Milhares de acusadas de bruxaria vivem em campos isolados em Gana – Por Katie Whitaker


Muitos suspeitam que a acusação de bruxaria na África é uma forma de se apropriar da heranças de viúvas

Em Gana e em outros países africanos, quando desastres atingem vilarejos, a busca por explicações acaba levando a bodes expiatórios – as chamadas bruxas.

Mulheres excêntricas ou extrovertidas – muitas vezes idosas – costumam ser os alvos mais fáceis, e os casos normalmente terminam com a expulsão da "culpada".

Atualmente, existem seis campos de bruxas espalhados por Gana, com até mil mulheres em cada um deles. Neles, mulheres exiladas de seus povoados podem viver sem medo de espancamentos, tortura ou até linchamento. Isto é, se forem consideradas inocentes ou passarem por um ritual de purificação.

No campo de Kukuo, recém-chegadas primeiro precisam comprar uma galinha de cores fortes como oferenda ao religioso chefe. Agachado, o velho sacerdote murmura algumas palavras antes de cortar a garganta da ave. Se ela cair de costas, é sinal de que a "bruxa" é inocente e está pronta para ser purificada com água benta.

Caso contrário, a "bruxa" precisa beber uma poção purificadora feita com sangue de galinha, crânio de macacos e terra. Mas, para o exorcismo funcionar, a mulher não pode ficar doente nos próximos sete dias. Se ficar, tem de tomar a poção novamente.

Embora a tradição dos campos de bruxas aparentemente seja exclusiva de Gana, o costume de encontrar no suposto uso de magia negra explicações para desastres é comum em várias partes da África.

Samata Abdulai

Histórias como a de Samata Abdulai, forçada a abandonar o seu povoado aos 82 anos, são comuns. Abdulai hoje vive no campo de Kukuo em um dos vários barracos cheios de goteiras e sem acesso a eletricidade ou a água corrente.

Para conseguir água, ela e as outras "bruxas" do campo andam cerca de 5 km diariamente até o rio Otti, carregando os jarros sozinhas.

Uma vida bem diferente do relativo conforto de que desfrutava no vilarejo de Bulli, a cerca de 40 km do campo, onde a vendedora de roupas de segunda mão aposentada cuidava de suas netas gêmeas, enquanto a filha trabalhava nas plantações de algodão.

 Safia e Samata Abduladia tiveram que abandonar o seu povoado. O destino da idosa mudou após um de seus irmãos acusá-la pela morte de sua filha, supostamente causada por uma maldição lançada por Abdulai.

"Fiquei confusa e cheia de medo, porque sabia que era inocente. Mas também sabia que, uma vez que começam a te chamar de bruxa, a sua vida está em perigo. Por isso, não perdi tempo, juntei as minhas coisas e fugi do povoado", contou à BBC.

"Quando você é acusada de bruxaria, é uma perda de dignidade. Para ser sincera, tenho vontade de simplesmente acabar com a minha vida."

Um relatório da organização não-governamental ActionAid publicado recentemente afirma que mais de 70% das moradoras do campo de Kukuo foram acusadas de feitiçaria e expulsas após a morte dos seus maridos.

Para muitos, isso é um sinal de que as acusações de bruxaria são uma forma velada de a família se apropriar dos bens da viúva.

"Os campos são uma manifestação dramática da condição da mulher em Gana", afirmou o professor Dzodzi Tsikata, da Universidade de Gana. "Idosas viram alvo porque não são mais úteis à sociedade." 

Para o grupo de direitos das mulheres Songtaba, aquelas que não se adaptam às expectativas da sociedade também acabam vítimas de acusações de feitiçaria.

"A expectativa sobre mulheres é de submissão, então, quando elas começam a dar muitas opiniões ou mesmo ser bem-sucedidas em seu ramo, começam as acusações de serem possuídas", afirma o acadêmico.

 O campo de Kukuo é um dos seis campos de bruxas que atualmente funcionam em Gana. Uma das irmãs mais novas de Abdulai, Safia, de 52 anos, também mora no campo para ajudar a própria mãe e a avó, ambas expulsas do vilarejo.

"Elas não são bruxas, isso é ódio, inveja e uma forma de se livrar de você", afirma. O governo de Gana sabe que a existência dos campos macula a reputação dessa que é uma das democracias mais progressivas e economicamente vibrantes na África. Por isso, no ano passado, afirmou que tomaria medidas para acabar com eles, provavelmente, em 2012.

O problema é que não se pode simplesmente mandar as mulheres de volta a seus vilarejos.

"Temos que trabalhar muito com as comunidades para que possam voltar sem serem linchadas ou novamente acusadas, se, por exemplo, uma vaca pula uma cerca e derruba alguma coisa", afirmou Adwoa Kwateng-Kluvitse, diretora da ActionAid em Gana.
Na opinião da ativista, isso pode levar entre 10 e 20 anos.



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