Religiosos criticam UFMG por barrar candidato com turbante em vestibular – Por Thaíne Belissa
O estudante que foi barrado ao
chegar para fazer provas de segunda etapa da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), devido ao uso de um turbante, levantou polêmica sobre o conflito
da religião e das leis civis, em Belo Horizonte.
O candidato ao curso de
música, Heitor Correa, teve que optar entre desistir do vestibular ou tirar a
peça (que compõe o traje da religião sikh dharma) e fazer prova em uma sala
separada. Diante da situação, ele preferiu abrir mão do turbante e prosseguir
no concurso.
Em carta aberta à coordenação do
vestibular da UFMG, uma praticante da religião, identificada como Gursangat K
Khalsa, afirma que o candidato foi coagido, insultado, além de passar por
constrangimento.
“Onde está a diversidade. Onde está a liberdade, os direitos humanos,
religiosos?”, questiona.
Para a religiosa, o ocorrido
revelou “ignorância” e “rigidez” da direção do concurso, que justificou a
intervenção com o trecho do edital que impede o uso de bonés, chapéus e
semelhantes. “Um turbante, um yamulke (usados pelos judeus), um hábito usado
pelas freiras católicas, não deveriam ser, nem de perto, confundidos com bonés!
Não somos uma Universidade procurada pelos asiáticos e árabes, como são as
universidades americanas e europeias. Portanto, falta-nos a devida exposição
que nos educa para a diversidade”, disse Gursangat K Khalsa na carta.
A UFMG informou que, pela regra
do edital, o candidato deveria ter sido eliminado do concurso, uma vez que se
apresentou com uma peça semelhante a chapéu, o que não é permitido. No entanto,
a direção considerou a questão e ofereceu a oportunidade de o estudante fazer a
prova sem turbante, em sala separada. Ainda segundo a universidade, a regra é
para impedir o uso de aparelhos eletrônicos, que podem ser escondidos nesses
acessórios.
Discussão polêmica
Representante da religião no
Brasil e ministro do templo, Bhai Ajit Singh Ragi Naad, 24 anos, explica que o
sikhismo nasceu na Índia e chegou ao país há cerca de 30 anos. Ele afirma que
há muitos casos de situações constrangedoras com seguidores da religião em
diferentes países.
“Comunidades dos EUA e Canadá têm relatos de seguidores
barrados em aeroportos e por policiais, principalmente após o atentado de 11 de
setembro, porque a aparência lembra o árabe”, afirma.
Ele explica que o turbante faz
parte do traje da religião, que também comporta outros itens, como uma pequena
faca, uma pulseira, cabelo em coque juntamente com um pente preso e um shrot
especial, que fica debaixo da roupa.
“O traje é importante porque é a
identidade da religião, representa o caminho que a pessoa escolheu. Nossa
tradição é de respeito às crenças, então também esperamos que a nossa seja
respeitada”, destaca.
Apesar disso, Ajit reconhece que
a religião acaba se adaptando em países do ocidente, pois o convívio tem sido
muito difícil. “Os costumes são muito diferentes. No caso do estudante, se
havia alegação de fraude, bastava checar e se não encontrasse problema,
deixá-lo com o turbante”, defende.
Para o coordenador do Programa de
Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, Flávio Senra, o diálogo
entre as duas partes é a solução para conflitos como esses. Ele acredita que a
sociedade precisa se preparar para a diversidade religiosa, mas que as
religiões também terão que fazer o exercício de se adaptar às leis do estado
onde estão inseridas.
“É preciso diálogo entre as duas instâncias. Vivemos numa
sociedade multicultural e temos que estar preparados para lidar com essa
diversidade. Ao mesmo tempo, a religião tem que entender a dinâmica da
sociedade e que as questões religiosas não podem se sobrepor ao estado”,
afirma.
Ele acredita que esse diálogo é
possível por meio da discussão do assunto na família, escolas, instituições
governamentais e na mídia. Em relação ao edital da UFMG, o professor entende
que o aluno que se propõe a realizar o vestibular precisa estar de acordo com
as regras dele. Entretanto, ele também acredita que é preciso maior reflexão
nesses quesitos.
“O edital poderia compreender melhor essa questão e se
preparar para essas situações. Afinal, não sei que mal pode fazer um turbante
ou um véu, não sei o que pode ter de tão agressivo”, diz.
Entenda a religião
Sikh dharma é uma religião
nascida no Norte da Índia, fundada por Guru Nanak Singh Ji, em 1450. Ela
engloba várias crenças, mas cultua um único Deus, chamado Ek Ong Kar. Segundo
Ajit, depois do fundador, a religião teve outros 9 sucessores. Hoje, os
seguidores têm como guru o livro sagrado, Sri Guru Granth Sahib Ji.
A religião prega que todas as
crenças são iguais e levam a um mesmo resultado. Os praticantes são ensinados a
trabalhar honestamente, doar dinheiro aos necessitados e viver sempre com a
presença de Deus em seu interior.
A religião migrou da Índia para
vários lugares, como Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, Austrália e Brasil.
Segundo o representante da religião no Brasil, o país tem cerca de mil
seguidores, sendo que a maioria está em São Paulo. No mundo todo são mais de 25
milhões de sikhistas.
Fonte: http://www.em.com.br
Comentários