Onde termina o extremismo religioso e começa a loucura? - Por Lúcia Müzell
A justiça francesa começou a julgar Alexandre Dhaussy, um homem de 24 anos
que esfaqueou um militar em 2013 e insiste ter agido em nome de Alá.
Mas a
defesa sustenta que o jovem não é um terrorista, mas sim tem distúrbios
mentais. Distinguir a linha tênue que separa os dois argumentos pode ser uma
missão complexa até para os especialistas.
Dhaussy foi analisado por um
colegiado de sete psiquiatras e psicólogos que não conseguiram chegar a um
consenso sobre a personalidade do acusado. Não raro, os autores de atentados
simulam loucura quando confrontados à justiça e à perspectiva de uma pena
severa. O contrário também é comum, diante da mediatização dos casos de
terrorismo, o suspeito pode se sentir tentado a evocar um atentado apenas para
atrair atenção.
O psicanalista e professor de
psicopatologia Patrick Amoyel estuda há anos essa complexa questão. Ele adverte
que o primeiro desafio é se separar dos estereótipos. “Os que são mais
perturbados da cabeça não são necessariamente os mais perigosos. Há pessoas
muito equilibradas e que acabam colocando uma bomba no metrô ou em um cinema”,
disse.
O especialista destaca que, mesmo
entre aqueles que se radicalizam na religião, há inúmeros perfis distintos. Os
que se aproximam da rede terrorista Al Qaeda, por exemplo, são mais doutrinados
no islamismo fundamentalista, enquanto que os que são atraídos pelo grupo
Estado Islâmico tendem a buscar um sentido para a vida.
“Temos todo o tipo de origem
sociológica, de pobres a ricos. Há pessoas de famílias normais e de famílias
desestruturadas, e a estrutura psíquica pode ser de psicóticos, perversos ou de
neuróticos normais. Mas no caso específico do Estado Islâmico, há mais jovens
desencantados, desamparados pela família”, explica o professor.
“Com frequência, eles não tiveram
a presença do pai. Eles estão em busca de alguma coisa que lhes estruture um
pouco, de um reconhecimento. Já os terroristas da Al Qaeda têm em comum o fato
de terem uma educação religiosa muito rígida, algo que não necessariamente se
verifica nos que seguem o Estado Islâmico”.
O jihadismo, ideologia religiosa
radical que surgiu há mais de 1.300 anos, esteve por séculos adormecido até ser
resgatado por Osama Bin Laden e a Al Qaeda. Ao pregar a glorificação da morte e
da violência e prometer o paraíso aos mártires, faz com que, para muitos
jovens, a vida não tenha mais valor.
“É um sistema mental quase
psicótico. Eles se motivam por um paraíso totalmente delirante, com 72 virgens,
rios de vinho etc. Há um culto à morte e uma série de coisas que se agregam à
personalidade psicótica”, afirma. “Ou seja: mexe em coisas que, em geral, o ser
humano normal consegue deixar de lado na sua vida”.
O psicanalista observa que, ao
contrário dos clichês, os candidatos ao jihad não são pessoas mais propensas ao
crime do que outras. Se eles decidem se unir aos terroristas, é porque
encontram no discurso radical um conforto para as suas angústias internas. Para
outros, é a imersão profunda na religião que é determinante.
Amoyel ressalta que os adolescentes são as presas perfeitas para o ideal jihadista. Não à toa, são os jovens que engrossam as fileiras do grupo Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
Amoyel ressalta que os adolescentes são as presas perfeitas para o ideal jihadista. Não à toa, são os jovens que engrossam as fileiras do grupo Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
“O adolescente é alguém
'radicalizável'. Que seja pela extrema-esquerda, a extrema-direita ou pela
religião, há um radicalismo latente nos jovens de 15 a 30 anos. O jihadismo é
um discurso que vem trazer sentido à vida, na medida em que a vida não tem
nenhum sentido, afinal a verdadeira vida começa após a morte”, analisa.
A decisão final da justiça
francesa sobre o caso de Dhaussy vai sair em Novembro. O Ministério Público
pediu que ele seja internado em uma instituição psiquiátrica.
Fonte: http://www.paulopes.com.br
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