Documentário português retrata 'A Última Religião' no Brasil
Um jornalista português retratou
em documentário as origens, o culto e a minoria seguidora da "Última
Religião", a da Humanidade, com marca em símbolos nacionais do Brasil onde
figura, aliás, um último reduto.
Documentário de estreia do
jornalista português Hugo Pinto, de 35 anos, radicado em Macau, versa sobre
Religião da Humanidade, sem Deus e dos Homens, concebida pelo filósofo francês
Auguste Comte, no século XIX, que tem o único "templo" de portas
abertas na cidade brasileira de Porto Alegre.
"O tema congrega quase todas
as minhas áreas de interesse: a filosofia, a religião, a ciência e a História.
Depois, sempre me fascinou o interesse que Auguste Comte tinha em criar uma
ciência da organização da sociedade e a forma como pensou todos os seus elementos
estruturantes", explicou Hugo Pinto.
O documentário foi filmado no
Brasil, onde esteve aproximadamente um mês para conhecer a influência de uma
religião, em cujos princípios Hugo Pinto vê atualidade: "Há ideias que
fazem sentido, que se mantêm muito oportunas, como o altruísmo, um termo que o
próprio cunhou".
A doutrina positivista de Comte
influenciou inclusive a própria História do Brasil, onde tem hoje o último
bastião. "Estiveram na Proclamação da República e até desenharam a
bandeira nacional, no entanto, poucos conhecem a importância histórica dos
positivistas", ignorando, por exemplo, que "a 'Ordem e Progresso' é
um lema do positivismo".
"A doutrina, em voga na ala
militar, cujo movimento levou à proclamação da República, teve em Miguel Lemos
e em Raimundo Teixeira Mendes, dois intelectuais que foram estudar para Paris,
então centro do mundo, os grandes promotores das ideias positivistas",
importadas, portanto, pelas elites para um Brasil carente de reformas e ávido
de mudança.
"Quando regressaram,
primeiro criaram o apostolado positivista, mais tarde, a igreja positivista do
Brasil, e esse foi o grande centro difusor. Imprimiram centenas de panfletos,
explicando as ideias e abordando diversos temas, como a importância da
laicidade, do respeito pelas populações indígenas, (...), das leis
trabalhistas. Todas estas são conquistas que reclamam como grandes legados
deixados pelos positivistas", observa.
Um dos aspectos que o surpreendeu
foi o facto de ideais como a laicidade terem penetrado num país maioritariamente
católico que tem, aliás, o Cristo Redentor como um dos principais símbolos.
"Foi outro dos motivos pelos quais esta história me fascinou, porque é, de
facto, um terreno imensamente fértil para as religiões, até para a da
Humanidade".
Comte "acreditava que o
mundo só poderia ser explicado pela ciência e que a Fé seria substituída pela
Razão", rejeitava um Deus sobrenatural, mas reconhecia na religião
"um papel importante de união em torno de uma ideia comum e uma ordem
moral contra a anarquia do egoísmo".
Contudo, ressalva Hugo Pinto, o
filósofo francês imaginou que pelo mundo fora seriam erigidos Templos da
Humanidade, mas isso só aconteceu no Brasil e em duas cidades: Rio de Janeiro e
Porto Alegre. Hoje, apenas os pilares de um se encontram de pé, frequentado por
poucas dezenas de "fiéis".
"A Última Religião" dá
a conhecer "as ideias e as pessoas que, hoje, ainda defendem e acreditam
num mundo mais dominado pelo conhecimento e pelo altruísmo como formas de
combater dois dos maiores problemas à escala global: o fundamentalismo
religioso e os horizontes fechados do capitalismo", disse.
Hugo Pinto prepara-se agora para
lançar a produção independente, que contou com a realizadora portuguesa Luísa
Sequeira, no circuito dos festivais, sem esconder a natural preferência por
salas do Brasil, Europa e Ásia.
Questionado se acabou por se
render à doutrina, o jornalista responde: "Comte diz que todos somos
positivistas, mas em graus diferentes".
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