Cuba e as religiões – Por Dom Demétrio Valentini
Por esta, nem Fidel Castro, nem
Frei Betto, poderiam sequer ter imaginado: ver Cuba como sede do histórico
encontro entre o Papa Francisco e o Patriarca Kirill, da Igreja Ortodoxa Russa.
Frei Betto se notabilizou com o
livro publicado por ele, décadas atrás, quando ainda eram muito tensas as
relações entre o governo cubano e a Igreja Católica. Com seu título chamativo, "Fidel
e a Religião”, o livro de Frei Betto se tornou um "Best-seller”, e despertou enorme curiosidade. Mas, sobretudo, foi
pavimentando o caminho para o desenho de outra imagem de Fidel Castro, e das
surpreendentes coincidências entre as preocupações da revolução cubana e as
motivações da religião.
A argúcia do entrevistador foi
despertando as reações do famoso entrevistado. Mas Frei Betto soube muito bem
colocar sua arte de escritor a serviço de uma causa na época muito arriscada:
superar os preconceitos contra um personagem de inegável peso histórico, e ao
mesmo tempo mostrar as possibilidades de interação positiva entre fé e
política, entre Igreja e Estado, entre governo e religiões.
O surpreendente encontro em Cuba,
entre o chefe da Igreja Católica, o Papa Francisco, e o chefe da Igreja
Ortodoxa Russa, o Patriarca Kirill, de Moscou, vem consolidar o processo de
abertura do regime cubano, e a progressiva aproximação dos outros países, que
vão normalizando suas relações com este país latino-americano que carrega uma
inegável contribuição política, e conta com um personagem extraordinário, que
ainda está vivo, e que desmente pessoalmente as reiteradas versões de que ele
iria permanecer no comando do governo cubano até sua morte. Ao contrário, ele
teve a coragem política de renunciar ao cargo de Comandante, deixando sólidas esperanças
de que a sucessão política em Cuba encontre sua maneira adequada de acontecer e
de se normalizar.
Quando João Paulo II realizou a
primeira visita de um Papa a Cuba, ele lançou o desafio que parece ter captado
bem o alcance da experiência cubana. Propôs que "Cuba se abra ao
mundo, e o mundo se abra a Cuba”.
Para sugerir que a experiência
cubana ainda precisava ser consolidada, e ao mesmo tempo precisava ser
valorizada, num mundo que tem tanta necessidade de superar preconceitos que
perturbam a convivência pacífica entre regimes políticos de diferentes visões
de vida.
Em termos de relações entre
países, o fato mais significativo foi, sem dúvida, o restabelecimento das
relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba, já formalizado
oficialmente. Agora, para consolidar este
novo relacionamento, o Presidente Barak Obama anunciou que visitará Cuba dentre
de poucas semanas.
Com 50 anos de embargo econômico,
tramado pelos Estados Unidos, não é de estranhar que exista agora um longo e
penoso caminho de vivência política e de abertura econômica, que exige tempo
para ser implementado.
Mas o fato de Cuba ter sediado o
surpreendente e inesperado encontro religioso, entre o Papa e o Patriarca
russo, confere a este país um peso simbólico muito importante. Cuba pode
se apresentar ao Presidente Obama como o anfitrião privilegiado para hospedar
os interlocutores da convivência pacífica entre mundos diferentes, e o diálogo
construtivo para a superação de preconceitos históricos.
Em meio ao horizonte sombrio que
tolda as esperanças de uma paz verdadeira, existem sinais positivos que precisam
ser valorizados. Desta vez estes sinais foram protagonizados pela religião. Sob
inegável patrocínio da experiência cubana.
Dom Demétrio Valentini - Bispo
emérito de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira até novembro de 2011.
Fonte: http://site.adital.com.br
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