A religião como delírio – Por Valton Miranda
"A crença é uma necessidade humana individual e coletiva que confortava o homem diante das inexplicáveis forças naturais ".
O mundo inteiro assiste ao
recrudescimento de todas as religiões, fanatismos e delírios ao lado da
intensificação sem precedentes da destrutividade e da sexualidade desenfreada.
O homem aparentemente tenta conter o galope desesperado dos impulsos pela
religiosidade delirante, porquanto os processos culturais de contenção deixaram
de cumprir o seu papel.
O processo civilizatório entrou
numa fase paradoxal, pois, ao contestar a repressão sociocultural imposta até
meados do século XX, substituiu-a por uma liberação libertina, na qual sexo e
morte se confundem. Isso se deu na vigência dos interesses consumistas da
produção que estimulam ao máximo o individualismo narcísico-egoísta.
O homem
aturdido não sabe como lidar com sua natural tendência a desenvolver crenças,
transformando-as em estruturas religiosas monolíticas, fundamentalistas e
ortodoxas, que supostamente funcionariam como verdadeiras barragens contra o
vício, a corrupção e o pecado.
Tal formação reativa tampona o
sexo enlouquecido ao lado da violência disfarçada para que outras formas de
destrutividade se manifestem na mentalidade social globalizada. Marx e Freud
que sempre proclamaram seu ateísmo não poderiam ter melhor comprovação de como
a religião funciona como delírio e alienação.
A antropologia mostra que as
crenças são substituídas por mitos, como é caso da mitologia grega utilizada
por Freud, para conceituar estruturas fundamentais da mentalidade individual e
coletiva do homem. Assim, as narrativas religiosas através dos tempos são
transformadas em sistemas mitológicos que as religiões repetem nos seus cultos
e cerimoniais.
Os sacrifícios e oferendas de animais e pessoas fizeram parte da
vida religiosa durante milênios até serem substituídos por símbolos não
sanguinolentos e cruentos. A crença é uma necessidade humana individual e
coletiva que confortava o homem diante das inexplicáveis forças naturais e
posteriormente passaram a fazer parte da moral ao atribuir a Deus o poder de
castigar a transgressão.
Além disso, o Altíssimo adquire
paulatinamente o potencial de perdão e benevolência em face da incontrolável
instintividade. O fato é que o sagrado e o profano, o altar e o trono, sempre
estiveram no inconsciente, tanto quanto na consciência da vida humana.
A
falência da organização familiar combinada com o imediatismo e
superficialização da vida na sociedade de consumo criam um vácuo tão
extraordinário que levam indivíduos a buscarem refúgios mentais nos delírios
religiosos que vão desde as peregrinações de grandes massas (Meca), até a
satanização que busca compensação na contraface diabólica da salvação.
O fenômeno universal da crença
que Marx inadequadamente caracterizou como “ópio do povo”, Freud afirmou ser a
ilusão criada pelo homem diante do desamparo e do medo da morte. É um tema
delicado para o psicanalista que luta contra o delírio de qualquer natureza,
mas igualmente deve entender a necessidade humana da crença. O problema é que a
religião se transformou em rendoso negócio de salvação no contexto da sociedade
capitalista.
Fonte: http://www.opovo.com.br
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