Bola de Neve tenta barrar ‘biografia’ sobre marketing e igreja - Por Anna Virginia
A Bola de Neve, igreja evangélica
liderada por um pastor surfista que usa pranchas como púlpito, tentou barrar na
Justiça o livro:
“A Grande Onda Vai te Pegar, Marketing, Espetáculo e
Ciberespaço na Bola de Neve Church”
Virou marola a ação apresentada
na 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo: uma
liminar para proibir o lançamento da obra foi negada aos advogados da
igreja.
O título teoriza sobre supostas
estratégias de mercado adotadas pelo apóstolo Rina, que fundou a “church” em
1999. Trata-se de um tipo que dispensa gravatas e adota leve topetinho (com
cabelo mais tosado nos lados) para combinar com o estilo “mamãe passou Cenoura
& Bronze em mim”, popular entre os jovens, formado em marketing e
pós-graduado em administração.
Eduardo Meinberg Maranhão, 40
anos, o “Du”, foi fiel da igreja entre 2005 e 2006. Já ex-“bolado”, defendeu em
2010 uma dissertação de mestrado em história, na Universidade do Estado de
Santa Catarina, sobre a instituição. O trabalho acadêmico virou livro, que logo
virou dor de cabeça para seu autor.
No último 30 de outubro, durante
o lançamento da obra na USP, Du foi interpelado por um advogado da Bola. “Ele
tentou me persuadir, dizendo que eu teria problemas caso lançasse o livro.”
Nos autos do processo, o juiz
cita o artigo 20 do Código Civil, que veta biografias não autorizadas e que
Roberto Carlos e Caetano Veloso, antes de procurarem se desentender,
lutavam para preservar.
Para o juiz Alexandre Marcondes,
a utilização desse dispositivo “apenas será tolerada quando seja possível
afastar, de imediato, a presunção constitucional de interesse público”. O que
não seria o caso aqui: “O interesse público é inegável”.
Para ele, o trabalho é acadêmico,
e a igreja, apesar de ser pessoa jurídica de direito privado, “congrega
interesses públicos e privados”.
Conversei com uma advogada da
igreja, Taís Amorim, por telefone e e-mail. Ela defende que o "x" da questão
nada tem a ver com censura prévia, e sim com o uso indevido “da marca”.
“O autor utiliza, sem qualquer
autorização, o nome da igreja na capa do livro, induzindo a erro especialmente
os milhares de membros da entidade, que poderiam confundir a publicação como
sendo da própria igreja (como de fato foi possível constatar no pouco de
divulgação via Facebook).”
Taís também diz que, pela sinopse
do livro, “foi possível deduzir que o juízo de valor promovido pelo autor não
condizia à realidade da entidade”. Enxergar a Bola de Neve como uma “agência
mercadológica é uma inverdade e, portanto, uma ofensa à entidade, que tem como
único alvo e fomentador de seus trabalhos o Senhor Jesus Cristo”.
A advogada foi a primeira a me
ressaltar a formação em marketing do apóstolo. Ela diz que Du procurou Rina com
algumas perguntas sobre a igreja, mas decidiu ignorar suas respostas. Como
aquela em que líder religioso teria dito: “Rasguei e joguei fora todos os
livros e aprendizado que obtive na faculdade, pois quem dá o crescimento à
igreja é Deus”.
O autor afirma que conversou com
Rina pelo Facebook, em setembro. As respostas só teriam chegado há cinco dias
do lançamento, sem tempo hábil para inseri-las no livro, que a essa altura já
estava na gráfica.
No Princípio Era…
Janeiro de 2005. Du, cantor de
rock nas noites paulistanas, havia se mudado para Florianópolis no dia 31 de
dezembro, “atrás de vida nova”. Já conhecia wicca, bruxaria, kardecismo, “mil
igrejas evangélicas”, com direito a “heavy metal gospel”.
Até que uma amiga chegou com a
proposta:
- E aí, Du, você já foi à Bola de
Neve?
Ele perguntou se era o nome de
uma sorveteria local.
“Rindo de mim, ela me explicou
que se tratava de uma igreja evangélica de surfistas, que tocava reggae e rock
e tinha a fama de ser liberal em relação a muitos costumes, inclusive
permitindo que os fiéis ‘ficassem’ durante o culto e que fumassem maconha na
igreja”, escreve no livro.
Nota rápida da blogueira: em
2011, visitei dois cultos da Bola de Neve no templo da Pompeia, zona oeste de
São Paulo, e não vi nada disso: o que testemunhei de mais radical foi uma
adolescente de bandana na cabeça, estilo Axl Rose, e uma camisa do Bob Esponja
que dizia algo mais ou menos por aí: “Nada de amarelar: chega de absorver
pecados!”
Em 266 páginas, o autor intercala
análises acadêmicas com sua experiência na Bola de Neve. Narra um evento que
foi com a namorada: “Nos sentamos próximos ao altar-palco e exatamente à nossa
frente estavam Monique Evans e Cida Marques, [...] as duas vestidas de
minissaia e blusa (bem) decotada”.
Diz ele: “Em minha dissertação,
termos como agência religiosa, marketing, espetáculo e midiatização são
entendidos de forma diferente do senso comum, que trata e tende a ver os mesmos
do lado oposto da dimensão do sagrado. Tais termos não têm sentido negativo nem
positivo, na minha opinião são categorias de análises, rasuráveis, como
proponho”.
Responsável pela publicação, a
Fonte Editorial espera a entrega da primeiro tiragem comercial do livro, de até
1.000 exemplares, segundo o editor Eduardo de Proença (o autor calcula que cada
um custará em torno de R$ 40).
Em seu catálogo, “A Grande Onda
Vai te Pegar” se somará a títulos como: “O Evangelho Segundo os Simpsons”, “O
Lado Bom do Calvinismo” e “Deus, Diabo e Dilma: Messianismo Evangélico nas
Eleições 2010”.
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