Andar com fé – Por Shirley Pacelli
Conheça as histórias da rapper
evangélica, do ator católico, da cantora que saúda os orixás, do músico
espiritualista e da coreógrafa espírita.
"No cenário do rap gospel,
eles se consideram adoradores e não artistas. Respeito, mas é diferente da
minha proposta", Tamara Franklin, rapper evangélica. “Que o pão nosso de cada dia não
seja só pros bacanas. Nos ensine a perdoar, porque o rancor engana”.
Os versos da canção: Oração, da
rapper Tamara Franklin, de 24 anos, que foi criada desde pequena nos cultos da
Igreja Batista, mostram o conflito interno que ela trava todos os dias: seguir
os preceitos do cristianismo ou se dedicar de maneira mais “agressiva” às
questões sociais inseparáveis do rap?
Diferentemente de Joelma, que
anunciou recentemente a intenção de se tornar uma cantora gospel para se
dedicar exclusivamente “à obra de Deus”, Tamara tenta se desvincular
do rótulo gospel. Nome promissor no cenário do hip-hop mineiro, Tamara lançará
o CD Anônima em Novembro.
Seu primeiro contato com a cultura hip-hop se deu
dentro de uma igreja em Ribeirão das Neves, quando tinha 8 anos. Ainda hoje,
ela frequenta os cultos de uma congregação cuja líder é negra e desenvolve
trabalhos voltados à periferia. A comunicação se torna ainda mais fácil quando
até os pastores dançam break.
“Sou declaradamente evangélica.
Mas acho que dizer que meu trabalho é em prol da religião limita minha arte.
Minhas músicas têm essa influência, mas são voltadas, especialmente, para um
discurso racial e social”, afirma.
Conciliar um discurso crítico na arte com o
cristianismo, para a rapper, é tarefa árdua. “No cenário do rap gospel, eles se
consideram adoradores e não artistas. Respeito, mas é diferente da minha
proposta”. Ela afirma que a igreja já colaborou muito na opressão do negro e da
mulher.
Questionando falas de lideranças
religiosas, Tamara às vezes é vista como rebelde no meio evangélico. “Muitos gostam de
abraçar tudo o que o pastor fala, mas não param para pensar no contexto. Eu
convido para a reflexão”, diz.
Apesar disso, seu público, formado tanto por
cristãos quanto por fãs de rap, a recebe bem. “Nunca cheguei no palco com um
discurso de querer converter todo mundo”, afirma.
“Católico, apostólico e
romântico” que é, o ator Carlos Nunes não imagina como desvencilhar o papel de
ator do cristão. O intérprete da popular peça Como sobreviver em festas com
buffet escasso tem em Francisco, Do rio ao riso, sobre a trajetória de São
Francisco de Assis, seu mais recente espetáculo. A ideia veio depois de uma
viagem à Itália, país de origem do santo.
O ator frequenta a Igreja Nossa
Senhora da Consolação e Correia, no Santo Agostinho (BH), onde se confessa
anualmente. “O padre da paróquia fala italiano e até me ajudou com alguns
trechos da encenação”, conta. Contudo, o espetáculo não é católico. “Vou mentir
se disser que é. Privilegiamos o ecologista, e não a história da santidade”.
Carlos Nunes diz que, desde
criança, “celebrava missas” no Serro, cidade mineira onde foi criado. A mãe
achava que ele queria ser padre, quando, na verdade, ele já fazia teatro sem
saber.
“Eu cortava banana em tirinhas bem fininhas para fazer de hóstia. Subia
no caixotinho e começava a missa”, relembra. Nunes diz que pauta sua vida pelos
princípios cristãos da bondade, justiça e honestidade. “Nunca fui prejudicado
ou protegido por declarar abertamente a minha religião”.
Orixás
Preconceito na pele já viveu a cantora Aline Calixto. Suas letras de samba, repletas de referência a orixás, já foram usadas como argumento para deixá-la de fora de um festival.
Preconceito na pele já viveu a cantora Aline Calixto. Suas letras de samba, repletas de referência a orixás, já foram usadas como argumento para deixá-la de fora de um festival.
“Não vou parar de cantar por isso. Todo esse aparato
religioso faz parte da identidade do povo. Acho importante: é uma bandeira que
levanto”, afirma.
Com formação católica, como
grande parte dos brasileiros, Aline chegou também a se dedicar à umbanda e ao
candomblé. Atualmente, não tem vínculo com nenhuma religião. “Faço muita
meditação e frequento grupos de estudos filosóficos, como a Instituição
Pró-Vida”, diz.
As religiões de matrizes
africanas influenciam diretamente o trabalho da sambista. “É normal que eu
cante as temáticas afro: é a história do samba. Isso sobrepassa a questão
religiosa”.
Meu ziriguidum, terceiro e mais
recente disco de Aline, traz duas músicas nessa linha: Ibamolê, que fala de
Oxum, orixá de energia feminina, e Lendas da mata, com referências ao folclore
brasileiro.
A cantora e compositora se diz grata
a tudo que aprendeu e viveu dentro do candomblé e da umbanda. “É sempre
encantador quando estou no palco contando a história de algum orixá. A energia
que emana daquele momento é muito boa para mim e para o público. Canto com
respeito, amor e carinho. As pessoas se sentem tocadas”.
Em tempos de intolerância às
orientações religiosas, Aline acredita que os artistas deveriam se posicionar
mais. “Acho importante propagar essa onda de respeito”.
Diferença
“O desafio hoje é conviver com a diferença”, avalia Júnia Bertolino, diretora e coreógrafa da Cia. Baobá Minas. O grupo de dança afro-brasileira está prestes a lançar um novo espetáculo sobre mulheres guerreiras, tendo o orixá Ogum, do candomblé, como inspiração.
“O desafio hoje é conviver com a diferença”, avalia Júnia Bertolino, diretora e coreógrafa da Cia. Baobá Minas. O grupo de dança afro-brasileira está prestes a lançar um novo espetáculo sobre mulheres guerreiras, tendo o orixá Ogum, do candomblé, como inspiração.
A artista, que já cantou em coral de igreja
católica e foi do candomblé, hoje se declara uma espírita em busca de
autoafirmação e equilíbrio. “Arte para mim é uma forma de comunicação entre
Deus e os homens”.
Na preparação corporal do elenco
da Baobá, elementos da cultura afro e indígena estão presentes, como a relação
do céu e da terra, dos pés fincados no chão, em comunhão com a natureza e a
necessidade de se posicionar em círculo. “Dançar é também uma forma de louvar.
Dança-se para comemorar tudo: colheita, sol, chuva e até a morte”, diz a
coreógrafa.
Fundador e um dos porta-vozes do
bloco Pena de Pavão de Krishna, o músico Gustavito defende a espiritualidade
universal. “Frequento comunidades ayahuasqueiras, templos hare krishna, casas
de umbanda e de candomblé. Tenho influências filosóficas do budismo e adoro
cantar a Oração de São Francisco”, diz.
Gustavito diz não pertencer a
nenhuma vertente religiosa específica. “Em uma espécie de farra de carnaval, o
bloco tem a ousadia de brincar com o sagrado, misturando todas as possíveis
formas de espiritualidade”, diz ele. Para o músico, o único preceito a ser
seguido é a paz. Suas músicas têm ritmo ijexá (próprio do candomblé), além do
samba-reggae, e “entram na atmosfera de boas vibrações, sem preconceito”.
Gustavito afirma que o
espiritualismo é algo novo que tem ganho força nas discussões sobre religião.
“As pessoas seguem diversos movimentos espirituais, sem ser exatamente devotas
de um específico. É uma forma de relação com a religião bem nova, que tem a ver
com nosso mundo contemporâneo”.
Fonte: http://divirta-se.uai.com.br
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