Pesquisador afirma que Igreja Universal está perdendo fiéis para seus “clones” - Por Dan Martins
O professor Leonildo Silveira
Campos, titular da Universidade Metodista de São Paulo – Umesp, concedeu uma
entrevista ao IHU (Instituto humanitas Hunisinos), na qual falou sobre a queda
do número de fiéis da Igreja Universal (IURD), e do futuro das igrejas mediante
o surgimento e fortalecimento das mídias digitais, que permite cultos e
práticas religiosas possam ser realizadas cada vez mais pela internet.
Sobre a queda do número de fiéis
da IURD, que foi de 10% na última década, Campos explicou que a diversidade e a
competitividade interna no pentecostalismo estimulam a disputa por fiéis, mesmo
entre os que dizem ser a experiência com o Espírito Santo um fator de unidade.
Ele falou também sobre a influência do fator financeiro e social dos fiéis na
escolha pela igreja.
- Os muito pobres são mais
facilmente atingidos pela pregação dos milagres e prodígios. Esses estão fora
de esforços que resultem de um processo de planejamento das atividades
cotidianas. Eles levam uma vida tão dura, que somente um milagre resolve. Nesse
sentido, a Igreja Mundial, Igreja do Evangelho Quadrangular ou a Deus é Amor
levam vantagem nessas camadas sociais mais pobres onde a IURD perde a
competitividade – explica.
O professor ressalta também que o
surgimento de “igrejas clones” da IURD, ao que ele destacou a Igreja Mundial do
Poder de Deus – IMPD, fundada pelo ex-bispo da Universal Valdemiro Santiago,
também vem tomando espaço entre esses fiéis.
Citando a pesquisadora francesa
Marion Aubree, Campos afirmou que a IURD trouxe significativas adaptações ao
pentecostalismo dentro de um quadro marcado pela globalização, pluralismo e
diversidade do campo religioso, e hoje experimenta o ataque externo provocado
por novos movimentos neopentecostais que a imitam.
Leia a entrevista na íntegra:
IHU On-Line – A Igreja Universal
perdeu 10% dos fiéis na última década. Essa perda está relacionada com que
fatores?
Leonildo Silveira Campos – Os
números indicam que a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD perdeu 11% de
seus fiéis ao longo da década. Os evangélicos tradicionais perderam desta vez
só 0,1% e a Igreja Católica caiu do patamar dos 73,6% para o de 64,6% da
população brasileira. Os evangélicos atingiram o patamar dos 22,2%. Entre os
que mais cresceram estão a Assembleia de Deus, 46,4%; a Igreja do Evangelho
Quadrangular, 38,5%; e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, 9,2%. A Assembleia de
Deus ganhou 3,8 milhões de novos fiéis na década, o que representa um total de
1.082 novos fiéis por dia, durante 10 anos.
Indagações
Por sua vez, há igrejas
pentecostais que não cresceram. Entre elas está a Congregação Cristã no Brasil,
que caiu 8%. Há uma questão interessante e pouco discutida: Por que há
pentecostais que cresceram enquanto outros perderam força? Que tipo de mensagem
atrai fiéis de um grupo e os afasta de outros? Por quais motivos esse
significativo número de pessoas deixou a IURD? Para que grupo ela está doando
fiéis? Ela estaria alimentando outras denominações pentecostais, a majoritária
Assembleia de Deus? Ou as pessoas estão procurando igrejas pentecostais menores
onde há um espaço social mais favorável para uma maior experiência comunitária?
É possível também que todos esses fatores influenciem nesse trânsito. Porém,
não se pode descartar que o pluralismo, a diversidade e a competitividade
interna no pentecostalismo estimulam a disputa por fiéis, mesmo entre os que
dizem ser a experiência com o Espírito Santo um fator de unidade.
Igrejas “clones”
Deve-se ressaltar também o
aparecimento do que Marion Aubree (pesquisadora francesa) chamou de “igrejas
clones da Universal”. Isto é, ao longo de 35 anos de uma história marcada por
sucesso numérico, essa Igreja, que trouxe significativas adaptações ao
pentecostalismo dentro de um quadro marcado pela globalização, pluralismo e
diversidade do campo religioso, experimenta hoje o ataque externo provocado por
novos movimentos neopentecostais que a imitam. Entre outras, a de maior sucesso
é a Igreja Mundial do Poder de Deus – IMPD, fundada pelo ex-bispo iurdiano
Valdemiro Santiago. Porém, já nos primeiros anos de história da IURD, surgiu a
Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo cunhado do bispo Edir Macedo,
um dos iniciadores da IURD. Com a saída dos demais empreendedores iniciais,
Macedo ficou sozinho à frente do próspero empreendimento. Muitas das
estratégias da Universal foram copiadas por esses novos empreendedores que
foram acrescentando mais algumas características e adaptações julgadas
necessárias para o continuado sucesso da fórmula herdada. O crescimento desses
concorrentes, assim como a possível ascensão socioeconômica da classe C,
encontra nas condições favoráveis de vida outras saídas além da busca do
exorcismo e da prosperidade. É possível ainda que tenha aumentado o número dos
que se sentem “decepcionados” com as promessas alicerçadas em estratégias
publicitárias e marqueteiras. O aparecimento de produtos mais em conta no
mercado e de ofertas mais vantajosas pode estar influenciando mais pessoas que
as análises acadêmicas pressupõem.
IHU On-Line – Qual a
peculiaridade e as principais características da IURD que a diferencia das
demais religiões?
Leonildo Silveira Campos – Ao
longo de sua história, a IURD construiu um império mediático que lhe fornece
pontes para uma comunicação rápida, unificada e eficiente com a sua clientela.
Há ainda uma rede capilar de templos, cobrindo quase que inteiramente a América
Latina, partes da África e Europa. No entanto, essa expansão exigiu que a IURD
se tornasse mais flexível e inclusiva com relação às culturas locais. As suas
campanhas especiais, e muitas vezes a nomenclatura dos locais de cultos e
formas de atividades, geram nas pessoas um sentimento de que, mesmo abandonando
seus cultos católicos, mágico-indígenas ou africanos, eles continuam habitando
o mesmo universo de sentido. A IURD conseguiu levar vantagem sobre as demais
por ter optado e trabalhado a partir dos desejos e sonhos de uma vasta parcela
da sociedade contemporânea. Enquanto isso, ela oferece produtos simbólicos
“remasterizados”, dissimulando a ideia de ruptura, trocando-a por uma aparente
continuidade com as culturas locais. Estaria a fórmula desenvolvida por Edir
Macedo caindo no domínio público, tornando a sua Igreja vítima de suas próprias
estratégias de um marketing de guerra?
IHU On-Line – Qual o perfil dos
praticantes da Igreja Universal?
Leonildo Silveira Campos – As
pessoas atraídas pela pregação da IURD não aparentam ser de classes sociais
paupérrimas. Os muito pobres são mais facilmente atingidos pela pregação dos
milagres e prodígios. Esses estão fora de esforços que resultem de um processo
de planejamento das atividades cotidianas. Eles levam uma vida tão dura, que
somente um milagre resolve. Nesse sentido, a Igreja Mundial, Igreja do
Evangelho Quadrangular ou a Deus é Amor levam vantagem nessas camadas sociais
mais pobres onde a IURD perde a competitividade.
IHU On-Line – A que se deve o
sucesso de empreendimento da IURD? Quantos templos existem atualmente no
Brasil?
Leonildo Silveira Campos – A IURD
sempre escolheu o lugar para os seus templos: em corredores de passagem,
próximos a estações de ônibus, de trem ou de metrô. Nos seus primeiros 20 anos,
o número de pequenos e médios templos era grande. Havia uma maior capilaridade,
incluindo-se os interiores dos bairros. Nos últimos 10 ou 15 anos, a IURD
passou a construir enormes catedrais, cujos nomes vão desde a “Catedral da Fé”
até o nome bíblico do lugar onde os cristãos se reuniam em Jerusalém – cenáculo
ou aposento alto – chamados em seus programas televisivos de “Cenáculos do
Espírito Santo”.
Cenáculo, templo e catedrais
Nos depoimentos, possivelmente
editados, poucos dizem que a vida melhorou após frequentarem a Igreja Universal
ou irem ao templo. Elas dizem com facilidade muito grande (como se não houvesse
um calejar dos vocábulos anteriores) que a vida melhorou depois que passaram a
frequentar os Congressos Financeiros no Cenáculo do Espírito Santo. Em São
Paulo, está sendo construída uma réplica idealizada do templo de Salomão. A
questão será, caso um dia o crescimento explosivo dos anos 1990 diminua, o que
fazer com tantos imóveis tão grandes como os que estão sendo construídos.
Quanto às catedrais, o ajuntamento deve ter criado a ilusão de crescimento
numérico, com a correspondente queda nos gastos de aluguel, imposto predial,
gastos com a manutenção de recursos humanos e de material necessário para o
funcionamento de milhares de pequenos e médios templos.
Realmente houve um crescimento
explosivo de evangélicos na década terminada em 2010. Mas o pentecostalismo que
mais cresceu mesmo foi o da Assembleia de Deus e das que o Censo classificou
como “outras igrejas de origem pentecostal”, que saltaram dos 1,84 milhão
(2000) para 5,26 milhões (2010).
IHU On-Line – Os números do Censo
2010 mostram a explosão de fiéis que se dizem apenas evangélicos, mas não estão
vinculados a nenhuma igreja. O que esse dado revela?
Leonildo Silveira Campos – O
aparecimento de uma nova categoria, “evangélicos sem igreja” ou os “evangélicos
não determinados”, foi uma novidade que já havia se manifestado em pesquisas
anteriores, como a de 2009 (POF), que tomou por base os números da pesquisa dos
orçamentos familiares. Esses “evangélicos não determinados” chegaram ao índice
de 4,8%, acima dos 4% dos evangélicos de missão (ou tradicionais), porém,
abaixo dos pentecostais, 13,3%.
Ricardo Mariano (Folha de S.
Paulo, 30-06-12) apontou corretamente que “o inchaço da categoria evangélica
não determinada reduzir artificialmente o crescimento pentecostal”. É possível
que uma boa parcela desses evangélicos não determinados tenha práticas
carismáticas ou pentecostais.
“Paróquia virtual”
Porém, há um crescente número de
evangélicos que não mais se adapta às estruturas burocráticas (que exigem
arrecadação de dízimos e ofertas) e preferem limitar a frequência aos cultos a
alguns dias por ano, aumentando a prática do lazer, ou até fazendo parte do que
temos chamado de “paróquia virtual”, praticando uma religiosidade evangélica na
rede mundial de computadores. Como prova disso, aumenta o número de igrejas que
transmitem seus cultos pela internet, chegando os pastores ao agradecimento
pelas visitas presenciais e invocando uma bênção especial para os que
acompanham o culto virtualmente. Talvez esses evangélicos não determinados
sejam uma expressão dos “desigrejados” que nos EUA ou Europa são muitos, nestes
tempos de individualismo e de formação de um rebanho virtual.
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