Curvou-se, tem que rezar – Por Alice Melo
Pesquisadores encontram prisão
eclesiástica no subsolo de convento em Alagoas.
A porta pequena forçava o
penitente a entrar no cômodo apertado em reverência, curvado. Ele deveria estar
consciente de seu ato de suplício. Esta característica sutil presente nas
poucas prisões eclesiásticas projetadas em conventos do Brasil Colonial levou
pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) a identificar uma
destas celas no subsolo do Convento e Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em
Penedo, a 152 km de Maceió.
O espaço foi descoberto durante
uma escavação preventiva que antecederia a reforma de instalação de banheiros e
de um elevador na edificação do século XVII. Clérigos e pesquisadores ficaram
surpresos: é a primeira prisão eclesiástica encontrada no estado.
O convento foi tombado pelo Iphan
em 1949 e há cinco anos está fechado para restauro geral. As obras são
financiadas pelo próprio Instituto, que contratou a equipe integrada pelo
arqueólogo Flávio Moraes, da UFAL. O professor comenta que o cômodo estava
sendo utilizado como depósito quando as pesquisas começaram, há um ano.
“Antes das escavações, fizemos um
levantamento de edificações franciscanas, e já tínhamos visto que era comum
haver um local de clausura de frades. Indícios de que o cômodo seria uma cela
eclesiástica eram o piso e a porta baixos, e o fato de ficar próximo à cozinha”.
O frei Alexandre, do Convento
Nossa Senhora dos Anjos, diz que não há registro de cumprimento de pena de
frades franciscanos no livro de tombo da instituição, e acredita que o cômodo
possa ter tido utilidade também de autopenitência. “Pode ter sido uma cela
destinada aos religiosos, para o caso de alguém descumprir alguma norma e
resolver se punir”.
Foram encontrados no local, sob o
piso atual, instrumentos de porcelana, duas panelas de ferro, marca de latrina
e até restos de comida. São evidências semelhantes às de outras celas de
clausura detectadas em instituições da ordem religiosa erguidas no Nordeste,
entre os séculos XVI e XVIII.
É o caso do Convento Franciscano de Cairu, na
Bahia. O restaurador José Dirson Argolo, responsável pelas intervenções neste
patrimônio arquitetônico, financiadas pelo projeto Monumenta (2009), diz que
encontrou em Cairu vestígios do “sanitário individual na própria cela”.
E reitera que “naquele local eram
colocados os padres ou frades que desobedeciam à norma corrente”. Segundo o
restaurador, celas com estas características podem ser vistas até hoje no
Convento de Santa Teresa (atual Museu de Arte Sacra), abrigo de padres
carmelitas em Salvador, local em que também trabalhou.
De acordo com a Superintendência
do Iphan de Alagoas, uma passarela de pavimento de vidro, superior ao sítio
arqueológico feito no local da antiga prisão de Penedo, será instalada, para
que a descoberta “seja explorada museograficamente”.
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