Candomblé e Igreja de Nossa Senhora de Santana (Chapada dos Guimarães)
Não foram os hinos católicos que ecoaram pela Igreja Nossa Senhora de Santana
neste final de semana, em Chapada dos Guimarães, mas sim a sonoridade dos
batuques do grupo de candomblé Maculelê.
Ainda que a cidade tenha uma presença
muito forte da população negra, foi a primeira vez que isso aconteceu.
Essa aliança em torno da cultura afro e da religião de matriz africana com preceitos cristãos foi proporcionada pela programação do Blues Chapada, encontro patrocinado pelo Grupo Olhar Direto. Como a proposta do evento foi movida pela tônica do blues, foi programado um cortejo que ressaltaria a força do movimento negro de libertação por meio da música.
Ainda que no Brasil seja muito comum essa relação de proximidade entre a Igreja e o candomblé, em Chapada ela ainda não havia sido vivenciada. “Este é um momento único, isso nunca aconteceu. Minha mãe Nanã deve estar feliz”, disse uma integrante do Maculelê que é filha de santo, de Nanã, equivalente a Nossa Senhora de Santana. “Este é um marco da história de Chapada”, completou a ossanha, Fátima.
Ao lado do grupo estava a cantora Deise Águena, católica praticante. Ela puxou o canto de trabalho datado de 1901, Wade in The Water, cantado por negros que trabalhavam nas lavouras de algodão. Esses cânticos que são a raiz do blues são chamados spirituals. “A Igreja é um lugar onde a gente se sente mais perto de Deus, e neste momento vejo como ele é generoso ao aceitar a união de duas religiões”.
O sincretismo religioso que é marca brasileira aqui foi colocado em prática. A antropóloga e professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Mato Grosso, Sonia Regina Lourenço, afirma que esses encontros interculturais são bastante comuns em outras regiões, porque estão intrinsecamente ligados à convivência entre comunidades.
“Muitos dos habitantes
de Chapada descendem de escravos e isso os traz uma memória coletiva muito
forte. Mesmo não tendo presenciado esse momento, foi muito positivo, um
encontro ecumênico. Talvez o mais híbrido. Um movimento de construção de um
entendimento da diferença, o oposto de um conflito".
Algumas pessoas reagiram contrárias ao ocorrido. “Não gostei de saber disso, sou totalmente contra. Tambor na Igreja Católica, não”, disse uma cristã que não quis se identificar.
Sônia lembra que o imaginário popular condena religiões como o candomblé. “As religiões de matrizes africanas são vistas de forma negativa. Vários discursos protestantes e segmentos da Igreja Católica tendem a demonizá-las. Foram construídas imagens bastante equivocadas do candomblé e da umbanda, que tem em sua formação orientações cristãs e espíritas. A rejeição é própria desse campo religioso muito tenso e diversificado”.
Ela realça que até estudos do IBGE refletem um Brasil hegemonicamente católico, mas na verdade, vemos que não é bem assim. “O brasileiro busca itinerários terapêuticos, como a macumba da umbanda, um passe no inicio da semana, abre o tarô, pergunta aos búzios e vai à missa no domingo. E todos são batizados”.
As diferenças se encontram na cidade. Neste caso, foram até à Feira. O grupo de maculelê e a cantora Deise Águena, desta vez pelo gaitista José Augusto Oliveira que se juntou ao cortejo, saíram da igreja de Santana e foram percorrer a feira de Chapada, em torno da Praça Dom Wunibaldo.
Cantando e
celebrando a cultura negra. A terapeuta Ilzegard Canavarros Bernardino, ora
fitava as frutas, ora fitava o movimento do cortejo. “Achei espetacular saber
dos tambores na Igreja. E agora, a feira está bem animada, essa feira é uma
caixinha de surpresa”, arrematou.
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