Quando as religiões e o Estado colidem - Por Filipe d’Avillez
Será que os crimes de honra são
uma realidade apenas muçulmana? Uma investigadora canadiana, especialista nas
relações entre estado e Igreja, explica porque acha que não.
Como é que uma religião
maioritária infiltra as práticas do dia-a-dia e as instituições, mesmo em
países que se consideram seculares, e como é que isso afecta as minorias? Estas são algumas das questões
que movem a investigadora canadiana Lori Beaman, da Universidade de Otawa,
especialista na relação tantas vezes complexa entre a religião e os estados.
Em Portugal para participar num
seminário de sociologia, Beaman falou com a Renascença sobre algumas das
grandes questões que se põem e que por vezes opõem as religiões aos estados. O Canadá, tantas vezes visto como
um país extremamente liberal e secular, não é excepção, como se viu há poucos
meses quando o Supremo Tribunal se pronunciou sobre uma cidade onde se rezava
antes das reuniões camarárias.
“O tribunal acabou por decidir que a oração
representava um uso inapropriado dos recursos do estado e que este não estava a
ser neutro. Mas o mais surpreendente foi a resposta. Por todo o país, surgiram
aldeias, vilas e cidades que ainda mantinham esta tradição, de rezar antes das
reuniões”.
“Ainda por cima, muitos destes sítios insistiram que iam continuar a rezar, isto num país que se considera secular”. Se no Canadá estas situações podem por vezes chegar aos tribunais, nos vizinhos Estados Unidos da América dividem radicalmente a sociedade e têm enorme repercussão mediática e política. Uma diferença de estilo, considera Beaman:
“Ainda por cima, muitos destes sítios insistiram que iam continuar a rezar, isto num país que se considera secular”. Se no Canadá estas situações podem por vezes chegar aos tribunais, nos vizinhos Estados Unidos da América dividem radicalmente a sociedade e têm enorme repercussão mediática e política. Uma diferença de estilo, considera Beaman:
“As frentes de batalha estão mais
endurecidas nos Estados Unidos do que no Canadá. Nós tendemos a navegar e
negociar melhor, estamos menos dispostos a expor as nossas crenças religiosas e
somos mais reservados do que os americanos. Nos Estados Unidos há mais vontade
de confronto e para ver as questões por uma óptica de reivindicação de
direitos, e menos para negociar e procurar soluções”.
Ao longo dos últimos anos grande
parte dos choques entre estado e religião têm a ver com o Islão, tanto na
Europa como no continente americano. Questões como a licitude de se usar véu
islâmico que tape a cara, por exemplo, ou mesmo em relação à prática da
poligamia, são motivo de fricção social e legal.
Mas o problema pode ser apenas
cultural, sugere Beaman, que dá o exemplo de um caso que aprofundou. “Há alguns
anos houve um caso horrível no Canadá em que várias jovens mulheres e a sua mãe
foram assassinados, num crime de honra. Seguiu-se uma discussão que envolveu
todo o país”, explica.
“Pela discussão parecia que estes crimes ocorriam apenas numa comunidade, a muçulmana. Mas eu sugeri que olhássemos de forma mais geral para a violência contra as mulheres e que pensássemos em como isso afecta a nossa sociedade. Olhando para os casos de tribunal que envolvem homens que mataram as mulheres, vemos que a linguagem tem tudo a ver com honra. ‘Ela merecia’, ‘o que é que as pessoas iam pensar de mim?’”.
“Pela discussão parecia que estes crimes ocorriam apenas numa comunidade, a muçulmana. Mas eu sugeri que olhássemos de forma mais geral para a violência contra as mulheres e que pensássemos em como isso afecta a nossa sociedade. Olhando para os casos de tribunal que envolvem homens que mataram as mulheres, vemos que a linguagem tem tudo a ver com honra. ‘Ela merecia’, ‘o que é que as pessoas iam pensar de mim?’”.
“Se olharmos bem começamos a ver
as semelhanças e deixamos de nos sentir superiores e podemos questionar até que
ponto existe mesmo igualdade entre homens e mulheres, como dizemos”, conclui.
Lori Beaman esteve em Portugal
para participar no seminário: “Religião no espaço público: trajectórias de
investigação”, que decorreu em Lisboa nos dias 6 e 7 de Maio passados.
Fonte: http://rr.sapo.pt
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