I’m a Mac,
I’m a PC” deixa evidente a diferença do perfil dos consumidores da companhia e
aumenta o sentimento de pertencer a um grupo exclusivo.
Nos anúncios, o usuário
de Mac é retratado como um jovem descolado, enquanto os usuários de PC são
burocratas engravatados. Num artigo para o site Live Science, Albert Muniz
Jr., professor de marketing da Universidade DePaul, em Chicago, lembra que, nos
anos 1980, os applemaníacos já buscavam se diferenciar.
“Eles diziam que,
naquela época, era evidente que o pessoal da IBM tinha um jeito: vestia terno e
votava no presidente Reagan. Já o pessoal do Mac tinha outro: vestia jeans e
não votava no Reagan”.
Segundo Carlos Augusto Costa,
diretor do laboratório de neuromarketing da FGV Projetos, 92% dos consumidores
mudam de ideia na hora das compras. O desafio das marcas, portanto, é evitar
que isso aconteça. Uma das formas mais tradicionais é a associação com os trend
setters, pessoas que ditam tendências.
Ao vermos alguém renomado ou um ídolo
usando determinada marca de desodorante, por exemplo, tendemos a querer copiar
a ação. Culpa dos neurônios espelhos, que fazem que nossa percepção visual
inicie um tipo de simulação interna dos atos dos outros.
“Voltando um pouco às
propagandas da Johnson & Johnson, por exemplo, as mães podiam não ter bebês
tão bonitos como aqueles, mas poderiam fazer seus filhos usarem fraldas iguais;
o mesmo raciocínio serve para as propagandas de cuecas, e assim por diante”,
explica Costa.
Isso funciona bem quando temos
uma relação emocional acima da média com o produto. É por isso que para
entender o sucesso de uma marca como a Apple é preciso conhecer os mecanismos
da religião. Para Costa, as marcas que causam euforia têm símbolos fortes e
pessoas inspiradoras que disseminam suas filosofias, como é o caso de Jesus
Cristo na Igreja católica.
“Nosso cérebro também gosta de uma novela. Como
Buda, Maomé e Cristo, as marcas precisam criar envolvimento”, afirma ele. Nada
que o messias Steve Jobs não tenha feito durante suas pregações.
O caminho da tolerância
A incapacidade de compreender opiniões
diferentes é uma ameaça à democracia, mas existe uma forma de combater isso?
“A
liberdade deve ser sempre a maior possível, mas isso significa colocar certos
limites para garantir os direitos e a integridade de outros”, afirma Ricardo
Bins di Napoli, professor de filosofia da Universidade Federal de Santa Maria e
especialista em temas ligados à ética política. Para que isso seja possível, é
necessário construir uma cultura de tolerância que passe por todos os elementos
que compõem uma sociedade.
“É a capacidade de se abster de intervir na opinião
do outro, mesmo que se desaprove ou se tenha o poder para calá-la, cerceá-la ou
até prendê-la”, diz o professor.
A aceitação de valores diferentes
é um exercício de autocrítica. Ela cria as condições necessárias para
construir um diálogo positivo para o desenvolvimento de uma sociedade sem
rachaduras, na qual a palavra “respeito” não seja apenas uma estampa de
camiseta. Afinal, qual seria a graça do futebol se o rival fosse extinto?
Conflitos
nos fazem questionar e evoluir. Antes de xingar a mãe dos desafetos, talvez
seja melhor iniciar um diálogo capaz de conter o maior número possível de
opiniões. E isso inclui adicionar novamente aquele amigo excluído do seu
Facebook durante as eleições e os protestos de março. Mais amor e menos ódio,
por favor.
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