Extrema direita húngara intensifica discurso antissemita - Por Keno Verseck
As pessoas de origem judaica são
um “risco à segurança” e devem ser registradas em uma lista de âmbito nacional,
de acordo com o político de extrema direita da Hungria, Márton Gyöngyösi.
Os
comentários dele, proferidos no parlamento do país, provocaram indignação
generalizada. Mas o governo tem se mostrado lento para se distanciar desse tipo
de postura.
As conversas com o político de
extrema direita húngaro Márton Gyöngyösi geralmente se transformam em
cansativas maratonas de relativização. Ele insiste que não é um antissemita,
mas os judeus... Ele não é contra os roma*, mas os ciganos... ele não é um
extremista favorável a ditaduras, mas a democracia liberal... falhou.
No entanto, o economista e
ex-conselheiro fiscal de 33 anos de idade não é apenas um direitista formado ao
acaso. Ele é vice-líder no parlamento do partido Jobbik, que abocanhou 17% dos
votos durante as eleições de 2010 na Hungria. Os pais de Gyöngyösi trabalham
para associações comerciais húngaras no exterior, e ele passou um tempo no
Egito, no Afeganistão, na Índia e no Iraque durante sua infância e
adolescência. O partido Jobbik transformou-o em porta-voz para assuntos
relacionados a política externa.
Gyöngyösi frequentemente ri de
satisfação com suas respostas evasivas. Ele se vê como uma espécie de diplomata
com cabeça pensante de seu partido.
Gyöngyösi surpreendentemente
optou pela clareza em seus comentários no parlamento húngaro. Durante um debate
sobre a ofensiva militar israelense contra o Hamas, na Faixa de Gaza, Gyöngyösi
exigiu que “todos os judeus que vivem na Hungria sejam registrados” e que “os
judeus, especialmente os que atuam no parlamento e no governo (da Hungria),
sejam avaliados para que se detecte o perigo potencial que eles representam
para a Hungria”.
Em um comentário direcionado a Zsolt Németh, secretário de
Estado no Ministério das Relações Exteriores, ele disse: “Eu acho que você deve
essa lista à Hungria”.
Németh, especialista em política
externa de longa data do partido conservador Fidesz, que governa o país, nem
condenou nem demonstrou nenhum sinal de consternação com os comentários. “O
número de judeus no governo húngaro”, disse ele, “realmente não tem nada a ver
com o grave conflito no Oriente Médio”.
“Isso foi uma demonstração de
puro nacional-socialismo no parlamento”, comentou o historiador Krisztián
Ungváry, de Budapeste. Na verdade, essa foi a primeira vez que o partido Jobbik
se identificou abertamente com o dogma racista dos nazistas. Outros partidos de
direita da Europa também já esconderam o jogo em relação ao ódio racial.
Encontro com estrelas judaicas
Os comentários Gyöngyösi
desencadearam indignação e nojo em representantes de organizações judaicas,
políticos e ativistas de direitos civis na terça-feira (27). Várias centenas de
pessoas usando estrelas judaicas se reuniram na tarde de terça para protestar
contra “o fascismo rastejante” que tem tomado o parlamento da Hungria.
Slomo
Köves, chefe da Congregação Judaica Unificada da Hungria, se comprometeu a
tomar medidas legais contra Gyöngyösi. Não seria a primeira vez que o político
do partido Jobbik seria réu em um processo judicial. Na primavera** passada,
Átila Mesterházy, chefe do Partido Socialista, entrou com uma ação judicial
contra Gyöngyösi por ele ter negado a existência do Holocausto durante uma
entrevista.
Oficialmente, até o momento os
políticos do Jobbik tem refutado veementemente qualquer proximidade ideológica
com o neonazismo. Mas essas negações têm sido hesitantes. No N1, canal de
televisão pela Internet do Jobbik, por exemplo, o partido chegou a elogiar
Adolf Hitler e a descrevê-lo como um dos “maiores estadistas do século 20”.
Na
primavera passada, um deputado do Jobbik lembrou no parlamento o aniversário do
suposto assassinato ritualístico judaico de uma menina cristã de 14 anos na
aldeia de Tiszaeszlár, que envolveu acusações contra os judeus na determinação
da sentença final de assassinato e desencadeou várias semanas de pogroms***
entre 1882-1883. No verão**** passado, Csanád Szegedi, parlamentar europeu
perigosamente extremista e antissemita, foi expulso do Jobbik após a descoberta
de que ele tinha antepassados judeus.
Kristian Ungváry não está
surpreso com os comentários de Gyöngyösi. Há muito tempo ele vem argumentando
que o Jobbik é um partido neo-nacional-socialista que segue a tradição do Cruz
de Flechas (partido nacional-socialista húngaro que atuou durante o período da
Segunda Guerra Mundial), e também tem dito que o principal problema é o
silêncio que seu extremismo tem encontrado na coalizão de governo.
“O escândalo
de arrepiar os cabelos é a covardia sem limites exibida pela não-reação a tais
comentários”, diz Ungváry. “Sempre há nazistas em toda parte, especialmente na
Europa Oriental, e nós temos que viver com esse fato. Mas você precisa se
distanciar deles e repreendê-los. E isso não aconteceu”.
Só depois de grupos judeus terem
protestado o governo húngaro divulgou um comunicado, na terça-feira, no qual os
partidos governistas condenaram veementemente as declarações de Gyöngyösi no
parlamento e prometeram agir com firmeza na luta contra o racismo, o extremismo
e o antissemitismo. Ainda assim, o documento soa como um mea culpa obrigatório
tornado necessário pelo silêncio do Secretário de Estado Németh. Blogueiros do
portal de internet mais popular da Hungria, o index.hu, ressaltaram que o
parágrafo mais importante da declaração já foi usado várias vezes, quase que
palavra por palavra, em resposta a incidentes semelhantes.
Leitura recomendada
Na realidade, o partido
conservador Fidesz tem se aproximado cada vez das posições do partido de
extrema direita Jobbik, em parte para atrair os eleitores de direita e em parte
por convicção. Em setembro passado, por ocasião da cerimônia de dedicação de um
memorial, realizada na vila de Opusztaszer, no sul da Hungria, o primeiro-ministro
húngaro, Victor Orbán, proferiu um discurso ao estilo “sangue e terra”*****
sobre os valores húngaros – e que beirou o extremismo de direita.
Em maio deste
ano, László Kover, presidente parlamentar da Hungria, participou de uma
cerimônia para a entrega de um monumento em homenagem ao escritor o Nyiro
József, que era um dos principais ideólogos culturais do partido Cruz de
Flechas. No atual currículo nacional das escolas da Hungria, as obras de vários
autores antissemitas estão listadas como leitura recomendada.
O partido Jobbik também divulgou
uma espécie de correção para os comentários feitos por Gyöngyösi, na qual a
palavra “judeu” é substituída por “israelense”. De acordo com essa correção,
Gyöngyösi só estava se referindo aos judeus com dupla cidadania – os que têm
passaporte húngaro e israelense –, disse Gyöngyösi no comunicado do partido.
Ele pediu perdão a seus compatriotas judeus pelo mal-entendido.
O líder do partido Fidesz no
parlamento, Antal Rogán, também instituiu a cobrança de multas e de outras
penalidades para futuros comentários semelhantes aos feitos por Gyöngyösi.
O partido Jobbik parece
impassível. Atualmente, a agremiação está exigindo que seja realizada uma
verificação para determinar se os políticos húngaros também possuem cidadania
israelense. Além disso, os membros do Jobbik querem obter uma lista de lugares
da Hungria onde o “capital de Israel” é investido e que descreva a dimensão
desses investimentos.
Finalmente, o Jobbik está
exigindo que um pacto firmado pela Hungria com a Alemanha e a Polônia seja
tornado público. Gábor Vona, presidente do partido, está convencido da
existência de um tratado secreto. Nesse acordo, segundo ele, os três países se
comprometeram a fornecer um lar “para 500 mil judeus em caso de uma emergência”.
*Os roma (singular: rom) são mais
conhecidos em português como ciganos. Eles formam um conjunto de populações
nômades que têm, em comum, a origem indiana e uma língua (o romani), originária
do noroeste do subcontinente indiano. Em português, em rom significa “homem”
**No hemisfério norte, a
primavera vai de março a junho.
***Pogrom é um ataque violento e
de grandes dimensões maciço a pessoas, com a destruição simultânea de seu
ambiente de vida (casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo
tem sido usado para denominar atos de violência em massa, espontânea ou
premeditada, realizados contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias
étnicas da Europa. Porém, a descrição também se aplica a outros casos
envolvendo países e povos do mundo inteiro.
****No hemisfério norte, o verão
vai de junho a setembro.
*****O conceito de “sangue e
terra” (em alemão: Blut und Boden) refere-se a uma ideologia relacionada à
etnia e baseada em dois fatores: ascendência (ou o sangue de um povo) e pátria
(o solo, a terra pátria). Ele celebra a relação de um povo com a terra que ocupa
e cultiva, e dá um alto valor às virtudes da vida rural.
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